24 de jun. de 2010

E-book O Caso Araucária e Rota Naútica Cultural

Publico 2 E -book neste post

Boa leitura
Fernanda

AS AVENTURAS DE LINNA FRANCO:
O CASO ARAUCÁRIA


Ebook
AUTORIA: FERNANDA BLAYA FIGUEIRÓ




O caso Araucária.

Linna Franco nasceu com histórias criadas para o Site da Revista Viamão, logo ganhou da escritora Fernanda Blaya Figueiró o Blog: www.linnafranco.weblogger.com.br, idealizado por Lou Salzano.
A personagem é estudante de jornalismo, ciclista amadora, fotografa free lancer e ativista política. Procura praticar uma alimentação natural, mas não se opõe ao consumo moderado de alimentos de origem animal, para ela o mais importante é o equilíbrio, em tudo.
Neste texto encontramos a personagem envolvida com o caso da Araucária, árvore encontrada em abundância no sul do Brasil e que produz um alimento riquíssimo em vitaminas e amido, o pinhão, que sempre foi muito usado na culinária indígena.
Nesta história Linna e um grupo de amigos decide explorar a Mata Atlântica, no município de Maquine, região do litoral do Rio Grande do Sul. No passeio vários fatos acontecem inclusive o sumiço de um dos integrantes do grupo.









O caso Araucária.
Chegando na reserva. I Capítulo.

Linna acordou cedo. Olhou para o relógio: cinco e meia da manhã do último sábado de junho. Precisava correr, pois sairia em poucos minutos para um passeio a Reserva Ecológica Serra Geral, no município de Maquiné. Fazia muito frio, por isso decidiu usar uma meia calça de lã, camiseta e uma blusa. Quase não conseguia fechar a calça jeans, de tanta roupa que colocou.
Chegou no ponto de encontro escabelada, amassada e com um sorriso amarelo nos lábios. Estavam todos lá: Armando, fotógrafo e seu grande amigo. Oscar o professor mais querido e gato do curso de jornalismo, acompanhado de sua esposa Janete e de Tadeu, o filho pré-adolescente deles. As amigas Andressa, a praticinha mais legal que ela conhecia, e Giordana, a “cabeça” da turma. Ela estava sempre ligada em tudo, fazia parte de movimentos pela valorização da cultura negra, dos direitos femininos e de vários outros grupos. Olhou para Linna com olhar de reprovação por seu atraso. Estava lá ainda, Josefina a amiga centenária do grupo, acompanhada de Murilo, seu bisneto.
Haviam reservado cabanas em uma pousada. Estavam levando roupas de cama, lanternas, e algumas provisões, incluindo água mineral e alimentos. Lá era absolutamente proibida a caça, a pesca e qualquer tipo de atividade destrutiva da natureza, bem como eles gostavam.
A turma alugou um micro-ônibus, pois era mais econômico e seguro. Saíram às seis e cinco. Inicialmente o grupo estava um pouco desanimado, sonolento, mas aos poucos o clima foi esquentando. Josefina quase matou todo mundo de tanto rir contando as suas piadas, tão velhas quanto ela.
Posso contar mais uma? - perguntou ela.
Chega! - respondeu Murilo.
Se fosse para ficar quieta e dorminhocando eu ficava em casa! exclamou Josefina, indignada.
Eu gosto que você conte suas histórias - interrompeu Armando.
Então eu vou contar a lenda da Gralha Azul.
Que lenda é essa? - perguntou Gi.
É uma história muito conhecida no Paraná, mas tem tudo a ver com a Mata Atlântica - Josefina esperou que todos olhassem para ela e começou a contar a história: - Diz a lenda que quando o homem branco veio para estas terras, começou a destruir a Mata, sem piedade... Um dia - continuou ela, notando que o grupo prestava a atenção - uma Gralha Negra, que estava aninhada nos galhos de uma Araucária, foi acordada pelos sons de um machado... Ela conseguiu voar, antes que o pinheiro tombasse sem vida. Olhou para o céu e viu aparecer uma luz muito forte e brilhante. Logo em seguida ouviu uma voz misteriosa, que lhe prometeu que se ela aceitasse a missão de reflorestar a Mata seria tingida de Azul. A gralha aceitou o desafio e passou a cumprir a missão, tendo o corpo coberto de azul como recompensa. Só o seu peito e o bico ficam negros, para lembra-la de sua tarefa. Assim a Mata foi salva da destruição.
Que linda história Josefina, onde você ouviu? - perguntou Linna.
Eu, quando era mais jovem, viajei este Brasil inteiro, – respondeu ela - sempre gostei de saber as histórias de cada lugar, essa é uma das que mais me chamou a atenção...Ouvi lá em Curitiba, há muito tempo...
Dizem que a Gralha Azul é capaz de plantar 3000 sementes por hectare de mata, - explicou Renato, o motorista, que era morador das redondezas - elas costumam enterrar os pinhões, para comer em outra época, e algumas acabam esquecendo onde colocaram. As sementes brotam, sendo uma excelente forma de reflorestamento.
Hoje as araucárias são protegidas em toda esta região - informou Oscar.
A lenda ficou nos pensamentos de Linna, será que encontrariam alguma Gralha Azul na Mata? Já estavam quase chegando, quando Josefina convenceu o grupo a parar e tomar um lanche reforçado, já que o dia seria puxado.
O café colonial, típico daquela região, contava com vários tipos de pães, cucas, bolos, queijos e embutidos. Era realmente uma refeição para quem ia fazer muito esforço. O maior sucesso era dos sonhos: doces feitos com uma massa frita, coberta com açúcar e recheada com doce de leite.
Josefina comeu apenas algumas frutas e biscoitos. Enquanto os outros se deliciavam com as iguarias, ela foi explorar as redondezas. Comprou várias peças de artesanato feito com folhas de bananeira.
Vamos, Josefina - chamou Renato.
Vamos, meu filho, só me ajuda com as compras - disse ela - que estava carregada.
Sim, senhora. Uma Gralha Azul feita de palha? -indagou Tadeu.
Isso mesmo, e olha o que eu achei?- Josefina mostrou o que trazia na mão: - Uma pinha!
Linna estava espantada com sua força, correu para ajudá-la, já que estava carregando com uma mão o artesanato e com a outra a enorme pinha, repleta de pinhões.
Acauã o rapaz que vendeu os produtos para Josefina, disse que as sementes estavam no ponto certo para serem consumidas. Bastava debulhar e cozinhar em água com sal. Disse ainda que seu povo costumava comê-las cruas, pois assim mantinham mais as suas qualidades nutritivas.
Linna queria fotografá-lo. Acauã sorriu e pediu a ela que não fizesse isso, já que não gostava de ser fotografado. Ela pediu desculpas, disse que em sua cultura a fotografia tinha a função de guardar lembranças e registrar as coisas. Atribuíam um valor muito alto a ela.
Mas para quê? - perguntou-lhe o rapaz.
A gente gosta de olhar depois e lembrar do que fez, os lugares bonitos por onde passou, as pessoas bacanas que a gente conheceu, entende?
Não! - Acauã falava com muita calma. - Na fotografia não vão aparecer à luz do sol, o perfume da tinta que cobre a gralha, o frio do dia de hoje, nem mesmo esta fumaça saindo de sua boca.
Mas um pouco destas coisas fica subentendido - disse Linna.
Nós índios guardamos tudo no coração – falou Acauã sorrindo. - É melhor, pois fica mais bonito e vivo.
Então tá, não tem problema - disse Linna.
Vamos fazer assim, - ele pegou um pequeno objeto colorido - eu lhe dou esta flor feita de bananeira e você me dá uma fotografia e vamos ver quem vai lembrar melhor um do outro.
Tá valendo! - Linna aceitou o desafio.
Ela pegou a flor e deu a ele uma fotografia em que aparecia, durante uma passeata pela paz no parque da redenção. Explicou para Acauã o que as imagens significavam: aquele mar de pessoas vestindo branco e caminhando juntas no parque, num domingo de sol, pedindo um pouco de paz no mundo. Já o jovem rapaz lhe explicou que a flor significava a capacidade de renovação da floresta e a beleza da natureza, ele mesmo tinha feito.
Estavam tão absorvidos pela conversa que mal perceberam que o grupo todo estava parado olhando para eles. Despediram-se e guardaram as relíquias.
Acauã intrigou Linna. Ela teve a impressão inicial de que falava com uma pessoa embrutecida, mas logo viu que era culto e bem articulado, diferente do que os seus padrões culturais esperavam de um homem criado na mata. Armando riu, disse que ela sempre tinha um pré-conceito acerca de tudo. Ela primeiro julgava as pessoas conforme modelos, para depois conhecê-las.
Pelo menos eu sou flexível - ela respondeu claramente numa posição defensiva.
Isso é verdade, você costuma mudar os conceitos e refletir sobre as coisas - Falou Oscar, ele conhecia Linna muito bem, pelos seus textos e trabalhos da faculdade.
Quer saber - interrompeu Gi - achei Acauã lindo!
Eu também - falou Josefina. E mais, achei galanteador.
Já entendi... Vocês vão querer bancar uma de Cupido para o meu lado.
Linna riu e fez um sinal para as duas deixá-la em paz. Mas na real tinha ficado impressionada com ele. Guardou a pequena flor no bolso interno da japona.
Chegamos! - anunciou Renato.
O lugar era indescritivelmente lindo, uma trilha levava a uma clareira no meio da Mata Atlântica, com algumas cabanas de madeira, totalmente integradas a paisagem.
Pauline, uma garota muito simpática, veio recebe-los, estava de responsável pela pousada. Conforme eles haviam reservado Armando e Murilo ficaram nas barracas; já, Josefina, Linna, Andressa e Giordana em uma cabana e Oscar, Janete e Tadeu em outra.
Havia outros grupos visitando a pousada, Pauline logo fez as apresentações, informou as normas da reserva que eles iriam visitar e disse que seriam o único grupo a fazer o passeio. Pediu para que todos guardassem suas coisas e encontrassem com o guia. Deviam levar alguma coisa para comer, água e lanternas. Ela distribuiu sacos para que cada um recolhesse o seu lixo e trouxesse de volta.
Acauã chegou carregando uma mochila e se apresentou como o guia da expedição. O sentimento do grupo foi de pura alegria, já que todos tinham adorado ele.
Josefina não quis fazer a caminhada, preferiu ficar na cabana, pois, queria cozinhar os pinhões e procurar chás e ervas terapêuticas. Ela não tinha mais idade para fazer exercícios pesados, ficou com Pauline e os outros hóspedes, assim o grupo partiu sem preocupações.
Acauã, quanto tempo mais ou menos vamos levar? Perguntou Gi.
Vai depender de vocês - ele disse. - A reserva é grande, podemos ficar o dia todo, só devemos nos preocupar em estar de volta antes do sol cair, por causa do frio.
Você sabe se existe alguma Gralha Azul por aqui? - perguntou Tadeu.
Sim. São bastante comuns nessa região - ele respondeu.
Josefina nos contou uma lenda sobre elas - disse Tadeu. Eu queria ver uma.
Eu conheço a lenda... Mas não sei se veremos alguma, pois costumam ficar nas copas das araucárias - Acauã chamou a atenção deles e deu algumas orientações. - Bem, eu quero pedir para que todos fiquem atentos a mim, a reserva é grande e a vegetação muito parecida. Procurem não se afastar e se alguém precisar parar informe aos outros. Alguém tem alguma dúvida? - ele perguntou.
Posso fotografar a paisagem? - perguntou Linna.
Pode - disse Acauã, com um sorriso malicioso. Ele sabia que a pergunta era irônica.
Acauã pediu para que formassem pares, assim cada um se responsabilizava por um companheiro, isso facilitaria o controle. Linna ficou responsável por Tadeu, Oscar por Janete, Gi por Andressa e Murilo por Armando e vice-versa. Acauã andava na frente e só parava quando alguém lhe perguntava alguma coisa.
Ao longo da caminhada a paisagem foi ficando cada vez mais deslumbrante. Envolvida pela mata densa, a luz do sol mal passava entre as folhas, formando alguns poucos feixes de luz. O frio parecia subir pelas pernas, todos estavam bastante agasalhados, mas mesmo assim sentiam o ar gelado e úmido. Os sons da mata eram impressionantes: pássaros, bugios, água correndo... Tadeu observava tudo, mostrou para Linna uma pequena fonte que corria entre as pedras como uma cachoeira, nela a luz do sol tinha formado um arco íris. Os dois pararam alguns minutos para fotografar e Acauã fez o grupo todo parar.
Hei! Vocês lembram que não devem parar sem avisar?
Já vamos - respondeu Tadeu.
Desculpa, foi só uma paradinha - disse Linna. - Tadeu gostou muito do Arco Íris e eu quis registrar.
Guarda no coração Linna... - brincou Acauã. Se vocês ficarem para trás vamos nos atrasar.
Olha! - Armando apontou para o alto de uma Araucária. - Duas Gralhas Azuis.
Oba! Foi fácil de encontrar, exclamou Tadeu. Elas são pequenas, achei que fossem bem maiores.
O garoto estava deslumbrado, estavam embrenhados na mata e as duas aves pareciam se exibir para eles.
Consegui uma imagem ótima delas - informou Armando.
Que barulho é esse? - perguntou Linna.
Ouviram um som compassado, como se fosse o de uma pessoa quebrando galhos.
Deve ter outros grupos por aí! Vamos em frente, determinou Acauã.
Gi e Andressa pediram para parar um pouco, o ar estava ficando mais rarefeito na medida que subiam a serra. Andressa tinha asma e usou um inalador para poder continuar. O ritmo da caminhada desacelerou, estavam ficando cansados. Tadeu que tinha apenas onze anos estava mais inteiro que todos, corria na frente, subia em pequenos obstáculos, era acostumado a fazer trilha. A diversidade da flora e da fauna tornava a caminhada muito interessante.
Acauã seguia por algumas “picadas” e conhecia bem o caminho. Tadeu disse que deveria ter deixado marcas para saber voltar. Lembrou da história de Joãozinho e Mariazinha, um conto de fadas, no qual as crianças ficavam perdidas na floresta, pois deixavam pedaços de pão para marcar o caminho e os pássaros comiam tudo.
Imagina se agente se perde? - indagou ele.
Calma Tadeu, eu conheço bem o caminho, mas caso você se perca é só seguir a trilha de volta – respondeu Acauã.
Mas, tem várias trilhas - Tadeu ponderou.
Tem mesmo - disse Acauã - mas a principal é mais larga e se você notar bem o caminho é de terra, não tem quase vegetação.
Nós passamos pela fonte - disse Tadeu - pelas pedras pontudas e agora por esta ponte.
O pessoal chama estas pequenas pontes de pinguela, informou Acauã.
Não parece muito seguro, disse Armando.
Não precisa ter medo de atravessar, estas pontes são firmes - afirmou o guia.
Acauã passou na frente e foi ajudando um por um. A pinguela era uma pequena ponte feita de torras de madeira, presas com cordas. Era flexível, o que dava a impressão de ser pouco segura. Em baixo dela passava um córrego, Acauã não quis deixar Tadeu com medo, mas havia muitas trilhas, pinguelas, quedas d’água, pedras pontudas... Ele conhecia bem a mata, mas para quem não conhecia as armadilhas eram muitas.
Já era quase meio dia quando chegaram ao rio Maquiné, uma das atrações do passeio. Lá descansariam por um tempo, almoçariam e depois retomariam a caminhada.
Que lugar! Exclamou Murilo, ele tinha estado quieto o caminho inteiro.
Acauã disse que eles podiam ficar a vontade, desde que não se afastassem muito.
É mesmo lindo, interrompeu Linna. Que estranha à cor da água, quase verde de tão limpa.
Pois é. As fontes do rio estão a quase mil metros de altitude, a água brota límpida e abundante das fendas da Serra Geral - informou Acauã.
Nós vamos ir até a fonte? -perguntou Oscar.
Não sei, saímos muito tarde do acampamento e o grupo é meio despreparado para caminhar tanto – Acauã sabia dos desafios de subir até as fontes.- A minha idéia é leva-los até um pedaço e retornar, mas vocês podem decidir.
Primeiro nós precisamos descansar, falou Andressa.
Eu concordo, disse Janete, vou preparar o almoço do Tadeu, ele come feito um maluco, com essa caminhada deve estar faminto...
Podemos almoçar todos juntos - disse Linna - eu trouxe quiche de palmito, nozes e castanhas. Dizem que quando a gente caminha muito deve comer alimentos energéticos.
Vamos fazer uma grande mesa, disse Armando.
Enquanto organizavam o almoço Tadeu chamou Acauã e mostrou que na outra margem do rio havia algumas pessoas. Ele acenou para o grupo e perguntou como estavam indo. Uma jovem respondeu que estava tudo bem. Acauã apresento-a para Tadeu, disse que se chamava Moema.
Moema? O seu grupo não quere se juntar a nós? Perguntou Acauã.
Não. Estamos indo pras fontes, eles querem chegar lá logo - respondeu ela. Aqueles outros homens estão no seu grupo? - Moema apontou para um grupo que caminhava para dentro da mata.
Não, nunca tinha visto eles. Por que?
Achei uns grosseiros, não nos cumprimentaram, estão carregando mochilas pesadas... Parecem caçadores.
Aqui! Os guardas florestais não teriam deixado entrar. Mas vou prestar atenção - disse Acauã. Meu grupo só vai até um pedaço, uma das meninas tem asma o que dificulta a subida e uma senhora ficou esperando por eles no acampamento. Vamos regressar logo.
Eu só desço bem no fim da tarde. Tchau!
Tchau! - responderam ao mesmo tempo Acauã e Tadeu.
Moema acenou e continuou subindo a serra com seu grupo, caminhavam rápido.
Como ela é linda, é sua namorada Acauã? – perguntou Tadeu.
Não, minha irmã - ele respondeu.
Será que ela gostou de mim? – insistiu o garoto.
Opa! Tira o olho, baixinho.
Calma, cunhado.
Que história de cunhado é essa? Perguntou Linna, se aproximando dos dois.
Linna! Conheci uma Deusa- disse Tadeu - Moema, a deusa da luz...
Mas que pia abusado – brincou Acauã - correndo com ele. Volta aqui, vamos esquecer isso... É só brincadeira.
Quem é Moema? - perguntou Linna.
Minha irmã. Lá vai ela. - Acauã apontou para a outra margem do rio, Moema já estava longe.
Sabe que você quase acertou o significado do nome dela, disse Acauã para Tadeu.
E qual é? -perguntou Linna.
Moema significa: Aurora.
E Acauã? - perguntou Tadeu.
Ave que ataca serpente - Ele respondeu, num tom bastante sério.
Então não precisamos ter medo de nada, brincou Linna.
Eles se juntaram ao resto do grupo e fizeram uma ótima refeição, enquanto trocavam as experiências sobre a caminhada. Acauã comentou com Linna que Moema tinha visto um grupo estranho, estavam explorando a Mata sem um guia e pareciam um pouco mal humorados. Acauã pediu a ela que ficasse mais atenta a Tadeu, pois ele era muito curioso e vinha se afastando do grupo. Linna disse que ele podia contar com ela e que tinha visto os homens.
Depois do almoço Linna sentou na margem do rio e ficou observando as pedras e a correnteza, pequenos peixes nadavam tranqüilamente em cardumes. A água era tão limpa que dava para ver o fundo, estava muito frio, mas ela decidiu tirar os sapatos e colocar os pés na água. Sentiu um arrepio de tanto frio. Mas também sentiu a magia da água. Acauã sentou com ela e perguntou se estava gostando do passeio.
Estou adorando - Linna respondeu. È muito bom estar aqui...
Linna puxou o pé com rapidez, soltando um pequeno grito.
Uma sanguessuga! - ela disse.
Deixa que eu tiro, disse Acauã segurando o pé de Linna. Ela não faz mal nenhum – ele completou.
Eu sei - disse Linna- não é a primeira fez que piso num rio.
Acauã puxou a sanguessuga de uma vez, ainda não tinha grudado totalmente na pele de Linna, que tratou de calçar os sapatos e não inventar mais nada.
Acho que devemos seguir, já estão bem descansados? Perguntou Acauã.
Claro, disse Armando, eu quero muito chegar na Araucária.
Eu já estou pronta - disse Gi. Vocês ouviram um estampido agora a pouco?
Eu ouvi, disse Murilo. Parecia um foguete.
Eu não ouvi nada, disse Acauã.
Foi bem na hora que a Linna gritou que tinha uma sanguessuga no dedo dela - respondeu Tadeu.
Deve ter sido o outro grupo – informou Acauã - A Moema me falou sobre eles, são um pouco estranhos. Se alguém ouvir mais alguma coisa eu contato os guardas da reserva.
O celular funciona aqui? -perguntou Andressa.
Não. Mas eu tenho um transmissor de rádio. Todos os guias têm, estamos sempre em sintonia.
Acauã foi levando eles para a parte mais densa da mata, os animais começaram a aparecer com uma freqüência maior. Pacas, lebres, lagartos, muitas borboletas e aves de várias cores, tamanhos e formas.
O grupo caminhava em silêncio, aos poucos estavam totalmente absorvidos pelos sons da mata. Linna começou a entender o que Acauã tinha falado sobre a fotografia. Pois nada podia superar a sensação de estar ali. Nenhuma imagem podia revelar todo aquele mistério. Suas pernas começavam a pesar, sentia cada passo como se estivesse com sapatos apertados. Eles ouviram um novo estrondo e Acauã gritou que não precisavam se preocupar, pois era apenas uma trovoada. O tempo estava mudando rapidamente, começava a ventar. Linna observou que os animais corriam para as tocas, os pássaros voavam para a copa das árvores, como se estivessem se preparando para a chuva.
Pouco depois chegaram a uma clareira onde havia uma enorme Araucária. A sensação foi fascinante. A árvore parecia uma rainha em seu palácio, seus galhos mais altos formavam um cálice, era muito bonita. Armando e Linna a fotografaram de vários ângulos. O grupo todo ficou muito satisfeito em ter chegado até lá.
O vento derrubou uma enorme pinha, que quase caiu na cabeça de Andressa, Gi puxou a amiga a tempo. Acauã pediu para ninguém recolher, pois toda aquela área era de preservação. E os pinhões serviam para alimentar os animais. Eles ficaram um tempo observado a Grande Araucária e Acauã convidou-os para retornar, já que o tempo estava mudando muito rápido.
Linna e Tadeu viram uma gralha azul descendo até o chão e recolhendo com o bico um pinhão, logo ela levou para um outro lugar bem próximo e enterrou a semente. Eles ficaram bem quietinhos observando. O vento zunia nos ouvidos. Acauã levou o grupo para um patamar formado por algumas rochas e eles descobriram que haviam subido muito. O vale estava longe. A Vista era linda, valia a pena estar ali!
A descida foi sem muitos sustos, só tiveram que apurar, pois os trovões e relâmpagos aumentaram muito. Podiam ver que já chovia em algumas partes, o vento empurrava os pingos e a água caia como se fosse uma cortina. Aos poucos foram atingidos por pingos grossos e gelados de chuva.
Eles chegaram ao acampamento encharcados, mas sem nenhum aranhão. Oscar e Janete correram com Tadeu para o chuveiro, precisavam de um banho quente.
Linna agradeceu muito à Acauã, tinha adorado o passeio e entendido um pouco a sua filosofia. Ele disse que também tinha entendido o quanto à fotografia era importante em sua vida. O cuidado com que ela escolhia as imagens e até todo o ritual que ela fazia.

Eu queria pedir desculpas a você Linna, disse Acauã. Por não ter permitido que me fotografasse hoje cedo.
Bobagem, eu fui intrometida, nem lhe conhecia e já queria fotografá-lo, como se você fosse parte da paisagem, respondeu ela.
È que eu fico um pouco “desconfiado”, pois tem algumas pessoas que acham que nós índios somos objetos e não pessoas – confidenciou o rapaz – acabam ridicularizando com a gente.
Eu sei, disse linna. Você não tinha como avaliar quais eram as minhas intenções. Na verdade eu devo lhe pedir desculpas. Mas agora já podemos nos considerar como amigos? – perguntou Linna, estendendo a mão para ele.
Claro - respondeu Acauã, estendendo a mão para ela. Agora eu preciso ir, pois estou congelando com essas roupas molhadas.
Pauline pediu para que Acauã ficasse, lhe conseguiria roupas secas. Moema e o seu grupo não haviam retornado. Ela estava ficando preocupada tinha tentado contato pelo rádio desde o início da chuva, a pedido do pessoal da pousada em que estavam hospedados.
Calma! Eu fico, mas ela me disse que o grupo queria chegar nas fontes. Encontramos com eles ao meio dia, mesmo todos sendo atletas, devem ter demorado a chegar lá.
Não sei, é que me bateu um pressentimento... Disse Pauline.
Pauline, a Josefina ficou bem? Perguntou Linna.
Nem sei, aconteceu tanta coisa. Eu a vi colhendo alguns chás e umas ervas. Depois entrou para a cabana e não saiu mais.
Linna entrou e foi para o banho, Andressa e Gi estavam prontas. Elas haviam reanimado o fogo do fogão à lenha. Um caldeirão estava sobre a chapa com os pinhões, quase cozidos. Mas nada de Josefina. Uma pequena chaleira contendo ervas e água exalava um aroma maravilhoso de chá.
Linna saiu do banho, vestiu uma roupa quente e colocou sua japona para secar perto do fogão, no bolso encontrou a flor que Acauã havia lhe dado. Por sorte o tecido de sua japona era impermeável e a chuva não molhou a flor e nem seus documentos. Colocou tudo de volta no bolso. Usou um cobertor para sair na rua e procurar por Josefina.
Pauline estava na recepção da Pousada com Acauã e Murilo. Linna chegou procurando por Josefina, todos olharam para ela.
Ela não está na cabana? Perguntou Pauline.
Não - respondeu Linna - até o fogo do fogão à lenha estava apagado, Gi teve que reascender.
Que estranho, eu vi ela entrando e achei que fosse dormir – disse Pauline.
Que horas foi isso? Perguntou Acauã.
Faz tempo, foi antes da chuva. Um grupo de homens passou por aqui, vinham correndo da mata, e pediram um pouco de gasolina. Disseram que precisavam voltar por causa de uma emergência e estavam sem gasolina.
Como eles eram? - perguntou Acauã.
Altos, usavam roupas de safári, umas mochilas enormes, não eram meus hóspedes.
Os homens que nós vimos na mata, que pareciam caçadores - disse Acauã. Um deles tinha uma serpente tatuada na mão?
Tinha - respondeu Pauline. Com olhos vermelhos.
Meu deus! Será que aconteceu alguma coisa com a vovó? -Murilo sentou, ficou apavorado só de pensar nesta possibilidade.
Vamos chamar os Guardas - interferiu Acauã.
Deixa comigo, o Eliseu esteve aqui logo depois disso - falou Pauline - ele deve estar por perto.
O que ele queria? - perguntou Acauã.
Estava atrás de uns caçadores - respondeu Pauline - vai ver que eram os caras que passaram aqui.
Mas, o que a Josefina teria com isso? - perguntou Acauã.
Vocês não conhecem a Josefina, se ela desconfiou de alguma coisa deve ter se metido. Ela é muito audaciosa- disse Linna.
Linna e os outros ficaram bastante preocupados, Acauã foi até as barracas e cabanas e chamou todo mundo. Armando disse que achava que havia fotografado os caras.
Tadeu lembrou que um deles mancava de uma perna e que parecia carregar algo muito pesado. Oscar e Janete não tinham percebido nada e Gi e Andressa nem tinham visto eles, mas lembraram de ter ouvido um estampido forte, como o som de um foguete, ou... Um tiro!
Será? - disse Tadeu. - Eu achei que fosse um trovão.
Os trovões demoraram um pouco para começar, disse Acauã. Enquanto os guardas não chegam, acho bom a gente formar grupos de busca. Ela pode ter se perdido na Mata, ou ter se abrigado da chuva em algum lugar.
Boa idéia, disse Linna. Por onde começamos?
Quem sabe pelas plantas que ela coletou. Eu e Linna vamos até a cabana. Gi e Andressa chamem o Renato, ele pode dar uma volta de Micro pelas redondezas, ir até a estrada. Seria bom checar no café onde vocês pararam hoje pela manhã, já que é bem perto daqui.
E eu? - perguntou Pauline.
Você fica aqui e espera por Moema e o grupo e tenta contato com as outras pousadas. Armando e Murilo revejam as fotografias e vejam se conseguem novas pistas. Tadeu e Janete cuidem do rádio e olhem bem todas as cabanas.
Acho que seria bom o Oscar vir conosco - falou Linna.
Eu também acho - respondeu Acauã.
O grupo se dispersou, cada um foi fazer a sua atribuição. Linna, Oscar e Acauã começaram por dar uma olhada criteriosa na cabana.
Pauline disse que viu Josefina entrando na cabana - refletia Acauã em voz alta - nós precisamos procurar algum vestígio...
Olha isso! - Oscar mostrou um punhado de ervas caídas no chão.
Ela devia estar fazendo o chá e deixou cair - Acauã pegou as folhas, cheirou e disse - camomila, erva cidreira, hortelã são todas ervas comuns, ela deve ter pegado aqui perto.
Olha o tamanho desta marca - Linna mostrou uma marca de barro no chão.
Não pode ser da Josefina. É maior que o meu sapato - Oscar colocou o pé ao lado da sujeira.
E parecem ser de um coturno, disse Acauã. Alguém entrou aqui!
Será que levaram Josefina? Linna estava agitada.
Neste momento Eliseu, o guarda florestal, veio falar com eles. Pauline tinha ficado no rádio tentando contato com Moema e seu grupo. Ele ficou intrigado com o fato de Josefina ter cem anos, achou que não era o lugar ideal para uma pessoa de tanta idade.
Mas ela é super ativa, vive bem, costuma fazer longas caminhadas no parque -respondeu Linna.
Ela por acaso não tem lapsos de memória? Perguntou Eliseu.
Não, a Josefina é muito lúcida – informou Linna.Ela nem parece ser tão idosa.
Com que roupa ela estava? - perguntou o guarda.
Um conjunto de calça e blusa de moletom azul, um casaco preto, e um tênis azul. Acho que era assim.- disse Linna.
Vocês têm alguma foto dela?
Sim, eu tenho. Essa eu tirei há poucos dias, no seu aniversário - Linna alcançou um postal que ela tinha montado com várias fotos de Josefina, usando as imagens da festa de seu aniversário.
Nossa só tem figurões, até um deputado - disse Eliseu, franzindo a testa.
A família dela é muito tradicional em Porto Alegre, são todos conhecidos e respeitados, informou Linna.
E eles sabem que ela estava aqui? - perguntou Acauã.
Sim, o Murilo é bisneto dela - respondeu Oscar- ele informou aos outros parentes, mas por que?
O senhor acha que alguém pode ter vindo atrás dela? - perguntou Acauã.
Nunca se sabe. Hoje à tarde nós recebemos uma denúncia de que havia caçadores na mata, fomos até lá e não encontramos mais eles... Agora eu vi umas fotos feitas pelo colega de vocês e nelas aparece um grupo de pessoas suspeitas, mas que nós nunca tínhamos visto por aqui... Normalmente os caçadores são sempre os mesmos. A gente prende, mas logo eles estão soltos e voltam a agir.É raro ter gente de fora por aqui.
Isso é verdade, interrompeu Acauã. Só que eles sabiam andar na mata. A Moema estava de olho neles e por falar nela, o grupo ainda não retornou?
Ainda não - respondeu Eliseu.
Então eu vou voltar pra mata, está muito frio. Eles não podem passar a noite lá, disse Acauã.
Eu posso ir com você? - perguntou Linna.
Vamos manter a calma - Eliseu falou em tom preocupado - pelo jeito as histórias estão cruzadas. A Moema fez contato conosco, informou sobre os suspeitos... Nós estivemos na cola deles... Eles passaram por aqui, pediram gasolina para Pauline e a Josefina sumiu... Pelas marcas no chão pelo menos um deles entrou nesta cabana.
Eliseu estava com razão, os fatos se encaixavam, tanto Moema e seu grupo quanto Josefina podiam estas nas mãos de estranhos.
Tá e daí? - perguntou Linna.
O que adianta vocês entrarem na mata sem saber onde procurar - ponderou Eliseu.
Mas eu sei onde a Moema costuma ir. O grupo dela era de esportistas, já tinha que ter voltado há muito tempo - Acauã estava nervoso, pois já anoitecia.
Bom neste caso levem algumas lanternas, dois rádios e pelo amor de Deus mantenham contato, por que eu não posso me preocupar mais ainda. Vai vir reforço do corpo de bombeiros, mas cuidem-se.
Linna pegue algumas cordas e use o seu casaco, a chuva está diminuindo, mas vai esfriar. Você tem certeza de que tem forças para caminhar bastante?
É claro Acauã, eu sou ciclista, estou treinada, disse Linna.
E eu? - perguntou Oscar.
Fique com o Eliseu - disse Acauã - se o grupo ficar muito grande perdemos a velocidade. Vamos Linna?
Vamos! – ela respondeu.
Eles se separaram, Linna e Acauã voltaram para a mata, os desafios que encontrariam eram bem maiores. Sem a luz do sol teriam que utilizar as lanternas e o frio ficava muito mais intenso.







De volta a Mata Atlântica. II Capítulo

Acauã e Linna entraram na floresta por um atalho, caminhavam rápido e com exatidão. Em meia hora estavam na margem do rio, no local exato em que haviam encontrado com Moema.
Como nós atravessamos o rio? -perguntou Linna.
Nesta parte o rio é bem estreito, lembra que nós atravessamos uma pinguela antes?
Sim - ela respondeu.
Nós que tínhamos cruzado um pequeno afluente que desemboca no rio, explicou Acauã. Foi aqui que nos encontramos.
Isso. E a Moema apontou para lá... Onde os outros estavam.
Depois ela subiu para as fontes e eles? - indagou Acauã.
Subiram também, na hora que você me mostrou a Moema o outro grupo seguia na mesma direção.
Tem certeza? Será que não estavam voltando.
Não. O Tadeu disse que um deles estava mancando ou carregava uma coisa pesada, mas estavam subindo a serra.
A chuva já deve ter apagado as marcas – concluiu ele.
Acauã focou a lanterna no chão, estava muito escuro para que conseguissem ver alguma coisa, um tatu passou correndo por eles. Linna pisou em um objeto e caiu. Acauã ajudou-a a se levantar e viu que ela havia pisado em um mapa, que estava dobrado, amassado e molhado. Analisando o mapa eles encontraram um sinal marcando a clareira da Grande Araucária.
Vamos para lá – falou Acauã. Você está bem Linna?
Sim, só sujei a roupa. Eu não os vi na Araucária.
Nem eu, mas podem ter ido para lá depois. Vou avisar o Eliseu.
Acauã fez contato com o guarda florestal usando o rádio, falou do mapa e da intenção deles de ir até a Araucária, Josefina ainda não tinha sido encontrada e nem Moema havia voltado. Eliseu pediu para que eles tomassem cuidado, um helicóptero dos bombeiros estava vindo para ajudar na busca, os amigos e familiares deles já estavam na pousada.
A noite estava escura e a chuva bem fininha. Logo eles chegaram até a Araucária. Linna notou que a pinha que eles tinham visto não estava mais no chão. Em vez disso havia embalagens e restos de comida espalhados.
Que sujeira! Moema jamais deixaria um grupo fazer isso - disse Acauã.
Devem ter sido os caras. Acauã, olha! Linna apontou para uma caixa.
Ele focou a lanterna e se aproximou, dentro da caixa, um bugio estava preso e assustado. Eles soltaram a tampa e viram que se tratava de uma fêmea com dois filhotes. Linna ficou furiosa, os animais estavam famintos e mal tratados. Mesmo com a caixa aberta não saíram de lá.
Coitados há quanto tempo não estarão ai?- exclamou Acauã.
Que tipo de gente faria isso? - questionou Linna.
Um tipo capaz de tudo por dinheiro. Muito comum por sinal - respondeu Acauã.
Acauã pegou a mamãe com carinho, Linna segurou os filhotes, tinha algumas amêndoas na mochila e ofereceu a eles. A fêmea pegou, cheirou, provou e só então deu aos pequenos, eles comeram esfomeados, logo buscaram o peito da mãe rindo e fazendo brincadeiras. Acauã fez novo contato com os guardas e informou as barbaridades que haviam presenciado. Eliseu pediu a eles que trouxessem os animais, pois eles poderiam se tornar presas fáceis já que estavam debilitados.
Acauã usou a camisa para enrolar a família nas suas costas, não queria perder tempo, os filhotes ficaram bem agarrados à mãe e ela por sua vez ficou imóvel junto ao corpo dele. Demonstrando uma confiança muito grande.
Devia ser esta caixa que eles carregavam, falou Linna.
Não sei, eles deviam estar atrás do leão baio, que vale muito mais. Devem ter deixado os bugios para buscar depois... Eu fico imaginando o que pode ter acontecido com Moema e o grupo.
Acauã e se nós soltássemos um daqueles sinalizadores será que eles não nos veriam? sugeriu Linna.
Sim. Mas e os animais? – Acauã temia que o estampido provocasse um ataque de algum animal contra eles - Eles podem se assustar, você não tem medo?
Eu sei me cuidar, disse Linna. Vou subir aquele patamar de pedras e solto dali...
Pode ser, eu fico aqui com a Princesa e os filhotes.
Princesa?- indagou Linna.
Ela morra perto da minha tribo, eu conheço bem este olhar, é inconfundível.
Por isso que ela confiou em você.
A macaca sorriu para Linna e tapou os olhos com a mão, como se concordasse com ela. Linna subiu o patamar e soltou o sinalizador.
Logo ouviu o som compassado que parecia uma pedra batendo em um toco de madeira. Acauã subiu no patamar e gritou com todas as suas forças: Moema! Moema! O silencio foi interrompido pelo som dos animais. Logo ouviram claramente ela responder: Aqui! Acauã! ... Na cachoeira.
Calma, estamos indo! Ele gritou novamente.
Eles não parecem estar muito longe, disse Linna. Devemos informar os guardas.
É bom, assim se acontecer algo eles vão saber onde estamos.
Acauã fez um novo contato, Eliseu ficou contente em saber que Moema tinha respondido, perguntou se eles não queriam esperar a ajuda. Mas eles resolveram seguir logo, queriam encontrar Moema.
Linna, agora eu preciso correr, disse Acauã. Será que você me acompanha?
Claro. Não se preocupe comigo estarei logo atrás de você.
Tenha muito cuidado por que eu vou usar um atalho, procure pisar com firmeza, mais evitando as raízes e troncos de árvores.
Ok, Linna respondeu.
Acauã entrou na mata fechada, Linna tratou de imitar cada movimento que ele fazia. Princesa e os filhotes estavam grudados a seu corpo. A mata densa dificultava bastante a caminhada. Os animais corriam assustados por onde eles passavam Linna foi ficando para trás, Acauã caminhava muito rápido.
Ela não quis chamá-lo, mas o medo foi aumentando, por alguns minutos se viu só e envolvida pela mata. Seu coração disparou, a escuridão tomava conta de tudo, sentiu um peso nas pernas, o cansaço começava a tomar conta de seus músculos. Não parou, continuou procurando escutar o barulho dele e nada. As árvores tinham troncos grossos e entrelaçados. Linna não sabia para que lado ir, subiu nas raízes de uma árvore e viu uma coruja sentada olhando para ela. O pio da ave arrepiou Linna. Apertou a Japona e sentiu a flor de folhas de bananeira. Neste momento gritou por ele:
Acauã! Acauã!
Sentiu um puxão no cabelo, princesa batia em suas costas. Ela viu que Acauã estava imóvel a poucos passos dela, fez um sinal para que ficasse em silêncio. Um leão baio estava caminhando pesadamente entre as plantas. Parecia buscar um lugar tranqüilo para deitar. Linna sentiu a mão de Acauã puxando-a bem lentamente, os dois ficaram juntos e esperando o leão se distanciar.
Agora podemos seguir, disse Acauã.
Põe a mão no meu peito, olha o meu coração? - Linna estava em pânico.
Toma um pouco de água, seu coração parece que vai pular fora... Você está tremendo, nunca tinha visto um leão baio antes?
Assim, no meio da mata e tão pertinho, não. Mas a pior sensação foi achar que eu estava perdida. A escuridão, os olhos da coruja... Fiquei apavorada.
Eu não ia te deixar, não se preocupe. Agora precisamos sair daqui.
Posso segurar a tua roupa? -perguntou ela.
Só não vai me puxar,já chega a Princesa pesando – Acauã entregou uma corda que trazia amarrada ao corpo para ela.
Eu só não quero ficar para trás de novo. Falta muito?
Não, você não está ouvindo?- indagou Acauã
É o som da cachoeira?
Sim, estamos quase chegando - disse ele - mas não faça barulho, tem muitos animais aqui.
Linna e Princesa mantiveram o máximo de silêncio. Acauã subia e descia por troncos, raízes, pedras, com uma agilidade enorme. Saltou um pequeno córrego, puxando Linna logo em seguida.
Quando estavam próximos da cachoeira, Acauã diminuiu o ritmo, aproximando-se com cuidado, manteve a lanterna desligada, para avaliar se estariam em segurança. Princesa apontou para o tronco de uma árvore, no qual Moema estava amarrada. Eles correram em seu socorro.
O que aconteceu? - perguntou Linna.
Você está bem, eu os outros? – perguntou ansioso Acauã, enquanto desamarrava a irmã.
Moema estava exausta, com a roupa molhada, os braços e as pernas amarrados.
Que bom que você está aqui. Eu quase morri de medo, disse ela.
Vai ficar tudo bem - Acauã a abraçou e viu que estava gelada - nós vamos leva-la para casa.
Os caçadores atacaram nosso grupo. Eu consegui fugir, mas eles me perseguiram e me amarraram aqui - Moema estava perturbada queria falar logo tudo o que havia acontecido - Nós estávamos voltando, a chuva estava muito forte. Eles estavam atrás de um leão baio...
Quantas pessoas havia no seu grupo? Perguntou Acauã.
Sete - respondeu Moema, - mas eu tive a impressão de que um deles conhecia um dos caçadores.
Por que? - perguntou Linna.
O Boy, como os outros o chamavam, parecia estar deixando marcas no caminho. Até falei várias vezes que não era preciso, mas ele quebrava as árvores e fazia um sinal com uma tinta, quando nos atacaram vi ele cochichando com um dos caçadores...
Ele pode ter se infiltrado no teu grupo para ter um guia na mata e mostrar o caminho para os outros - ponderou Acauã.
Acauã soltou Moema, fez contato com o guarda florestal que informou que estava com a lista com os nomes dos integrantes do grupo de Moema. Estavam inscritos somente cinco rapazes, os outros, segundo o responsável pela pousada onde eles estavam hospedados, haviam entrado na excursão na última hora e suas identidades eram falsas.
Moema pediu para Acauã procurar os rapazes, por que eles não sabiam se virar na floresta. Eliseu queria que eles retornassem e esperassem o dia amanhecer.
Mas até o amanhecer pode ser tarde para eles – disse Moema, ela estava angustiada.
Se você ficar assim pode ser tarde para você, seus lábios estão azulados de tanto frio, disse Linna.
Ela tem razão - interrompeu Acauã - coloque o meu casaco, você tem que se aquecer o mais rápido possível.
Faça uma fogueira. Nem seria seguro voltar agora, disse Moema. Que horas são?
Quase uma hora - respondeu Linna.
Ainda tem algum daqueles sinalizadores? - perguntou Moema.
Sim, respondeu Acauã. Eu vou soltar um.
Linna pegue alguns gravetos, procure os mais próximos dos troncos e que estejam mais secos - solicitou Acauã.
Pode deixar, respondeu Linna. Moema segura a Princesa, o pêlo dela vai ajudar a lhe aquecer.
Isso! Vai Princesa - Acauã soltou a macaca e os filhotes no colo de Moema. Princesa se abraçou a ela, como se entendesse a intenção deles.
Ele entrou em contato com Eliseu e informou que Linna e Moema fariam um acampamento e que ele iria buscar o resto do grupo. Com os gravetos que Linna buscou fez uma fogueira. Logo em seguida soltaram outro sinalizador, em poucos minutos ouviram um som longínquo.
Serão eles? – perguntou Linna.
Devem ter visto o sinalizador – indagou Acauã.
E se foram os caçadores? Disse Moema.
Não pode – respondeu Linna - Pauline viu os caçadores na pousada no meio da tarde.
Como eles se chamam Moema? - perguntou Acauã.
Só sei os apelidos: Boy , Bil , Esquilo, Gaudério, Magrão, Topeira e Fred.
Nossa, disse Acauã. Que nomes!
Chama pelo Tamoio que é o nome do clube deles, disse Moema.
Linna ficou junto com Moema, próximo a fogueira, ofereceu água e amêndoas para ela. Acauã ouviu o grupo chamando por Moema.
Tamoio! – respondeu Acauã.
Ele gritava o nome e ficava em silencio buscando por uma resposta. Um som abafado pronunciava o nome de Moema. Eles deviam estar em apuros! Acauã viu o helicóptero do corpo de bombeiros sobrevoando a mata. Imaginou que os rapazes do Tamoio saberiam que estavam à procura do grupo. Mesmo assim decidiu ir ao encontro do grupo. Linna ficou com Moema.
Acauã encontrou as marcas que Moema havia mencionado, seguiu a trilha e viu o grupo de amigos parados entre a mata e a margem do rio. Eles não estavam muito longe de Moema, mas num local de difícil acesso.
Vocês estão bem? - Acauã gritou para eles.
Quem está ai? - perguntou um dos rapazes.
Acauã, eu sou irmão da Moema, disse ele.
Como ela está? – perguntou outro rapaz.
Bem, vocês conseguem vir até aqui? - Acauã iluminou o caminho com a lanterna.
Um dos nossos está com a perna quebrada e estamos presos – um deles respondeu.
Eu vou até aí! - informou Acauã.
Ele fez contato com Eliseu e informou o que estava acontecendo. O guarda disse lhe que o helicóptero tinha pousado onde estavam Linna e Moema. Acauã falou que estava vendo o grupo e que iria se aproximar, se desse levaria eles até o helicóptero.
Quando se aproximou viu que estavam tremendo de frio, assustados e quase sem voz de tanto pedir socorro. Magrão estava com a perna quebrada. O grupo ficou feliz em ver Acauã, disseram que Boy e Bil prenderam eles uns aos outros e a uma árvore e depois fugiram.
Acauã soltou os cinco rapazes e perguntou se eles achavam que conseguiam caminhar até a cachoeira. O helicóptero não teria como pousar ali. Ou eles iam até lá ou esperavam amanhecer e chegar um novo grupo de socorro.
Vamos logo - respondeu Topeira – nós podemos nos revezar e levar o Magrão.
Eu ajudo, disse Acauã, mas tenho que cuidar o caminho. Procurem não escorregar.
Certo – respondeu Esquilo – você tem água?
Tenho - respondeu Acauã. Tomem aos poucos, por que só tenho este cantil.
O grupo seguiu pela mata, os bombeiros vieram ao encontro deles logo que os avistaram. Já haviam levado Moema, Linna, Princesa e os filhotes sãos e salvos para a pousada.
Eram três horas da manhã quando o helicóptero concluiu o resgate. Pauline havia feito uma canja de galinha e fogo na lareira, para aquece-los.
Acauã abraçou Moema aliviado, não iria se perdoar se algo tivesse acontecido com ela. Só restava saber: - onde estava Josefina?







A Araucária chamou pela feiticeira. III Capítulo
Linna estava cansada, mas não conseguia dormir. Estavam todos juntos no saguão da pousada. Acauã aquecia Moema, com cobertores e mantendo o fogo da lareira aceso. Os rapazes do grupo Tamoio foram levados pelos bombeiros para o hospital mais próximo, estavam desidratados. Janete, Oscar e Tadeu dormiam no sofá. Armando dormia sentado em uma das poltronas. Murilo tinha voltado para a cidade, para encontra com a família. E Gi e Andressa estavam acordadas tentando acalmar Pauline, ela estava muito nervosa, pois tinha ficado de responsável por Josefina. Os outros hóspedes nem sabiam o que estava acontecendo dormiam tranqüilamente em suas cabanas.
A cacique Tibiriçá, pai de Moema e Acauã, avisado do sumiço da filha veio para a pousada ajudar nas buscas. Mas, quando ele chegou, Acauã já tinha encontrado ela.
Ele chamou Acauã e disse que a Velha Feiticeira estava na mata, por um chamado da Grande Araucária.
Como o senhor sabe? - ele perguntou.
Encontrei a gralha azul que ela comprou de você. Estava caída próximo à entrada da porta de luz da mata.
Mas ela é muito idosa, eu e Linna procuramos por todos os lugares, como não encontramos? Josefina não pode ter ido muito longe!
Acauã, tem coisas que os olhos não enxergam, só o pensamento – o cacique falou com a voz firme - é preciso acreditar! Ver com a alma!
Esse povo da cidade não vai entender. Podem achar que temos alguma coisa com isso - respondeu preocupado, Acauã.
Essa moça, Linna Franco? - perguntou Tibiriçá.
Que tem ela? - indagou Acauã.
Você gostou muito dela, não foi?- o cacique enquanto falava observava a reação de Acauã.
Ela é meiga, inteligente, guerreira, precisava ver como foi forte na mata. Mas por que?
Ela é da cidade, tem outra cultura, outro pensamento – Tibiriçá falou em tom de advertência – cuidado! O seu coração pode se ferir.
Nós somos apenas amigos. Quando isso tudo passar ela vai embora e eu fico.
Acauã olhou para Linna, Tibiriçá tinha visto a admiração que ele estava sentindo por ela. O cacique era a pessoa mais importante de sua tribo, todos tinham muito respeito e amor por ele, sua impressão sobre as pessoas era muito considerada.
Ela vai embora e leva um pedaço do seu coração e você fica com um pedaço do coração dela - falou o cacique, num tom mais carinhoso. – Vocês só vão ser felizes quando as partes se juntarem novamente, ou quando o tempo fizer um remendo. Mas nunca mais o coração fica o mesmo!
Tá bom, eu vou me afastar dela, disse Acauã,encerrando a conversa. E quanto a Josefina, o que podemos fazer?
Esperar na Grande Araucária - respondeu Tibiriçá. Eu tenho que voltar para casa, hoje é domingo, tem muita gente visitando a aldeia. Você, Moema e Linna Franco voltem pra lá, levem o chá da feiticeira e os pinhões, com a água de cozimento. Esperem o tempo que for preciso, não tenha pressa e não diga nada para a moça branca, não fale sobre nossos segredos, não ensine sobre a mata, não leve mais ninguém.
Eu vou tentar, eles são muito unidos, vão querer ir junto - ponderou Acauã.
Ache coisas importantes para eles fazerem aqui. – determinou Tibiriçá - Você vai levar duas jóias para a mata, cuide bem delas. Eu confio muito em você meu filho.
Mas então o senhor gostou da Linna?
Sim, é uma pessoa boa, bonita, corajosa, mas de outro povo. Só isso, não tenho nada contra ela. Só não quero o meu guerreiro caído por uma tristeza.
Sim, senhor – respondeu o jovem.
Acauã ficou encabulado com os comentários do pai, estava gostando de Linna, de seu jeito atrevido e meigo ao mesmo tempo. Alguma coisa nela mexia com ele, mas ao mesmo tempo o deixava vulnerável, o cacique era realmente sábio.
Tibiriçá partiu, levando Princesa e os filhotes. Acauã chamou Moema e Linna e disse que precisava voltar a Grande Araucária, pediu para Pauline ficar com os outros e aguardar pela polícia, o caso de Josefina estava nas mãos deles.
Pauline serviu um café quente com pães e geléia para eles. Linna topou imediatamente voltar para a mata, Moema ficou um pouco arredia, estava cansada e com frio. Mas quando Acauã disse que se tratar de uma ordem do Cacique, ela resolver obedecer imediatamente. Perguntou se tinha a ver com Josefina. Acauã disse que achava que era sobre os animais.
Será que eles machucaram mais algum? – indagou Linna.
Tibiriçá ordenou voltássemos lá, levando o chá e os pinhões que Josefina cozinhou. Talvez sirvam para curar algum bichinho ferido...
Linna e Moema o acompanharam sem fazer muitas perguntas, o sol já havia nascido, eles entraram mais uma vez na mata.























Tamoio o pequeno guerreiro. IV Capítulo
Naquela manhã de domingo o som da mata era de alegria. A chuva havia parado. O frio estava mais intenso do que no dia anterior. Linna, Moema e Acauã caminhavam lentamente pela trilha, pois a noite exigira muito deles.
O que eu fiz, Acauã? - perguntou Linna.
Como assim? - ele respondeu.
Você parece distante, está frio comigo - ela continuou.
Bobagem, eu estou cansado e preocupado também, não entendi algumas coisas que Tibiriçá me falou.
O Cacique é assim, às vezes ele diz uma coisa, mas que significa outra, disse Moema. O que ele lhe falou?
Nada... Deixa pra lá respondeu ele.
Mas, foi sobre mim? Perguntou Linna.
Não, foi sobre mim. Respondeu Acauã.
Você foi um guerreiro está noite, mostrou que tem força, determinação e principalmente que o seu coração é bom, disse Moema. Aposto como Tibiriçá viu algo no seu caminho.
Eu achei Tibiriçá um homem justo e ao mesmo tempo severo - disse Linna.
Como todo bom líder - respondeu Acauã. Agora vamos apurar o passo, acho que andar devagar é mais cansativo.
O grupo seguiu calado Linna notou a mudança no jeito de Acauã, ele continuava cuidadoso com ela, mas mais arisco. Ela respeitou sua atitude apesar de não entender muito bem, estava gostando de ter Acauã como companheiro de jornada, ele inspirava confiança e era inteligente, Linna sentiu que alguma coisa havia mudado. Ela refletiu e concluiu que não tinha feito nada que justificasse a mudança de atitude dele. Decidiu não esquentar mais com isso.
Linna aproveitou para prestar atenção no caminho, já estava se familiarizando com a mata, mesmo que eles estivessem traçando uma outra trilha.
Moema estava aquecida e parecia mais animada. Foi a primeira a chegar na Grande Araucária.
Para a surpresa de todos Esquilo, Gaudério, Topeira, e Fred esperavam por eles.
Como vocês chegaram aqui? - perguntou Acauã.
Encontramos com o Cacique Tibiriçá, ele mandou que viéssemos. Deixamos o Magrão no hospital e seguimos a orientação que ele nos deu - respondeu Esquilo.
Agora quem não está entendendo sou eu - disse Moema - o Tibiriçá não é de convocar estranhos.
E eu? - perguntou Linna. - Ele também pediu para que eu estivesse aqui. Por que vocês estão com estas roupas?
Este é o uniforme de treino do Tamoio - respondeu Topeira.
Eles usavam calça de abrigo branca e uma túnica da mesma cor, com o símbolo do clube bordado. Linna notou que a roupa parecia muito com as que Pauline tinha emprestado para Acauã e Moema. E que ela também estava vestida de branco. Seria coincidência?
A roupa de vocês combina com a pele e o cabelo da Linna: branco, preto e vermelho, brincou Acauã. Agora que estamos todos aqui, o que o Cacique pediu para vocês?
Para aguardarmos e termos paciência - respondeu Fred.
Para mim ele pediu a mesma coisa, disse Acauã.
Acauã juntou os restos de embalagens e a caixa que os caçadores tinham deixado para trás, colocou as coisas que Tibiriçá tinha pedido sobre a caixa: o chá que Josefina havia preparado e os pinhões com a água de fervura. Os outros vendo que ele estava organizando o ambiente trataram de ajudar. Acauã estava deixando tudo da forma mais natural possível.
Ouviram o som de tambores, Acauã e Moema ficaram em pé e em posição de sentido, os braços ao lado do corpo, a cabeça erguida e o peito estufado. Como se estivesse ouvindo um hino. Os rapazes do Tamoio pintaram o rosto com listas pretas e vermelhas.
Que som foi este? - comentou Linna.
O chamado das tribos – respondeu Moema e prosseguiu explicando - quando tem visitantes na aldeia o cacique faz a apresentação de nossos hábitos culturais, para que eles conheçam um pouco da nossa cultura.
Pena que não estamos lá – indagou Fred - eu gostaria de conhecer a aldeia.
Quem sabe? Vocês voltam num outro dia - respondeu Acauã .
O grupo conversava animadamente, trocando experiências.
Por que vocês pintaram o rosto? - perguntou Moema para os rapazes.
É um hábito do nosso grupo, sempre que tem alguma coisa importante pintamos o rosto com as cores do Tamoio - respondeu Fred.
Os Tamoios eram guerreiros, falou Gaudério. Existem várias lendas sobre eles.
Tibiriçá sempre conta histórias deles - respondeu Moema - suas tribos foram extintas há muitos e muitos anos...
Só que o nome e a memória dos feitos deles estão guardados, disse Fred.
O sol indicava que era meio dia, Acauã ofereceu pão feito de farinha de mandioca para eles. Linna tinha azeitonas e damascos secos. Moema colheu cogumelos e os rapazes do Tamoio ofereceram charque, que deixaram de molho na água e ferveram com arroz. A longa espera estava se tornando um exercício de paciência.
Eliseu fez contato informando que Josefina não tinha sido encontrada, mas que a polícia perseguia o grupo de caçadores. Um deles tinha se embrenhado novamente na mata, era o líder e tinha uma serpente tatuada na mão.
Deste eu lembro bem, disse Moema. Ele tinha uma cara de bandido.
Será que ele vem para cá? – perguntou Linna.
Vamos ter que esperar para ver – indagou Acauã.
Acho que nunca fiquei tanto tempo em um lugar só -comentou Fred.
Se vocês quiserem voltar podem ir. Eu não saio daqui antes do Tibiriçá mandar um sinal, disse Acauã.
Nem eu! - concordou Moema.
Eu vou deitar um pouco, disse Linna, se acontecer alguma coisa vocês me chamam? Estou sentindo uma moleza no corpo.
Chamamos, disse Moema.
Nós estaremos aqui, falou Acauã, sentando-se ao seu lado.
Linna e Acauã adormeceram ao pé da Grande Araucária, os sons da mata foram ficando abafados, eles sentiram como se seus corpos flutuassem. O frio desapareceu. Seus espíritos pareciam soltos na mata, flutuavam e pareciam ter subido para o alto da Grande Araucária. Os amigos ficaram pequenos e distantes.
A copa da Araucária tinha o formato de um círculo, os galhos formavam uma planície coberta de esmeraldas, como a superfície de um cálice. Pingos de luz transpassavam de baixo para cima. Josefina e Tibiriçá esperavam por Linna e Acauã: O Conselho dos Anciãos estava reunido. A Grande Araucária brilhava no centro de todos.
Olá! – disse a Gralha Azul, sorrindo para eles.
Era linda tinha o tamanho de Tibiriçá e Josefina, seu corpo era coberto por uma luz azul escura, os olhos pretos e brilhantes. Linna e Acauã cumprimentaram a ave. Estavam num lugar repleto de magia e cores.
O que está acontecendo? - perguntou Linna.
Os outros estão em perigo? - indagou Acauã.
Josefina olhou para os dois e pediu que cada um ocupasse uma das poltronas. Disse que não precisavam se preocupar, pois Moema e os Tamoios guardariam a mata. Eles sentaram-se em grandes poltronas feitas dos galhos da Araucária, que eram macias e confortáveis.
Vocês estão no Conselho dos Anciãos - Explicou Tibiriçá - Aqui estão reunidos líderes de todos os povos e de todos os tempos. Vocês são parte do futuro do conselho...
Estamos preocupados - disse Josefina - contamos com vocês para combater a destruição do Planeta para que a natureza chegue até o futuro.
Como podemos ajudar? – indagou Acauã.
Guiando as pessoas - respondeu a Grande Araucária - estando unidos pelas forças do bem fazer.
Por que nós? - perguntou Linna.
Vocês são como Yin e Yang duas forças complementares que integradas mantém a harmonia do universo - explicou Tibiriçá. Ou como a lua e o sol; à noite e o dia; a semente e a terra, o branco e o preto...
E o que você me disse pela manhã? - perguntou Acauã.
Eu queria que você olhasse para Linna e para si mesmo e encontrasse esta harmonia. Esta força de atração e retração, disse Tibiriçá.
O jovem Guerreiro Tamoio despertou o conselho ontem quando olhava o Arco-íris – informou Josefina. Eu fazia o chá na pousada e ouvi o chamamento da Grande Araucária.
O Tadeu é um Tamoio? - perguntou Linna.
O jovem viu, nas gotas de água do Arco-íris, refletido o espírito da mata e soube guardar o segredo. Foi ele que viu os caçadores e adivinhou o perigo. Aquele homem que tem a serpente desenhada na mão é muito perigoso, disse a Gralha Azul. Espíritos iguais a ele destruíram as matas e florestas do Planeta e depende de nós, ou dos iguais a nós reverter este processo e salvar a natureza.
O que devemos fazer além de guiar as pessoas? - questionou Acauã.
Buscar o equilíbrio - respondeu Josefina. Eu preciso retornar antes que mais gente entre na mata a minha procura... Vocês vão me encontrar na aldeia de Tibiriçá, vão lembrar disso tudo como um sonho. Mas não esqueçam de sua missão: ajudar o Pequeno Guerreiro Tamoio e encontrar o equilíbrio das forças.
Acauã e Linna acordaram estonteados, lavaram o rosto e procuraram organizar os pensamentos. Não comentaram nada sobre o sonho.
Eliseu tinha informado a Moema que Josefina estava na aldeia deles e que Tibiriçá tinha dado instruções para irem resgatá-la.
Decidiram deixar o chá de Josefina e os pinhões. Ainda não sabiam bem para que serviriam.
Partiram apressados para a aldeia, queriam retornar logo, com Josefina seria difícil, já que ela devia andar muito lentamente. Estavam felizes, pois tudo parecia estar sendo resolvido.
O grupo andava com agilidade e leveza chegando a aldeia em pouco tempo. Josefina abraçou demoradamente Linna, disse que alguns homens tinham entrado na cabana e lhe levado com eles. Estavam num Jeep, tinham prendido um leão baio e queriam derrubar a Grande Araucária.
Mas isso é muito grave, disse Acauã.
Parece que a polícia já prendeu alguns deles, falou Tibiriçá.
Por que a Grande Araucária? - perguntou Fred.
Tem maluco pra tudo - disse Josefina. Como vamos saber?
Vamos para a pousada, a sua família deve estar muito preocupada.- Linna deu mais um abraço apertado na amiga.
Acauã e Moema vão leva-los, disse Tibiriçá.
O grupo partiu imediatamente, caminho de volta a pousada foi rápido. Os Tamoios levaram Josefina em uma rede.




O combate final. V capítulo.
De volta a pousada parecia que a aventura chegava ao fim. Renato estava ansioso para levar a turma em segurança para a cidade. Pauline não queria nem cobrar a hospedagem deles, devido às confusões.
Colocaram todas as suas coisas no micro ônibus e Linna disse que voltaria em breve, queria aproveitar melhor aquele lugar maravilhoso. Os rapazes do Tamoio estavam se despedindo deles quando reconheceram Tadeu, ele tinha treinado no clube durante dois anos. Era um dos melhores alunos de Gaudério.
Murilo estava de volta, com vários familiares, todos apavorados e preocupados com Josefina. Ela tratou de aclama-los e disse que apesar das confusões estava contente de ter vindo.
Enquanto todos conversavam Josefina chamou Acauã e Linna e disse que voltaria com a família para Porto Alegre, mas que sabia que eles tinham uma missão importante para cumprir na mata. Pediu para que eles ficassem de frente um para o outro, aproximassem as palmas das mãos e tentassem sentir a força da natureza.
Eu sempre estarei onde for preciso, disse ela. Mesmo na cidade minha energia pertence ao verde.
Você está falando do Conselho de Anciãos? - perguntou Linna.
Então não foi um sonho? - interrompeu Acauã.
Não. Fechem os olhos - ordenou Josefina. Não afastem as mãos por nada, mantenham silêncio. Ouçam os sons da mata e dos seus próprios corações... Eu vou embora, fiquem assim até o momento em que forem liberados. Confiem em mim, vou dizer para Renato que Linna foi comigo.
Os dois amigos aceitaram as ordens dela, estavam sozinhos nos fundos da cabana, na porta de luz da mata. Acauã era bem mais alto do que Linna, eles ficaram imóveis na posição que ela pediu, um em frente ao outro, com as palmas das mãos próximas, mas sem se tocar. Podiam sentir a respiração e o perfume um do outro, mantiveram os olhos fechados e o coração sereno.
Uma música suave invadiu a suas mentes, como se fosse um Mantra. A noite caiu e os dois continuaram imóveis esperando. Linna cansou, seus pés formigavam, mas não disse nada. Uma onda de calor se formou entre suas mãos.
Pela memória!
Despertem os guerreiros
Despertem os sábios
Despertem os corações.
Linna e Acauã despertem!
Entre as palmas das mãos deles uma bola de luz se formou. Seus rostos foram iluminados, seus corpos aquecidos, suas almas unidas. Estava aberta a porta de luz da Mata.
O tempo deixou de existir! Linna e Acauã foram distanciando suas palmas e a luz foi se abrindo, envolvendo seus corpos, a pousada, a mata.
Tudo estava sereno e revigorado. Foram atraídos novamente para a copa da Grande Araucária. Encontraram todos lá: os Tamoios, Oscar, Janete, Gi, Andressa, Pauline, Eliseu, Moema, Renato, Murilo, Armando. Princesa e os filhotes, o tatu, o leão baio, os pássaros, as borboletas. Formavam um grande círculo com a Grande Araucária no centro, ao seu lado a Gralha Azul, Tibiraçá e Josefina.
Tadeu, o pequeno Guerreiro Tamoio, estava vestido com uma calça branca, uma bata da mesma cor e tinha no rosto listas vermelhas e pretas. No cabelo usava uma faixa branca. Ele estava em pé no centro do circulo. O chão de esmeraldas parecia mais claro do que antes. Linna e Acauã foram convidados a juntarem-se a ele.
O Conselho dos Anciões convocou esta Assembléia para juntos ajudarmos a mata, disse a Grande Araucária.
Aqui estamos em outro plano, no qual a matéria é energia pura, disse Tibiriçá. Não podemos interferir na vida terrena. Por isso solicitamos a ajuda de vocês.
Acauã e Linna não falaram nada, sabiam que não precisavam perguntar, pois todas as suas dúvidas seriam esclarecidas.
A mata precisa ser reconstituída. Disse a Gralha Azul, como a minha gente vem fazendo com a Araucária há mais de quinhentos anos... Os campos e vales precisam de paz. O homem precisa se integrar novamente com a natureza. Neste momento o homem que tem a serpente desenhada na palma da mão ameaça a mata. Ameaça este conselho. Vocês precisam ajudar, é chegada à hora.
Meus filhos! A Assembléia estará reunida aqui, pedindo forças para o universo, forças para que vocês tenham êxito, falou Josefina. Eu convoco: Acauã, A Ave que ataca serpente; Linna franco a Força Branca; Gi, a força dos Lanceiros Negros e Tadeu, o Jovem Guerreiro Tamoio, que a partir de agora vai atender pelo nome de seu povo, ele trás a memória dos velhos e que vai guiá-los, para salvarem a Mata Atlântica da destruição.
Gi saiu do círculo e se juntou aos amigos no centro. Cada um recebeu um amuleto de madeira. Seus espíritos foram fortalecidos pelas orações dos membros da assembléia.
Atravessando o arco-íris entraram na clareira da Grande Araucária. Não havia estrelas e nem lua no céu. Os animais faziam silêncio. O Altar que Acauã tinha feito estava lá.
Tamoio pediu a eles que ficassem atentos, estava sentindo o cheiro do intruso. E ele não parecia estar só.
Se eles estiverem armados? O que faremos?- perguntou Linna.
Nossas armas vão ser a inteligência e o domínio da mata - respondeu Acauã.
Vamos formar a defesa! – declarou Tamoio. - Eu sei, pelo que a Gralha Azul falou, que a intenção dele é a de derrubar a Grande Araucária, já que ela contém a memória da mata. Tibiriçá me informou que Linna e Acauã são o equilíbrio, então eu quero que vocês guardem o tronco da árvore. E Gi, com sua força e agilidade fica comigo na entrada da clareira. Os animais vão proteger os flancos. Então eles só poderão entrar por aqui.
Gi usava uma longa túnica branca e os cabelos presos por uma fita vermelha, ficou ao lado de Tamoio, pronta para o que viesse. Uma brisa suave trazia noticias dos intrusos: estavam chegando.
O homem que tinha a serpente desenhada na mão atendia pela alcunha de Carcereiro, aproximou-se rapidamente, com mais dois bandidos.
Tamoio reconheceu Boy e Bil. Logo atrás deles, duas mulheres carregavam uma serra à gasolina, pareciam hipnotizadas, andavam caladas e sem nenhuma expressão no rosto. Os bandidos pareciam dispostos a tudo.
Gi e Tamoio estenderam uma corda na entrada da Clareira, queriam pegá-los desprevenidos e acabar com o problema o mais rápido possível.
Avante! Gritou Carcereiro. Estamos Chegando, Boy e Bil entrem na frente!
Eles marchavam determinados e sem medo, falavam alto e batiam os pés com força contra o chão.
Tamoio fez um sinal para Gi e estenderam a corda, quando os bandidos tentavam entrar foram surpreendidos, eles caíram de cara no chão. Carcereiro era mais esperto e entendendo o que aconteceu, pulou a corda.
Gi saltou sobre Boy e Tamoio sobre Bil, a luta foi acirrada. Tinham pressa, não queriam que Carcereiro avançasse na clareira. Linna e Acauã mantiveram suas posições. Tinham que confiar nos amigos, mesmo que a primeira defesa falhasse não podiam deixar o tronco da árvore sem proteção.
Tamoio ergueu Bil jogando-o contra Carcereiro, que logo reagiu atacando o guerreiro. Gi derrubou Boy e com a corda prendeu seus braços, indo atrás das duas mulheres. Elas tentaram ataca-la com a Serra, mas como ela era muito ágil, conseguiu escapar.
Tamoio lutava contra Bil e Carcereiro, levando vantagem, mas estavam invadindo a clareira. As nuvens se abriram no céu, e a lua cheia iluminou a árvore, Linna e Acauã guardavam suas posições, mesmo que o impulso deles fosse o de entrar na briga.
Gi e Tamoio seguraram os bandidos por um tempo, mas Carcereiro sacou uma arma que trazia nas costas. Atirando para todos os lados, atingiu uma das mulheres. Tamoio e Gi conseguiram proteger-se dos tiros, mas tiveram que se esconder.
Carcereiro pegando a serra avançava como uma fera em direção a Grande Araucária. Tamoio correu em sua direção.
Eu vou destruir a Mata! - ele gritava, suas narinas estavam dilatadas e seus dentes cerrados. O ódio tomou conta dele. Ergueu a serra investindo contra Linna e Acauã.
Aqui você não passa. - Acauã respondeu.
Saiam da minha frente ou eu corto a árvore e vocês - ameaçou Carcereiro.
Tamoio e Gi seguravam os outros, Bil puxou uma faca, entrando em uma luta desigual com Gi, que usava o seu amuleto para se defender.
Recue! Disse Linna. Nós estamos aqui para defender a Grande Araucária.
Carcereiro parecia ter uma força descomunal, investiu contra os dois usando a serra. Acauã conseguiu tirar a arma de suas mãos, Linna notou que a serpente na mão do bandido brilhava mais com a luz do luar. Carcereiro e Acauã lutaram com animais, Linna usou seu amuleto para destruir os mecanismos da serra.
Tamoio e Gi conseguiram prender os outros bandidos e foram no auxílio de Acauã e Linna. Estavam indo bem até que Carcereiro bateu em Acauã com uma pedra e ele perdeu os sentidos. Tamoio entrou em defesa do amigo, enquanto Gi e Linna puxaram Acauã para perto do tronco da Grande Araucária, o sangue escorria em sua cabeça. Linna ficou com ele e Gi foi ajudar Tamoio, o inimigo parecia imbatível.
Linna usou o chá de Josefina para limpar a testa de Acauã, uma lágrima correu em seu rosto caindo na boca dele. O ferimento parou imediatamente de sangrar, mas o corpo de Acauã continuou imóvel, uma máscara negra apareceu em torno de seus olhos, uma luz era emitida por ela, com a forma de uma ave de rapina.
A ave se projetou para fora do corpo de Acauã e voou atacando a serpente que estava desenhada na palma da mão de Carcereiro. Ele soltou um grito de dor.
Tamoio viu a ave removendo a serpente, Carcereiro perdeu a sua força e caiu no chão.
A ave e a Serpente brilhavam mais com a luz da lua. Tinham a mesma estatura de Acauã e Carcereiro, ficaram uma em frente à outra, enfrentando-se.
Linna banhava o rosto de Acauã com o chá, tentando reanima-lo. Ele abriu os olhos, mas estava sem força e com o olhar vazio. Ela sabia o que fazer, aproximou as palmas de suas mãos com as dele e pediu a força do universo. Gi perguntou a ela como poderia ajudar.
Você deve jogar os pinhões com a água na mão do Carcereiro. Assim a serpente não poderá voltar para ele e estará livre da prisão.
Gi pegou o recipiente onde a mistura estava, enquanto Tamoio segurou a mão de Carcereiro, que tentava reagir, mas não conseguia, eles jogaram a mistura na cicatriz deixada pelo bico da ave. Os pinhões formaram uma capa envolvendo a mão do bandido.
Naquele momento a serpente foi escurecendo, perdendo o brilho e a cor vermelha dos olhos, tentava voltar para a mão do bandido, mas caiu no chão e saiu em direção da mata como uma cobra comum.
A ave fechou os olhos e como um raio de luz voltou ao corpo de Acauã. Ele recuperou totalmente os sentidos. Mesmo estando fraco ergueu-se. Segurando as mãos de Linna os dois rodopiaram, formando uma corrente de energia... A força deles varreu com os bandidos para fora da mata.
A Grande Araucária não corria mais perigo. O Conselho dos Anciãos estava seguro, os segredos da mata também.
O tempo voltou a correr.
Com o som de um apito, Linna e Acauã retornaram ao mesmo lugar onde estavam, os fundos da cabana onde Josefina tinha ficado na pousada. Não sabiam se o que tinham vivido era verdade ou sonho.
Renato apareceu chamando Linna, disse que todos estavam no ônibus, só faltava ela.
Vamos logo Linna, eu não sei o que está havendo com este grupo. Não vejo a hora desta expedição acabar! – disse ele colocando as mãos na cabeça.
Eu já vou, ela disse.
Adeus, Linna Franco - Acauã passou a mão em seu rosto com suavidade..
Adeus, Acauã – respondeu ela – um dia eu volto...
Renato estava parado esperando. Linna não queria, mas precisava ir embora.
Os dois se aproximaram e trocaram um longo e delicado beijo.
Linna foi para o ônibus com o coração apertado. Acauã de longe acenou para o grupo de novos amigos.
Quando o ônibus partiu ele viu que Tadeu e Gi usavam as fitas. Teria sido Verdade?
Linna sorria na fotografia que Acauã guardou próximo ao coração. Acauã sorria na flor que Linna guardou próximo ao coração...
E a terra continuou girando, girando...





PREFÁCIO

Os Mistérios do Lago Tarumã e Rota Náutica Culural são duas novas histórias, da escritora Fernanda Blaya Figueiró, que, mais uma vez, tece seu mundo encantado e mágico, através de locais conhecidos e de personagens delicados e envolventes.
Seus personagens, curiosos e questionadores, vêem, além do óbvio, perscrutando os mistérios insondáveis que sempre instigaram a humanidade. Os locais, já familiares, para nós, seus leitores, tornam-se majestosos e repletos de histórias instigantes, nas quais a escritora aproveita para discutir temas atuais, como ecologia.
Fernanda Blaya, com sua poética sensibilidade, desvenda-nos, através de suas histórias, um passado cheio de aventuras, enquanto seus personagens questionam nosso presente. Atenta para o passado local e com olhos para o futuro que nos aguarda, a escritora insere passado e presente, numa trama singela, mas rodeada de personagens surpreendentes, capazes de envolverem o leitor, numa viagem, cujo itinerário, passa, necessária e prazerosamente, por uma incursão em nossa própria história, pessoal e universal, tornando-nos mais conscientes de nosso próprio destino, enquanto humanidade.
Angelita Soares-Licenciada em LETRAS -FAPA















I Parte: Os mistérios do Lago Tarumã


Os Mistérios do Lago Tarumã

Linna pegou um resfriado e tanto. O frio que passou durante a aventura em Maquiné ficaria marcado em sua memória. Ela estava em casa com os pés imersos em uma bacia com água quente, os olhos inchados de tanto espirrar, usando um pijama velho.
Não espera visitas, mas a campainha tocou. Para sua surpresa era Acauã. Ela abriu a porta e não sabia o que fazer, pois se sentia um lixo. O amigo estava totalmente diferente, usava terno e gravata, sapatos de couro e o cabelo penteado. Nada a ver com o Acauã que morava na mata atlântica, vestia roupas tipicamente indígenas e que havia sido um verdadeiro herói, durante a solução do Caso Araucária.
Linna ficou surpresa, mas feliz, pois eles tinham se dado muito bem no fim de semana. Acauã fez um chá para ela e a convidou para ir ao cinema assistir a um filme de aventura. Ela aceitou imediatamente, pois adorava ir ao cinema.
Os dois decidiram ir no Shopping Olaria. Na fila do Cinema encontraram com Gi e Tadeu, os amigos que também estavam no Caso Araucária. Eles assistiriam ao mesmo filme: “Os Mistérios do Lago Tarumã”, uma produção nacional.
Tadeu estava orgulhoso, pois uma parte da fita tinha sido filmada nas dependências do Clube Tamoio, logo seria muito emocionante assistir ao filme na companhia dos amigos, já que ele havia treinado por um tempo lá. Quando estavam entrando, Josefina acenou para eles, estava nas primeiras filas. Ela era super amiga de Linna, as duas se conheceram durante a sua festa de cem anos. Josefina é alegre e super ativa, participou da aventura em Maquiné.
Como era um dia de semana, num fim de tarde muito frio, eles eram os únicos expectadores dentro do Cinema. A sala era pequena e confortável e, como não chegou mais ninguém o filme foi projetado só para eles.
- A sala é só nossa! - brincou Tadeu.
- Qual é a sinopse do filme?- perguntou, curiosa, Josefina.
- É um mistério, que acontece às margens do Lago Tarumã, em Viamão - disse Gi - por algum motivo inexplicável a vegetação começa a morrer e depende de Briel, uma Tilápia, encontrar o motivo do fenômeno e reverter o processo.
- O que é uma Tilápia? - perguntou Josefina.
- Um peixe de água doce, muito comum. Pode ser criado em viveiros - respondeu Gi.
- Vai começar - disse Acauã - vocês querem pipoca?
- Deixa que eu pego enquanto passa o trailer - falou Tadeu.
Tadeu saiu e retornou trazendo as pipocas quentinhas. O lanterninha fechou a porta da sala do cinema e o filme começou.
Josefina , ou a Feiticeira Centenária, estava sentada no meio deles. A sua esquerda estavam Gi, também conhecida como a Força dos Lanceiros Negros, e Tadeu, o Pequeno Guerreiro Tamoio. A sua direita, Linna, a Força Branca, e Acauã, A Ave que Ataca Serpente... Codinomes que eles adotaram durante o Caso Araucária.
A sala escureceu. Ficaram apenas alguns pontos iluminados nas paredes e um pequeno e discreto aviso em néon, indicando a saída. A música de abertura do filme era arrebatadora. Linna tomou um susto e segurou a mão de Acauã. Tadeu jogou a caixa de pipocas para o alto, fazendo uma bagunça. Gi estava vidrada na tela, mas Josefina, permaneceu calma e tranqüila, pois sua audição era menor do que a dos jovens então o efeito sobre ela foi um pouco mais suave.
Olá, amigos!
Um peixe estranho, fino e com a boca pequena, olhava para eles. Era listrado nas cores vermelho e preto.
- Olá! - ele repetiu.
- Olá! - respondeu Josefina. - Quem é você?
- Briel, a Tilápia do filme.
O peixe tinha uma voz infantil e parecia estar fora da tela de projeção, como se em terceira dimensão.
- Que irado!- falou Tadeu - Parece que ele está falando com a gente.
- Mas eu estou! - Briel nadava de um lado para o outro, solto no espaço entre a tela e eles. - Vocês não perceberam que esta é uma sessão especial? Olhem bem ao seu redor.
Os amigos passaram a olhar para os lados.
- Acauã parece que nós estamos dentro de um aquário. Olhe! - disse Linna. Ela soltou o ar e pequenas bolhas saíram de sua boca.
- Nós vamos ficar sem ar, disse apavorada Gi.
- Calma! - falou Briel - Nós estamos dentro do lago Tarumã. Hoje vocês vão poder respirar aqui sem problemas - afirmou o peixinho.
- Como nós viemos parar aqui? - perguntou Acauã.
- É uma longa história... Tudo começou lá em Maquiné. Gabi, a borboleta rosa, presenciou o que vocês fizeram pela “Grande Araucária”. Quando ela nos contou achamos que vocês podiam nos ajudar, já que Tadeu, o Pequeno Guerreiro Tamoio, é praticamente um de nós...
- Nós? - perguntou Linna.
- Nós, Açorianos de Viamão, é lógico - respondeu Briel.
- Lógico - interpelou Gi.
Ela cochichou para os amigos que tudo parecia muito lógico. Eles estavam conversando com uma Tilápia açoriana, imersos no Lago Tarumã, por indicação de Gabi, uma borboleta rosa. O que poderia haver de ilógico nisso?
- Eu estou nadando! - Tadeu brincava e fazia piruetas dentro da água.
- O que você quer exatamente? - perguntou Linna.
- Nós, seres das águas, precisamos de ajuda. Como precisaram naquele dia, a Grande Araucária e os animais da mata. Eu fui convidado por que existia este filme, do qual eu sou um dos personagens, mas estou aqui em nome de todas as espécies dos rios, açudes, lagos, lagoas, mares...
- Eu estou sentindo uma coisa estranha na pele - disse Linna - Como se fosse uma ardência.
- Pois é! Esse é um dos problemas, a composição da água do lago está desequilibrada. Nós sabemos que isso tem a ver com a poluição, mas não sabemos o que fazer.
- Eu me sinto como se tivesse quinze anos - disse Josefina. Como é bom mergulhar!
- A vida na água é muito emocionante! - exclamou Briel.
- Quando começa o filme? -perguntou Tadeu.
- Já começou - respondeu Briel - Nós somos a história!
- Que jóia, estamos no filme! Olha! - Gi apontou para a tela branca onde eles apareciam nadando no lago.
O narrador era uma borboleta cor de rosa. Falava na feiticeira centenária e o quarteto de amigos que ajudaria Briel a desvendar os mistérios do lago.
- Olá, Gabi! - Josefina mostrou para os outros que no lado oposto ao da tela, na janela do projetor, a borboleta estava chamando por eles.
- Briel! Pessoal! Venham até aqui - ela chamava.
O grupo nadou com rapidez e facilidade até ela. Tadeu brincava, fazia piruetas, explorava cada canto. Havia pouca vegetação e a água era escura, tinham que fazer um grande esforço para poder enxergar. Gabi explicou que isso também era resultado da ação dos homens.
- Eu vou pedir para que nenhum de vocês olhe mais para o filme, disse a borboleta. Vocês precisam passar a se sentir como os peixes e os outros animais que vivem na água. Toda a vez que um de vocês olhar para a tela, a magia pode ser quebrada. Combinado?
- Combinado!- todos responderem ao mesmo tempo.
- O que precisamos fazer? - perguntou Acauã.
- Encontrar a força vital do lago - respondeu Gabi.
A borboleta era encantadora, voava com delicadeza, falava com suavidade e despertava um sentimento de solidariedade neles. Parecia extremamente desprotegida e frágil. Já Briel era forte e guerreiro.
- Cuidado! - disse Gi.
- O que é isso? - perguntou Tadeu.
- Um pedaço de algum sofá - respondeu Briel. Eu esqueci de dizer que as pessoas jogam coisas velhas aqui.
- Você está bem Josefina? -perguntou Acauã.
- Estou, mas foi por pouco, se Gi não gritasse eu teria sido esmagada. E isto vai ficar aqui?
- Vai, pode levar anos para decompor. O tecido e a madeira desfazem mais rápido, mas a esponja... Deve ficar aí por muitos e muitos anos... Isso se algum maluco não resolver comer.Tem um gosto horrível e destrói o aparelho digestivo da gente.
- Por falar nisso... eu tô morrendo de fome - disse Tadeu - O que se come por aqui?
- Essas plantinhas, peixes, insetos - informou Briel.
- Eca! Eu queria um xis com batatas fritas - ele respondeu - Olha as minhas pipocas, o que tem na volta delas?
- Isso é o óleo. Também muda a água, sabia? - perguntou Briel.
As pipocas que Tadeu tinha derrubado boiavam na água e, uma substância viscosa estava em torno delas. O grupo começava a entender os problemas vistos de um outro lado.
Acauã puxou Linna pela mão e a levo até o fundo do lago. Pedaços de objetos estavam encravados na areia: pneus velhos, cacos de vidro, muitas garrafas pet, sobrando poucos lugares para a flora nativa se desenvolver. O Lago era artificial, tinha surgido após a construção de uma barreira, mas tinha uma vida própria, que aos poucos estava sendo substituída pelo lixo.
Poucos peixes e algumas tartarugas viviam entre aqueles objetos. Do fundo eles podiam ver as pessoas passeando pela orla, caminhavam com rádios nos ouvidos, roupas esportivas, sozinhas ou em grupos. Podiam ver também vários pássaros, tartarugas, cães e gatos... Tadeu viu o grupo dos Tamoios treinando, gritou e acenou para eles. Mas não foi correspondido.
Gabi bateu as asas com força, soltando pequenos gritinhos para chamar a atenção deles. Acauã mostrou um homem que se aproximava, vestindo uma capa amarela, ele andava encurvado e puxando uma das pernas, carregava uma caixa pesada.
- O capanga do Carcereiro! - Exclamou Josefina, - Ele estava na expedição pela mata.
- Será? O que estaria fazendo aqui?- Indagou Gi.
- Vamos ficar em silencio e observar - pediu Linna.
O homem se aproximou do lago e despejou o conteúdo da caixa na água. Um grupo de pessoas passou por ele, mas não viram ou fingiram que não viram nada. Ele estirou as mãos e se espreguiçou disfarçadamente, como se estivesse pegando um ar. Recolheu a caixa e foi embora.
- Vamos até lá ver o que é isso, falou Briel.
O grupo se aproximou com cuidado, um líquido escuro e fedorento saia de vários objetos.
- A Magrela! Falou Linna, ela reconheceu a sua bicicleta, que havia sido roubada.
- Olha! - disse Acauã apontando para os objetos. Aquelas embalagens têm uma caveira desenhada.- O que significa isso?
- Veneno! - indagou Linna - Este símbolo indica substâncias tóxicas.
- Mas por que alguém despejaria isso no lago? - perguntou Tadeu.
- É o que precisamos descobrir, disse Josefina.
- Mas como? - perguntou Briel.
- Vamos pedir ajuda aos Tamoios, eu vi eles treinando, já passaram várias vezes por aqui - disse Tadeu.
- Eles não podem nos ouvir, tudo o que acontece aqui só é percebido por quem está na água, disse Briel.
- Mas, você não pode chamá-los, Gabi? - Perguntou Josefina para a borboleta.
- Será que eles vão me entender? - ela perguntou.
- Claro! - disse Tadeu. - Eles se chamam: Fred, Magrão, Topeira, Esquilo e Gaudério.
Gabi voou a procura dos atletas, enquanto o grupo pensava no que fazer. Linna sentiu um gosto ruim na garganta, Josefina teve tontura e Tadeu perdeu a fome. Acauã chamou o grupo e disse que precisavam se afastar o máximo dos produtos. Alguns cardumes de peixes passaram por eles reclamando da agressão.
- Quando isso vai terminar Briel? - perguntou uma velha tartaruga, que andava com dificuldades.
- Eu não sei, vovó... - ele respondeu.
Briel contou para eles que Dona Cordélia era a moradora mais antiga do lago, por isso todos a chamavam de vovó. Ela contava que quando era pequena morava em uma casa com um lindo pátio, depois foi solta no lago, que era limpinho, limpinho... Teve muitos filhos, netos, bisnetos...
- Igual a mim - brincou Josefina.
- Mas ela tem sofrido muito com a sujeira, disse Briel.
- Que pena! - exclamou Acauã. Vamos fazer o possível para ajudar. Olhem! Gabi voltou, com os Tamoios.
Os atletas olharam admirados para dentro do lago, os amigos pareciam pequenos pontos na água. Magrão pegou Tadeu com a mão, para fora do lago.
- Olá, Tadeu! - ele exclamou.
- Olá gente, que bom que vocês vieram!
- O que aconteceu com vocês desta vez? - perguntou Fred.
- Uma mágica nos trouxe para dentro do lago - explicou Tadeu - Não temos tempo, alguém está envenenando a água, precisamos fazer alguma coisa.
Tadeu começou a sentir falta de ar, Magrão recoloco-o no lago e perguntou como eles poderiam ajudar. Linna pensou rapidamente e pediu a eles que organizassem um grupo de voluntários para limpar a água e as margens do lago. Seria um primeiro passo. Depois poderiam fazer um rodízio de segurança, evitando que mais lixo fosse jogado.
Briel gostou das idéias, mas achou que de dentro da água eles precisavam ajudar de alguma forma.
- É importante mesmo, disse Acauã. Mas o que podemos fazer?
- Quem sabe colocar a água em movimento, para oxigenar e melhorar a nossa respiração - respondeu Briel.
- Boa idéia! - disse Josefina. Linna e Acauã podem achar o equilíbrio das forças, como fizeram na mata.
Josefina falava sobre a energia que Linna e Acauã tinham encontrado na mata, em Máquiné, quando eles conseguiram salvar a natureza. Lá o mesmo bandido, Carcereiro, queria destruir a “Grande Araucária”, mas foi impedido por eles.
- Mas, a água vai pesar - falou Acauã - é mais densa que o ar.
- Quem sabe, sugeriu Linna, nós fazemos a corrente de energia e os outros andam em círculo, ajudando a formar um redemoinho!
- Ótima idéia - falou Briel - eu vou pedir ajuda aos outros.
Linna e Acauã ficaram em frente um do outro, aproximaram as palmas de suas mãos, sem se tocar e concentraram-se na força da natureza.
Os peixes e os outros animais e o grupo de amigos formaram um grande círculo e nadaram todos na mesma direção. Linna e Acauã ficaram no centro e uma bola de energia se formou partindo das palmas de suas mãos, como se fosse um grande foco de luz. A água parecia ter se transformado em uma centrífuga, girava com força e rapidez, jogando a sujeira para fora do lago.
Dona Cordélia adorou a experiência, há muito tempo o lago não ficava tão limpo. Mas o veneno continuava contaminando á água. Acabar com ele seria muito difícil, eles ainda teriam muita coisa para fazer.
Gabi chamou os amigos, estava coberta de sujeira, assim como as aves e a vegetação das margens do lago. Ela mergulhou no lago para se limpar, suas asas estavam pesadas e grudentas.
Acauã mostrou para eles a quantidade de lixo que ficou acumulada. As pessoas que estavam caminhando saíram correndo quando presenciaram o estranho acontecimento, o lixo pulando para fora do lago.
Uma cadelinha chamada Pipoca foi à única que teve coragem de se aproximar da margem do lago. Ela olhou curiosa para dentro da água e viu Briel.
- Oi! – perguntou - O que está acontecendo? Eu vi um monte de sujeira saltando para fora do lago...
- Calma Pipoca – respondeu Briel - Os meus amigos estão me ajudando. Nós expulsamos estas coisas todas daqui. O lago está com problemas. Os atletas do Clube Tamoio vão vir ajudar a limpar tudo isso.
- Eu posso ajudar?- perguntou Pipoca.
- Pode - respondeu Gabi - Você pode manter a guarda até os Tamoios voltarem.
- Ok - respondeu ela - Eu sou uma legitima mistura de ovelheira com pastor alemão. Aqui ninguém passa!
Pipoca eriçou o pelo e mostrou os dentes, mas o lago era muito grande, não tinha como cuidar tudo sozinha. Chamou então, sua turma toda: Tigrão, o fila; Lica, a border collie; Bessi, a dog alemã, Chiquinha, a autentica SRD; e Milu, o cãozinho mais esperto do centro. Eles montaram a guarda, cobrindo toda a extensão do lago.
O capanga do Carcereiro voltou trazendo mais uma caixa cheia de coisas. Pipoca soltou um uivo, avisando a turma.
O homem, quando viu a cachorrada, saiu em disparada, deixando cair tudo no chão. Milu e Pipoca correram atrás dele, chegaram a morder o seu casaco amarelo, mas ele fugiu. Um carro esperava por ele. No vidro dele tinha o mesmo símbolo que Acauã tinha visto nas embalagens encontradas dentro da água.
Os amigos voltaram e contaram tudo em detalhes para Briel.
- Obrigado! - disse Briel - Vocês chegaram bem a tempo!
- Pode contar com a gente! disse Milu.
- Este caso está virando uma grande união de forças - comentou Josefina. - Acho que vamos ter ótimos resultados.
- Será que o Carcereiro estava junto?- perguntou Acauã. - Não gostei daquele sujeito.
- Não sei, disse Linna, estou com um pressentimento...
As coisas foram acalmando, os cães estavam ajudando nas margens. A água estava um pouco mais limpa, já que com o movimento parte da sujeira e parte do veneno tinham sido eliminados.
Gabi disse que seria melhor eles retornarem para o cinema para ajudar os Tamoios na limpeza das margens.
- Será? - disse Briel - e se neste meio tempo eles voltarem?
- E já anoiteceu - disse Linna.
- Mas o filme está acabando, as letrinhas já estão passando - informou Gabi... - Logo vem a palavra FIM, vocês podem ficar presos no lago para sempre. Ou pelo menos até a próxima sessão.
- E como voltamos? - perguntou Tadeu.
- Olhando para tela - respondeu Briel.
- Então vamos! - disse Josefina. Adeus!
- Adeus!- disseram Briel e os animaizinhos. Vamos sentir saudades.
Os amigos olharam todos para a tela ao mesmo tempo. Ao piscarem os olhos as luzes do cinema começaram a acender, logo terminaram de passar os créditos e apareceu a palavra FIM. Eles estavam novamente sentados em suas cadeiras.
O lanterninha abriu a porta de saída e ficou olhando para eles espantado. Já estava escuro quando saíram do cinema. A fila para a próxima sessão era enorme, as pessoas estavam alegres, bem vestidas e perfumadas.
Linna notou que todos olhavam para eles de canto de olho. Ela olhou para Acauã e viu que ele estava com a pele esverdeada e gosmenta. Olhou para suas mãos e viu que sua pele estada enrugada e descascando.
- Acho que estas manchas foram provocadas pelo veneno - disse Linna para os amigos.
- Vamos todos para o lago - disse Josefina. - Precisamos agir logo ou o lago vai morrer.
- E se achássemos um antídoto para o veneno? - perguntou Tadeu.
- Já estou pensando nisso - disse Josefina - acho que vamos ter que filtrar a água e neutralizar o veneno.
- Mas como? - perguntou Gi.
- Vamos ter que achar uma forma - respondeu Josefina.
- Eu pensei em uma coisa... Depois explico - disse Acauã.
O grupo de amigos pegou o ônibus na avenida João Pessoa, o cobrador e o motorista estranharam as suas roupas manchadas, mas, como eles pagaram a passagem seguiram rumo a Viamão.








Operação Tarumã


Linna, Acauã, Gi, Josefina e Tadeu chegaram no lago quase ao mesmo tempo em que os atletas do Tamoio.
Estava escuro e a iluminação pública era precária, mas os Tamoios conseguiram os refletores do estádio emprestados. Montaram um grande quadrado no qual o lago parecia com um campo, ao acenderem os refletores a área toda ficou iluminada.
Pipoca rosnou para Magrão, mas logo viu que eles estavam ali para ajudar. Tadeu chamou todos os cães e pediu a eles que ficassem atentos. Caso vissem novamente o homem que estava sujando a água, deviam prendê-lo.
- E nós o que fazemos? - perguntou Gabi.
- Fiquem atentos e informem se alguma coisa acontecer - disse Linna.
- Eu tive uma idéia - falou Acauã - se nós aquecermos um pouco a água. O veneno pode evaporar.
- Mas ai vai contaminar o ar - disse Josefina - se nós fizermos o contrário podemos separar a água do veneno.
- Congelando o Lago? - perguntou Acauã. - Mas e os animais?
- Pois é. Congelariam também.
- E se fizermos um filtro? - perguntou Tadeu, o Pequeno Guerreiro Tamoio.
- Um caminhão pipa! Disse Linna.
- Como assim? - perguntou Gabi.
- Colocamos todo os animais no caminhão e filtramos, congelamos, fervermos a água, ou o que for preciso...
- Boa idéia! - exclamou Josefina - Mas onde vamos encontrar um?
- Deixa com a gente - respondeu Fred. Conhecemos todo mundo por aqui.
- Quanto ao filtro, o Toupeira e o Esquilo podem fazer.
- Então, mãos a obra! - disse Tadeu - Posso coordenar a Operação Tarumã?
- Operante, positivo! - respondeu Gaudério - Quais são as ordens?
- Bom: Pipoca e sua turma fazem a guarda, Gabi e Briel mobilizam os animais, Josefina e os Tamoios filtram a água e Gi, Linna e Acauã limpam as margens do lago. Entendido?
- Entendido - responderam todos.
Os grupos foram cada um fazer as suas tarefas, todos estavam de branco e usando faixas vermelhas no cabelo. Em poucos minutos, um caminhão pipa estacionou na ponte, que fica numa das extremidades do lago. Por ela corre a água que desembocando em um caminho feito de degraus de pedra. Os Tamoios fizeram um escorregador, com mangueiras largas e os animais saíram do lago para o caminhão. Cordélia foi a primeira a fazer a mudança e Briel o último. Josefina ajudou os rapazes a filtrar a água, usaram carvão vegetal, areia e uma mistura de ervas que ela preparou.
Linna, Acauã e Gi usaram vassoura, rastelo e pás para coletar todo o lixo. Acauã examinou as embalagens e notou que umas eram bem mais antigas, já estavam cobertas de ferrugem, logo os bandidos deviam estar envenenando o lago há muito tempo.
- Terminamos, Tadeu! - disse Acauã - Olha só quanto lixo!
Acauã apontou para um monte de sacos, havia de tudo dentro deles. Os Tamoios chamaram o caminhão da usina de reciclagem, eles fariam a seleção do que poderia ser aproveitado e o que deveria ser descartado.
Tadeu pediu a eles que ajudassem Josefina com a limpeza da água. Quando eles já estavam quase acabando Pipoca avisou que os bandidos haviam regressado, trazendo um galão de veneno.
Na frente deles vinha o Carcereiro em pessoa, acompanhado de uma matilha de lobos guará.
Tadeu, Gi, Linna e Acauã sabiam que esta briga era deles. Josefina e os rapazes precisavam terminar a limpeza e devolver os animais para o lago.
O Carcereiro estava com uma luva cobrindo a cicatriz da luta anterior, quando Acauã libertou a serpente que ele fazia de refém tatuada em sua mão. Ela era a fonte de sua força, e ajudava o bandido a tentar destruir a natureza.
Dessa vez vocês não vão me atrapalhar - disse Carcereiro - Nós vamos acabar com o Lago Tarumã.
- É o que vamos ver!- respondeu Tadeu
O Pequeno Guerreiro Tamoio estava disposto a defender a vida do lago. Olhou para Acauã e fez um sinal com os olhos, indicando que atacaria. Linna e Gi ficaram na retaguarda, esperando.
Pipoca e os cães partiram com tudo para cima dos lobos, conseguindo levá-los para o lado oposto ao da ponte. Os Lobos pareciam hipnotizados, seus olhos estavam vermelhos e sem vida, deviam estar reféns do poder do Carcereiro.
Os Tamoios estavam esvaziando o caminhão pipa e devolvendo os peixes e os outros animais para o lago, que já estava quase limpo. Se Carcereiro jogasse o veneno seria o fim de tudo.
As luzes da cidade apagaram, a noite estava escura e silenciosa. Ao fundo ouvia-se só o som da cachorrada.
Tadeu evocou a força da natureza e partiu para o ataque. Carcereiro não deixou por menos e os dois encontraram-se no meio da ponte.
Com um golpe, Carcereiro jogou Tadeu para o outro lado da ponte, os dois desceram os degraus de pedra e desapareceram, levados pela correnteza. Acauã saltou para dentro do lago, para procura-los. Linna e Gi ficaram de olho no galão de veneno. Os outros bandidos quando viram que o chefe havia sumido, fugiram e não voltaram mais.
Josefina e os Tamoios concluíram a limpeza do lago e a reposição dos animais.
O sol nasceu, uma luz suave começou a iluminar o horizonte. Briel e Gabi vieram para a beira do lago.
- O que terá acontecido com Tadeu, Acauã e Carcereiro? - perguntou Linna, preocupada.
- Esse é outro mistério do Lago Tarumã, disse Gabi, nós não sabemos o que tem depois da ponte. Todos os que foram para lá não voltaram.
Gabi estava cabisbaixa, deveria ter avisado os amigos sobre a ponte.
- Sempre nos perguntamos - disse Briel - Será que existe vida depois da ponte?
- Mas é só um extravasor para a água, não é? - perguntou Magrão.
- Não sabemos - disse Gabi.
Linna queria fazer alguma coisa, mas Josefina não permitiu, ela disse que deveriam esperar que Acauã e Tadeu retornassem.
O lago estava lindo, limpo e brilhante, resplandecendo com a luz da aurora. Os amigos sentaram e descansaram, pois a noite tinha sido agitada.
Os pássaros começaram a retornaram ao lago e ficaram orgulhosos do trabalho do grupo. Há muito tempo não viam um lugar mudar para melhor tão rápido. A notícia se espalharia por todos os lados, já que revoadas de imigrantes iam e vinham, de todos os lados.
Os Tamoios convidaram Linna, Gi e Josefina para ir com eles até o estádio, lá poderiam buscar ajuda. Pipoca se prontificou a procurara no outro lado da ponte, mas foi encarregada de guardar as margens do lago. Gabi e Briel fariam a segurança dentro da água.







O outro lado da Ponte.


Gi, Linna e Josefina foram com os rapazes do Tamoio até o estádio, a cidade ainda dormia. Poucas pessoas estavam na rua, Fred fez um café bem forte para acordar todo mundo.
Linna notou que na fachada de entrada havia o desenho de um pequeno índio que era quase uma fotografia de Tadeu. Magrão explicou que era o mascote do time: um Pequeno Guerreiro Tamoio.
Josefina achou tudo muito bem cuidado, a grama aparada, tudo pintado e limpo. Gi disse que adorava futebol, mas queria mesmo saber como poderiam ajudar os dois amigos desaparecidos.
- Bom este é um segredo da cidade - disse Gaudério.
- Como assim? - perguntou Gi.
- Os túneis secretos de Viamão, disse Topeira, com ar de mistério.
- Vocês saberiam guardar um segredo centenário? - indagou Gaudério.
- Sim - respondeu Josefina.
Magrão, Topeira, Fred, Esquilo e Gaudério pediram a elas que aguardassem um momento, falariam em particular e já retornariam.
As meninas ficaram esperando na lateral do campo, sentaram num banco comprido. Gi explicou que aquele era o banco de reservas. Estavam curiosas, mas menos preocupadas, os Tamoios estavam seguros e calmos, demonstrando que sabiam de alguma coisa.
Magrão retornou e levou as meninas para o fundo do campo. Atrás de uma das goleiras havia uma pequena porta no chão, os outros rapazes esperavam lá.
- Essa é a entrada dos túneis - informou Magrão.
- Que túneis são esses? - perguntou Josefina.
- Há várias histórias sobre eles - respondeu Fred. - Uns dizem que foram construídos junto com a Igreja Nossa Senhora da Conceição, outros dizem que foi durante a Revolução Farroupilha. E tem quem diga que eles não existem, só no imaginário das pessoas de bom coração.
- Mas, e vocês, o que acham? - perguntou Linna, com seu faro de Jornalista.
- Que existem e não importa quem construiu ou para quê serviam - disse Esquilo - Se eles são do mundo da mágica ou no mundo real, quem vai saber?
- Para nós pouco importa - disse Josefina - queremos encontrar Tadeu e Acauã.
- Então vamos logo! - exclamou Topeira o mais quieto do grupo. Eu vou à frente, já que conheço isso tudo muito bem.
- Aonde os Túneis vão nos levar? - perguntou Gi.
- Bem - respondeu Fred - há vários caminhos. O mais próximo liga o Tamoio à Igreja, o segundo liga a Igreja ao lago Tarumã; e o mais longo liga o Tamoio ao Farol de Itapuã.
- Então eles podem ter caído no do lago - indagou Josefina.
- E é para lá que nós vamos - disse Gaudério - mas, estejam preparados, tudo pode acontecer.
- Não tem problemas, nós já fizemos até parte de um filme... Nada mais nos assusta, disse Linna. Posso fotografar os Túneis?
- Você que sabe, disse Fred, aqui ninguém manda em ninguém, cada um é responsável por seus atos.
- Ok - disse Linna - mas o meu instinto me diz que devo.
- Então faça - disse Josefina.
O grupo entrou num longo túnel escuro, as paredes mediam aproximadamente um metro e eram revestidas de pedra. Eles andavam agachados e em fila. Magrão pediu silêncio a todos, logo chegaram no lago. Topeira mostrou que a água começava a aparecer nas laterais do túnel e podiam ouvir os sons do lago. Mas nada dos amigos. Onde estariam?
O túnel já estava acabando, Linna apontou para o final e mostrou que Acauã, Tamoio e Carcereiro estavam lutando.
- Zum, zum, zum!
- O que foi isso? - Perguntou Gi.
- Zum, zum, zum...
- Parece o som de boiadeiras - disse Gaudério.
- Corram - gritou Fred - Cuidado!
Os amigos correram para fora do túnel e uma lança, seguida de boiadeiras passou voando por eles, indo parar nas mãos de Tadeu.
- Fui eu quem chamou as armas - disse Tadeu - o que vocês estão fazendo aqui?
- Viemos ajudar - falou Linna.
- Estamos em outra Terra - explicou Acauã - Aqui há gente de toda a espécie vivendo junto e cada uma procurando fazer prevalecer a sua vontade.
- Mas então é uma guerra?- perguntou Gi.
- Mais ou menos - disse Acauã.
- Eu vou destruir o lago e acabar com este portal para sempre – disse Carcereiro - jogando uma pedra em Tadeu.
- Um Portal Mágico! - disse Josefina - Linna, eu e você podemos formar uma corrente de energia. Gi, quando a mágica acabar jogue este sal na mão do Carcereiro. Josefina entregou para Gi um pequeno pacote, contendo um pó branco.
- E nós como ajudamos? - perguntou Magrão.
- Guardem a porta do Túnel e não deixem ninguém passar, ordenou Josefina.
Josefina e Linna concentraram-se nas forças da natureza e pediram que o equilíbrio se restabelecesse.
Carcereiro, sabendo que a feiticeira era poderosa, usou todas as forças contra Tadeu e Acauã. Ele trazia uma lança antiga e com ela atingiu o coração de Acauã, sem que os outros vissem. As gotas de sangue do guerreiro atingiram o chão e a magia se quebrou, Gi entendeu e jogou o sal sobre a mão do Carcereiro. Borbulhas se formaram e ele soltou um grito de dor, a casca de sua cicatriz se desmanchou corroída pelo sal. Um caramujo saiu de sua mão, ele tinha sido aprisionado no lugar da serpente. Carcereiro fugiu em direção a cidade. A porta do túnel desapareceu.
O caramujo explicou que Carcereiro, para continuar poderoso, precisava manter um animal sempre preso, tatuado em sua mão.
- Que horror - disse Gi - Como ele te prendeu?
- Eu tenho um pouco de vergonha de dizer - respondeu o bichinho.
- Não se preocupe – falouTadeu - Nós não estamos aqui para julgar ninguém, só precisamos descobrir como combater ele.
- O Carcereiro disse que eu seria um animal superior aos outros. Minha vida sempre foi muito sem graça e eu queria mudar, disse o caramujo cabisbaixo. Eu tinha ambições... O Carcereiro me encontrou na mata e me prometeu uma vida cheia de poder e aventuras, bastava que eu passasse em cima de sua cicatriz - Quando eu vi fiquei prisioneiro.
- Gente! - Acauã está ferido! - disse Linna.
- Por isso a magia se quebrou - falou Gi - Eu vi Acauã caindo, mas não notei que tinha sido atingido.
Josefina se aproximou, pediu aos Tamoios que colocassem Acauã na margem do Lago, estavam no mesmo lugar onde Acauã e Tadeu tinham caído da ponte. Ela avaliou o ferimento e pediu que os rapazes chamassem um médico com urgência. O caso parecia grave.
Uma tristeza muito grande tomou conta do grupo, Acauã estava acordado, mas fraco. Gabi chamou todos os animais do lago e os pássaros.
- Vamos fazer uma pajelança! - disse Tadeu.
- E como se faz? - perguntou Gi.
- Vamos cantar, dançar e pedir aos espíritos que ajudem nosso irmão.
Eles fizeram um grande círculo, cantaram e dançaram enquanto Josefina cuidava de Acauã. Linna estava muito triste, ficou ao seu lado, segurando a sua mão.
As vibrações positivas invadiram o lago e toda a redondeza e aos poucos Acauã foi se fortalecendo.
A música compassada acalmava o espírito, o sol já andava alto e o lago estava lindo.
Quando a ambulância chegou, Acauã já estava quase totalmente curado. O médico fez um pequeno curativo e advertiu-os, pois não era caso de urgência. Ele não podia imaginava a gravidade do ferimento e a intensidade da cura, que a energia deles havia conseguido.
Os amigos logo se despediram, tudo estava calmo e sereno novamente.
Gabi mostrou para eles que os créditos passavam na tela do cinema.
O lanterninha abriu a porta e disse:
- Boa noite, vocês gostaram do Filme?
- Boa Noite - disse Josefina. Onde estamos?
- No cinema - respondeu ele - por que?
- Por nada, responderam os amigos em coro.
Eles saíram e notaram que a fila do cinema estava enorme, não sabiam o que tinha acontecido, estavam novamente no cinema e ainda era o dia anterior.
Briel piscou para eles de um enorme cartaz que anunciava a fita: Os mistérios do Lago Tarumã II: A limpeza do lago.
Então compreenderam que tinham participado de mais um filme. Mas e o Lago Tarumã? Estaria limpo ou sujo?

FIM

Texto publicado no blog www.linnafranco.weblogger.com.br. Da escritora Gaúcha Fernanda Blaya Figueiró.

No dia 03/11/2006.



























II Parte Rota Náutica Cultural














Rota Náutica Cultural

Linna e Muray foram convidadas para participar da Rota Náutica Cultural, uma viagem pela Lagoa dos Patos e pelo Guaíba, ressaltando o lado histórico desta travessia. Elas partiram de Itapuã, o belo balneário de Viamão.
Antes da aventura procuraram inspiração nas palavras do viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, datadas de 19 de junho de 1820: “Viamão está encravada em uma coxilha donde se descortina vasta extensão de campos levemente ondulados, no meio dos quais se levantam tufos de bosque. Embora desfrute agradável situação, foi ela quase abandonada depois da fundação de Porto Alegre, que está melhor posicionada para o comércio. Compõe-se, principalmente, de duas praças contíguas e de forma irregular; numa delas se ergue a Igreja. Depois de São Paulo, ainda não conheci outra igual a essa. Possui duas torres bem conservadas, muito limpa, clara e ornamentada com gosto. Pelas Igrejas do Brasil pode-se julgar de quanto seria capaz este povo se os meios de sua instrução fossem multiplicados e tivessem alguns bons modelos para orientá-los”1.
Do que seria capaz este povo, tendo bons modelos a orientá-los?
Era de se pensar, o que o cientista vislumbrava em 1820 para esta nação brasileira? Ordem e Progresso.
2007. 11 de abril. Como Viamão é vista pela filha Porto Alegre, como é lembrada nestes dias de abril? A estrada serve ainda como o velho cordão umbilical. E os prados como o colo, as águas como consolo. O verde como alento. A anciã pacientemente espera, nas bicas, nos lagos, nas figueiras.
Um dia o Rio Grande ainda há de lembrar dela. Ainda há de pedir seus conselhos, volver a cabeça para sua longa jornada e prestar um tributo a Setembrina dos Farrapos. Aquela que do alto tudo vê e nada cobra.
Vamos enfrentar o rio, ouvir o vento, saber a história. Viver o presente e construir o futuro.
De que é capaz um povo com cultura?
“O que me chamou a atenção, depois que cheguei a esta capitania, é o ar de liberdade de todos com que me deparo e o desembaraço de seus gestos... Numa só palavra: são mais homens.”2.














Liberdade, Igualdade, Humanidade.
O ônibus que conduziu a expedição ao Farol de Itapuã saiu do estacionamento em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Viamão. A mesma que, em 1820, deslumbrou o francês Saint-Hilaire. Pena que 187 anos depois, ela não esteja tão bem conservada. A Igreja foi construída entre 1768 e 1778, tendo, aproximadamente, 239 anos. Continua belíssima, mas precisa de uma boa restauração, basicamente uma pintura, já que é sólida e não apresenta sinais aparentes de danos estruturais.
Pirim-pom-pim, a lagartixa estava no pergolado da praça tentando almoçar uma aranha, quando caiu na mochila de Linna Franco. Muray viu e ficou quieta, não queria causar tumulto.
Com o grupo reunido, a “viagem” começou, às treze horas e trinta minutos. Fazia um calor abafado, típico do mês de abril, com temperatura amena no início da manhã, esquentando ao longo do dia. Ao longo do trajeto, a paisagem mudava radicalmente! Cidade e campo se intercalavam; gente, construções, gado, campo. Quanto mais próximo de Itapuã, mais campestre a paisagem ficava.
Os integrantes da expedição Farol de Itapuã conversavam em pequenos grupos pouco entrosados, devido ao caráter profissional, muito diferente de um passeio; cada um estava ali por um motivo: biólogos, fotógrafos, escritores, historiadores, professores o secretário e a turma da cultura.
Pirim-pom-pim estava ali pelo almoço perdido. Dentro do ônibus, não havia nada atraente para ela. Linna não parava quieta, fazendo projetos e maquinando coisas, falava o tempo inteiro em Josefina. Muray observava os campos. Notou grande quantidade de gado, ovinos e bananeiras. Não viu lavouras, mas notou que havia alguns parques e sítios de lazer.
Logo na chegada, em Itapuã, o tempo começou a desacelerar. Uma coisa bastante estranha! Linna comentou com Muray que parecia que tudo tinha um ritmo diferente.
- Muray, não parece que as pessoas estão andando mais devagar?
- Também achei. Linna, olha que igreja linda! - exclamou admirada.
- Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes.
A pequena igreja era encantadora, branca com ornamentações em azul, as cores de Iemanjá, ou Nossa Senhora dos Navegantes. Em frente à igreja, uma praça bem cuidada e simpática recebia os visitantes. A guia informou que, durante algumas celebrações religiosas, o povo de lá cobria a frente da igreja com tapetes de flores. Era um espetáculo artístico imperdível. E uma demonstração da Fé do povo.
Um pequeno cais guardava várias embarcações, um típico clube náutico. O “Farol de Itapuã” atracado no trapiche aguardava os passageiros. Logo que subiram a bordo a tripulação orientou sobre os cuidados básicos para que a viagem fosse um sucesso: manter a rota e o equilíbrio. A rota era fácil, pois o comandante sabia bem o que fazia. Já o equilíbrio dependia dos tripulantes.
“Proteger é nosso compromisso” estava escrito em uma bandeira preta ambulante. Pirim-pom-pim acabou concluindo que era, na verdade, uma camiseta. Ou seria um Pirata?
- Linna, olha pra mim!- a lagartixa arranhou o braço dela e se fez perceber.
- Oi! O que você faz aqui? – disse a jovem estagiária de jornalismo.
- Eu estava tentando almoçar e caí na sua mochila. Estou quase perdendo as forças, de tanta fome.
- Aqui só tem amendoim salgado. - respondeu Linna.
- Posso me confessar?
- Pode! –respondeu.
- Comi uma mosquinha no ônibus. Foi uma lanchinho, nada comparado com um almoço. Mas, presta bem atenção, você viu como tem gente usando preto?
- Preto?- indagou ela olhando bem para a lagartixa.
- Roupas pretas! Não serão piratas infiltrados?
- Piratas! Não, é a moda, preto veste bem e emagrece.
- Tem certeza?
-Tenho. Como você se chama?
- Pirim-pom-pim. Pirim, Pom por parte de pai e Pim por parte de mãe.
- Ok, Pirim. Estamos em 11 de abril de dois mil e sete. As pessoas adoram roupas pretas.
- Tem certeza? Você não percebeu que as coisas estão diferentes?
- Sim! Até comentei com Muray. Parece que o tempo anda mais devagar aqui.
- Ou anda para trás? -Pirim falava sério.
O comandante falava em velhas embarcações: Farroupilha, Seival, Vinte de Setembro. A disputa pelo canal: Tenente Parker versus Garibaldi. Farroupilhas versus Imperiais. Tempos de canhões, cercos, acantonamentos e fortalezas.
À medida que a embarcação entrava pela laguna do Guaíba, em direção a laguna dos Patos, as histórias se misturavam: Piratas, Jesuítas, Farroupilhas, Índios, Africanos, Açorianos, Pescadores, Extratores de Granito Rosa, Ativistas ambientais. Todos estavam misturados, nos relatos da guia, e haviam deixaram marcas de sua passagem por ali.
Uma gorda carpa de barriga para cima boiava; havia tombado em alguma batalha náutica contra hélices e ferro, uma coisa dos dias de hoje.
Passaram pelo “Porto de Viamão”, uma enorme embarcação lotada de alimentos, que escoava a safra, de Rio Grande até Porto Alegre. O comandante fez soar o apito, muito cortês. Com um gesto amigo acenou para eles.
- Linna! Você viu isso? – perguntou Muray
- O Porto de Viamão transformado em uma velha embarcação Portuguesa?
- Eu avisei! – interrompeu Pirim – São Piratas!
Linna, Muray e Pirim haviam presenciado um estranho fenômeno; o tempo havia enlouquecido. As pessoas dentro do Farol de Itapuã usavam roupas estranhas, as mulheres vestidos longos e bordados, lenços encobriam suas cabeças; já os homens usavam umas calças esquisitas, algo tipo alpargatas nos pés e camisas brancas.
Na proa pelo lado externo um homem misterioso, vestia camisa e bombacha pretas. Uma faixa vermelha na cintura e botas. Os cabelos compridos tapavam seu rosto.
A paisagem estava intacta, a vegetação segundo a guia, uma ponta da Mata Atlântica, fez com que Linna lembrasse de Acauã, seu namorado, um verdadeiro morador da mata, lá de Maquiné. As cores da roupa do estranho lembravam os amigos Tamoios. Seria um deles?
Enquanto elas observavam o viajante misterioso, a guia falava na Pedra do Equilíbrio, uma escultura natural que tinha o formato do mapa do Rio Grande do Sul. Era um enorme bloco cuneiforme, equilibrado sobre o sólido granito rosa. Presa a ela estava uma casa de marimbondos, que servia como Quartel General, da proteção animal do santuário.
O barco avançando laguna a dentro chegou ao “Farol de Itapuã”: uma bela herança deixada pelos portugueses em 1860. Forte ilumina, ao anoitecer, vinte quilômetros da Lugana dos Patos.
O Escudo Rio-Grandense, assim é chamado o estreito que durante a Revolução Farroupilha foi estrategicamente usado no famoso cerco à cidade de Porto Alegre.
Linna, Muray e pirim estavam confusas, havia muita história sendo contada e elas não conseguiam imaginar como tudo isso ficava esquecido, na correria do dia-a-dia. Perdido no tempo.
Uma frágil libélula se aproximou delas, disse que chamava-se Princesa Li, pousou com muita delicadeza, mas sem medo. Comportamento típico de uma princesa. Seus olhos ficavam bem abertos e atentos a tudo. Pirim, quase viu nela a refeição que precisava. Muray foi quem chamou sua atenção, deveria manter os modos.
Princesa Li chegou a ser pega por um dos tripulantes, que logo soltou-a. Afinal, era uma autoridade ou não era??
O auto-falante emitia a voz guardada do velho Teixeirinha: “Quem quiser saber quem sou, olha para o céu azul e grita comigo: ‘Viva o Rio Grande do Sul’! O lenço identifica, qual a minha procedência. Da Província de São Pedro... O meu Rincão... Querência Amada...”
Pedra do Sapo, Praia da Onça, Ilha do Barba Negra, Praia do Tigre, Prainha, Praia das Pombas... Tanto lugar mágico. Uma capela e uma fortaleza ali dormem, abençoando e protegendo os animais e plantas.
As histórias sobre o corsário Inglês, o escravo jamaicano, os hippies, os soldados, os índios, os imigrantes e nós. Fizeram com que elas pensassem: mito e realidade andam juntos e de mãos dadas?
Há um grande Tesouro em Itapuã: A cultura.
Princesa Li convidou o grupo a andar pelas praias. Era proibido, graças aos homens de bem. Mas, ela tinha passaporte e, Linna e Muray, bons antecedentes: “O Caso Araucária”, “Os Mistérios do Lago Tarumã”, “Itaimbezinho, o Desafio” e “O Cometa”3, aventuras que davam a elas credibilidade no mundo mágico da fantasia e da busca por uma realidade melhor.
Deveriam despojar-se de teorias e pensamentos negativos. No Santuário de Ita Pua, as pedras apontavam o caminho que a Mãe Natureza queria trilhar ao lado dos homens, aqueles “mais humanos” que vislumbrou o viajante francês.
Homens, Livres e Iguais! Em equilíbrio com a Natureza... “ O nosso dever é proteger!” estava escrito numa bandeira ambulante, como Pirim havia lido. Princesa Li não precisava de proteção, morava num lugar fora do real. Mas, queria ensinar as lições dos habitantes da reserva. Convidava todos a conhecerem um pouco de sua casa.









O pelicano “Solito”
Princesa Li mora na antiga salga, lugar onde os pescadores salgavam os peixes para conservar e trocar por alimentos e outros artigos. Ela convidou as amigas Linna e Muray para desembarcarem. O Farol de Itapuã ficou ancorado, seus tripulantes imóveis.
O homem misterioso sorriu para elas e piscou o olho, era um amigo de Princesa Li. Linna indagou de quem se tratava. A princesa pediu que ignorassem sua presença, era um ser muito respeitado, mas discreto. Chegada à hora elas saberiam quem era.
Uma palafita em ruínas, assim era a antiga salga. A água batia levemente nos pés da construção, o mato havia derrubado o piso e a fachada. O mobiliário do palácio era todo construído com espinhas de peixe e conchinhas da lagoa.
O espelho de um camafeu europeu do início da colonização do Brasil servia para Princesa Li enxergar a história. A peça rara havia sido encontrada há muito tempo, nas areias grossas da Prainha. Li explicou que fazia parte de um tesouro, guardado a sete chaves, pelos espíritos do corsário inglês e do escravo jamaicano. Dentro dele há o retrato de um anjo: alguém que atravessou o mar.
- Li! Quem construiu sua casa?- perguntou Muray.
- Os pescadores, quando ainda moravam aqui. E o meu cantinho, fui eu e minha família. Juntamos estas coisas todas, na Vila tem pessoas que fazem estas maravilhas. Vivem disso.
- Linna! Você viu a beleza dos cactos, eles têm flores e frutas. Será que toda esta variedade de plantas é nativa? – questionou Muray.
- Alguma coisa acaba vindo de navio para cá, mas os biólogos procuram manter a mata nativa - explicou Li. - Aqui tudo é muito bem cuidado e planejado.
- Que calmaria! – Linna estava encantada com o lugar. – Estas figueiras são lindas. Vou tentar fotografar isso tudo.
- Fiquem a vontade, eu preciso participar de uma convenção, encontro com vocês depois. – Informou Li.
- Que convenção? – Muray estava curiosa.
- Pré-Convenção Centenária da Lua e do Sol. Vamos estudar as mudanças deste início de século. A cada ano dez de cada século há uma grande avaliação. E como esta convenção, além de abrir um século, abre um milênio, não podemos vacilar... É muito importante. Precisamos alinhar as condutas, vocês entendem?
- Sim, - respondeu Linna. – E... não. Eu tenho pensado muito nisso, desde que vimos o Cometa McNaught, lá em Maquiné. Quanto das mudanças no planeta é causa da ação humana e quanto é próprio da evolução do Planeta?
- Exatamente!Eu li seu texto! Por isso vocês estão aqui. Pensamos a mesma coisa. Esta reserva existe a pouquíssimo tempo, desde mil novecentos e setenta e dois. Só trinta e cinco anos e vejam que resultado!
- Impressionante! - indagou Muray. - A capacidade de regeneração do meio ambiente.
- E o equilíbrio que existe entre homem e natureza. – Princesa Li disse- Eu preciso mesmo ir. Mas, já retorno.
- Podemos participar? – indagou com pouca convicção Linna.
- “Não! Aos Homens!” Desculpem-me é o lema, eu sei que vocês e muitos outros são bons. O problema é que a Convenção está um pouco “com uma pulga atrás da orelha, com a humanidade”.
- Sem problemas, nós entendemos. – disse Muray.
Princesa Li afastou-se e entrou no camafeu. Linna e Muray olharam-se, o Farol de Itapuã estava parado, até as ondas em volta da embarcação haviam “congelado”.
A areia estava quente e a água próxima à praia fria. O Pelicano Solito pescava lambaris. As duas tentaram, em vão falar com ele, que concentrado parecia meditar. Abria as asas brancas e estufava o peito e apanhava o ar. Erguia o pescoço e a cabeça na direção do poente.
Um bugio sorrateiro puxou a mão de Linna.
- Não atrapalhem Solito, ele está ouvindo a serenata do fim do dia.
- Desculpe!- disse Muray – Você é?
- O Faroleiro... Muito prazer!
- Somos...
- Linna e Muray, como vai Acauã e sua turma?- indagou Faroleiro.
- Todos bem! Você é bem informado.
- Pois!Pois! Minha família está aqui faz muito tempo. Antes mesmos dos portugueses chegarem, já havia um de nós aqui. As meninas querem um cogumelo? São produzidos aqui mesmo. Macios, Macios!
- Claro!- respondeu Linna – Você sabe algo sobre o espelho do camafeu?
- Minha nossa! A Dama de Branco! Os marujos sempre contam que nas noites de Lua Cheia ela aparece... Toda de Branco, igual à imagem do interior do camafeu... Pois, pois! Eu já vi... Com estes olhos que a terra a de comer! Ela entra na laguna e segue o rastro das embarcações. E puxa um marujo pro fundo das águas. De manhã, Hum! O Guaíba devolve.
- Nossa! Por que será? – indagou Muray
- Hum! Por que foi um marujo... Vocês sabem... Deixou a pobre desencantada da vida. Homens do mar, sabe?... Em cada porto, uma porta!... Não que eu seja de fazer fofoca. Longe de mim, mas um bugio faroleiro vê longe.
- Muito gostosos estes cogumelos. Obrigada, Faroleiro. Podemos entrar no Farol?
- Não!
- Ok, valeu a tentativa.- disse constrangida Linna.
Faroleiro era direto e objetivo. Acompanhou as duas com muita presteza. A vegetação rangia sob seus passos, os animais eram amistosos. Linna tirou muitas fotografias e Muray descreveu tudo em um pequeno bloco, a estagiária de biologia do Jardim Botânico estava fascinada pela exuberância da reserva.
Linna pretendia focar o bem que estava diante de seus olhos, era possível ao homem viver com dignidade, respeitando o meio ambiente, a vida, como a Mãe Natureza gostava de dizer.
Ela sentiu uma enorme vontade de dançar um fado, talvez por que usasse um vestido rodado e um avental branco, tamancos e meias grossas. Muray riu muito, Linna era muito desengonçada. Parecia uma boneca dançando com Faroleiro.
Solito não agüentou e caiu na gandaia. Quando Princesa Li retornou do espelho encontrou a maior farra. Desconfiada perguntou se elas haviam comido algo
- Os cogumelos macios que Faroleiro nos deu. – respondeu Muray – Sabe está tudo rodando, rodando...
- Eu não acredito! Faroleiro, como você foi capaz de enganar as meninas?
- Desculpe-me Li, não agüentei, foi só uma travessura deste macaco velho. Mas, elas se divertiram!
- Que feio! Tomem é água pura, das vertentes... Vamos voltar para o Farol de Itapuã.
- Como você é brava Li, venha dançar! – disse Muray.
- Não! A Pré-Convenção foi preocupante... Acordem! Na volta vou ter uma séria conversa com este bugio...
- Alto lá!
A mata inteira parou. Solito pediu a palavra. Como era um sábio ninguém queria perder um só suspiro dele. Princesa Li sentou sobre um altar de granito rosa e todos os animais sentaram aos seus pés.
Linna e Muray já estavam normais, a água havia clareado suas mentes. Elas usaram um velho pedaço de madeira do casco do Campista, um náufrago, como banco e sentaram para ouvir.
O pelicano engoliu a saliva, era muito tímido, abriu as enormes asas brancas, mergulhou as patas na água, esticou o pescoço e declamou um poema:
- “Não digas onde acaba o dia. Onde começa a noite. Não fales palavras vãs. As palavras do mundo. Não digas onde começa a Terra. Onde termina o céu. Não digas onde és tu. Não digas desde onde é Deus. Não fales palavras vãs. Desfaze-te da vaidade triste de falar. Pensa, completamente silencioso. Até a glória de ficar silencioso. Sem pensar”.
- De quem são palavras tão belas? – indagou Faroleiro - Do General Bento? Do Che?
- Você não entendeu o sentido do poema. São palavras de Cecília Meireles. No III Cântico, ela viaja num livro magrinho, mas com grande conteúdo. Um Tesouro encontrado na biblioteca de Viamão. Vão e escutem seus corações...
Conscientes de sua existência elas retornaram ao Farol de Itapuã, concentradas em seus aprendizados olharam novamente a laguna e o Farol: iluminando, apontando, imperando na ponta das pedras.
Princesa Li olhou para o homem misterioso e tudo voltou ao normal, todos usavam suas roupas e tinham os cortes de cabelos modernos, usavam relógios, celulares e câmeras digitais.
Pirim veio correndo falar com elas.
- Vocês não sabem o que aconteceu aqui! Mais de mil embarcações passaram pelo Escudo Rio-Grandense – disse eufórica – desde pequenas canoas até grandes navios... Lancha, pesqueiro, draga, jet ski, wind surf, veleiros. Até um mosquito da dengue navegando em uma palha de milho. Este para o bem de todos... Engoli! Palavras! Uma porção delas, tudo que é tipo, estou zonza com tanto falatório.
- Por isso Solito leu aquele poema. – ponderou princesa Li – Pirim você tem que se cuidar! Pois aqui tudo pode virar pedra.
- Como assim? – indagou Muray.
- Vocês não prestaram atenção. Há uma capivara tentando entra na água bem na frente do Farol, depois o sapo, a onça, o tigre, o traseiro de um elefante. Lagartixa ainda não tem...
- E o que eles fizeram?
- Comeram os cogumelos do Faroleiro.
- E nós? – indagaram ao mesmo tempo Linna e Muray.
- Vocês beberam as águas puras das fontes, provavelmente estarão livres desta magia. - respondeu clamante Princesa Li.- Sexta-feira 13 de abril nós descobriremos ao pôr do sol. Sorte de vocês que a lua estará minguando, num grande movimento de renovação.
- Sexta-feira, treze. – Disse Pirim – Olhem! O barco está perdendo o equilíbrio. Socorro! Pra direita, pra esquerda, pro meio, pra proa, pra polpa! Socorro!
- Calma! Já está no lugar! – Muray estava perdendo a paciência com Pirim.
- Pessoal! Vamos sentar, a pré-convenção pediu que lêssemos o Cântico nº XXI do Livro de Cecília Meireles. Solito já está examinando e vai em breve dar sua interpretação. Princesa Li usando o microfone recitou para todos o cântico:
XXI – Cecília Meireles
O teu começo vem de muito longe.
O teu fim termina no teu começo.
Contempla-te em redor.
Compara.
Tudo é o mesmo.
Tudo é sem mudança.
Só as cores e as linhas mudaram.
Que importa as cores para o Senhor da Luz?
Dentro das cores a luz é a mesma.
Que importa as linhas para o Senhor do Ritmo?
Dentro das linhas o ritmo é igual.
Os outros vêem com os olhos ensombrados.
Que o mundo perturbou,
Com as novas formas.
Com as novas tintas.
Tu verás com os teus olhos.
Em sabedoria.
E verás muito bem.
- Olhos ensombrados? – Disse Linna – Li! A água pura das vertentes parece que clareou a nossa visão. Será que tem a ver com o poema?
- Vermos sexta-feira, 13.- respondeu calmante Li - Quando o Farol acender, iluminando as águas; e as margens; e as vidas das pessoas e dos animais. Nosso companheiro Everton um dia disse: “O boi é bicho, mas tem alma sobre o couro”... Muito sábio.
O Homem misterioso olhou para elas, seu sorriso era largo e amigável; seus olhos profundos e ternos. Princesa Li baixou a cabeça.
- Adeus! Senhor Tempo! Adeus!- disse a libélula com lágrimas nos olhos.
Ele desembarcou junto à fortaleza e de lá acenou para a embarcação, os relógios dispararam e o Farol de Itapuã aportou em segurança no trapiche de madeira.
Pirim estava redonda e nem provou os pasteizinhos de peixe feitos na hora, que todo mundo aproveitou.
Três bugios amigos do faroleiro que a muito moravam na Vila de Itapuã fizeram acrobacias e contaram anedotas... Assim terminava a expedição e o dia. Com cores quentes nos céus de Viamão.




Solidão do Viamão
Senhor Tempo encontrou com o bugio Faroleiro e o pelicano Solito, na hora em que o Farol foi acesso e Princesa Li soou o sino, informando o fim do dia.
Para eles, o anoitecer inaugurava um novo dia, com isso variava conforme a rotação da terra, num código diferente.
Na antiga fortaleza farroupilha, o grupo conversava, brincava e fazia “Arte”. Faroleiro era ator; Solito, poeta; Princesa Li, escultora e Sr. Tempo, maestro.
- Eles acreditaram que minhas estátuas eram mesmos animais prisioneiros – brincou Li.
- Gostei muito das duas meninas, – disse Faroleiro – elas pareceram muito comprometidas com Mãe Natureza.
- E sedentas de conhecimento, - constatou Sr. Tempo – Só acho que ficaram um pouco confusas.
- Humanos!- decretou Solito – Precisam compreender os fatos numa perspectiva linear, principalmente no tempo!
- Por isso, o poema fala em ritmo, linhas, cores e luz?- Perguntou Li.
- O Poema XXI- respondeu Solito – Serve bem para o século XXI; a humanidade está perdida em suas frágeis convicções. Por isso, olhos ensombrados devem buscar a verdade.
- A verdade é um conceito bem complicado – disse Sr. Tempo – Eu sei! Pois, acompanho tudo isso, desde o princípio. O tempo dirá! Eles afirmam e eu digo. Achas que eles ouvem?
- É tudo uma grande encenação – Faroleiro ria. - Nós atores sabemos bem. É preciso navegar nas águas perigosas da vida para chegar além, para transpor o comum, o óbvio e vestir o figurino da luz.
- Uma bela interpretação! – indagou Solito – Será que vai dar em alguma coisa?
- Sempre acontece alguma coisa!- disse Sr. Tempo – Isso tudo era habitado por índios, de várias nações. Nômades, eles transitavam por toda esta região, prósperos e, até certo ponto, pacíficos.
- Eles tinham sua própria identidade – interrompeu Li. – Suas crenças, hábitos e costumes.
- Certamente !– continuou Sr Tempo – Tanto que, por algum tempo, combateram os colonizadores portugueses e espanhóis.
- Que brigavam muito!– disse Faroleiro – Disputavam entre si e com os índios.
- E com outros povos! – interferiu Solito. - Os humanos sempre disputam alguma coisa...! De tempos em tempos conseguem o equilíbrio. Vocês perceberam que eles têm dificuldades até de manter a nau estável, mesmo com os apelos do comandante e as instruções. Todos querem sol...Nos dias frios. e todos querem sombra... Só que nos dias quentes!!!Sempre querendo o está ausente e sem ver a dimensão real do presente...!!!
- Por isso, foram muitas guerras – disse Sr. Tempo_ muitos acontecimentos. Eles contam a história, a partir do que sabem: em 1494, Espanha e Portugal sentam para negociar, na cidade de Tordesilhas. Um tratado divide o planeta em dois. Mas, não evita as guerras.
- Eu imagino os primeiros europeus chegando aqui... – disse Faroleiro – imagino o quão deslumbrados ficaram...
- Para quem já habitava estas terras deve ter sido um choque. – disse Li .
- Vamos diminuir esta fatia. – sugeriu Solito – Vamos pensar que, em mil setecentos e trinta e quatro, vieram de Laguna para cá os desbravadores, com seus agregados e escravos. Depois, em mil setecentos e quarenta e um, em quatorze de setembro, Francisco Carvalho Cunha doa terras e gado, para que se construa a Capela Grande de Viamão. Com a ajuda da comunidade.
- A sociedade como conhecemos começava a se formar, misturando as culturas e o sangue das pessoas. - disse Li.
- Resultando no gaúcho, um povo brasileiro. – concluiu faroleiro – Sr. Tempo, quando começou a escravidão?
- Há muito, muito tempo..!!. Imaginem que as pirâmides do Egito já foram construídas usando mão de obra escravizada. Porém, a que aconteceu no Brasil e em outros países da América, data aproximadamente de mil e quatrocentos, com o fim da idade média. Quando o colonizador europeu veio para cá, já havia a exploração de colônias na África. Graças a Deus, isso tudo acabou.
- Mas, tem coisas que ficaram muito mal resolvidas!! - disse faroleiro – Por isso, as pessoas têm que crescer muito e abrir o horizonte de poder ver melhor...!!
- Os Casais Açorianos chegaram, aqui ,por volta de mil setecentos e cinqüenta e dois. Vindos de Laguna, onde haviam desembarcado em mil setecentos e quarenta e oito. Espanha e Portugal ainda disputavam território. – Sr. Tempo estava cansando de tanta conversa.
- Acho que isso já foi bastante esclarecedor... Dá para entender, um pouco melhor, os fatos históricos que aconteceram aqui, - disse Faroleiro – Os índios, os Colonizadores, os Açorianos, as Africanos e mais tarde, bem mais tarde, os imigrantes, todos passaram por aqui para chegar ao Rio Grande. Cada um com seus hábitos, sua cultura e sua língua. Bem como os aventureiros, os navegadores, os homens de guerra e os piratas. Já que aqui havia muita riqueza. Vieram pessoas boas e ruins, como em qualquer lugar.
- Até por que bom e ruim, mudam conforme os interesses de determinados grupos. - disse Li - Por isso uma história sempre tem que ser contada por várias pessoas.
- Para “ ver em sabedoria”, como dizia Cecília.- Disse Solito.
O ar puro da noite acalmou o calor da tarde, os amigos continuaram cantando, dançando, comendo e confraternizando até que dormiram. Ao amanhecer os pássaros sob a batuta de Sr. Tempo, perfilados e em harmonia brindaram a presença do sol com uma sinfonia. As flores exalaram seu perfume e as plantas alimentaram a vida. O orvalho matou a sede de todos.
Princesa Li começou com suas frágeis patinhas a esculpir uma figura humana, com os olhos voltados para o verde e o Coração cheio de amor e esperança.
O bugio Faroleiro ensaiava mais um ato de seu espetáculo; e o pelicano Solito versejava sobre a Solidão de Viamão...
Solidão sentida em sua alma animal,
“A glória de ficar silencioso. Sem pensar”.
Cecília Meireles







Abril, sexta-feira, 13. Dois mil e sete.
Lua minguante e céu claro.
Linna e Muray convidaram toda a turma para estar com elas, ao pôr do sol de sexta; Acauã veio de Maquine só para acompanhá-las.
As palavras de Princesa Li não saiam de suas mentes, contaram tudo em detalhes para os amigos. Todos reunidos, ás margens do Guaíba, próximo a usina do Gasômetro.
Assim que o sol se pôs, uma alegria infinita invadiu seus corações; as nuvens do céu de Porto Alegre ganharam um tom de rosa claro...O mesmo do granito das pedras de Itapuã. Uma mão parecia esculpir imagens nos flocos de nuvem...
- Vi a mão! - Indagou Josefina – E vocês viram?
- Que mão? – indagou Tadeu.
- Eu estou vendo – disse Acauã – Uma mão desenhando uma pessoa e um inseto.
- Princesa Li e nós – indagou Linna – Mas por que uma pessoa?
- Por que é um símbolo. - Disse Muray.- E nós achando que viraríamos pedra.
- Um símbolo de união entre pessoas e animais. – disse Josefina – Olhem! Agora está aparecendo uma flor, como a que Acauã deu para Linna, lá em Maquiné. Deve simbolizar as plantas.
A turma sentou para conversar, fizeram uma pequena fogueira. E riram, cantaram e dançaram até tarde... Estavam com saudades uns dos outros.
Combinaram que, no domingo, todos iriam até Itapuã, fazer as trilhas e desbravar aquilo tudo. Levariam mapas antigos e livros de história. Oscar queria transformar a experiência em uma matéria para o Jornal Universitário. Linna divulgaria no programa de Rádio e Muray convidaria o pessoal do Jardim Botânico para a expedição.
Um vento forte trouxe a música de Sr. Tempo até eles e levou o som das batidas de seus corações para lá.
Na Fortaleza, os amigos souberam que a turma de Linna Franco havia entendido o recado. Na Usina, a energia se renovou em pensamentos e idéias.
“...Tudo é o mesmo.
Tudo é sem mudança...” ( Cecília Meireles)
Tadeu usando uma faixa vermelha brincava: o Jovem Guerreiro Tamoio.