24 de jun. de 2010

As Aventuras de Linna Franco

Queridos amigos,

Os E-books não estão abrindo, por falta de atualização então vou postar o livro direto no blog , lembrando que são textos e personagens registrados e que todos os direitos autorais pertencem a Fernanda Blaya Figueiró com co-autoria e, ou revisão, de Angelita Soares, sendo proibida a cópia parcial ou integral dos mesmos.

Fernanda Blaya Figueiró

AS AVENTURAS DE LINNA FRANCO:
Histórias do Blog







AUTORIA FERNANDA BLAYA FIGUEIRÓ1
CO-AUTORIA ANGELITA SOARES




























A lente de cristal


Oi amigos!

Para quem ainda não me conhece sou Linna Franco. Há mais de um ano venho vivendo aventuras no blog. Passei por muitas coisas, conheci muitas pessoas. Fiz amigos, inimigos. Há poucas horas eu recordava o final mágico do livro Mundo de Sofia. Eu, apesar de ser um personagem, tenho certeza de que existo. Como a Sofia do livro, existe no imaginário de todos os seus inúmeros leitores.
Hoje quero contar para vocês uma história diferente. Sobre um mundo diferente. Eu tenho em mãos uma lente de cristal; é com ela que estou vendo o mundo agora.
A lente pesa pouco, o cristal é rosáceo, grande. Preciso unir as palmas de minhas mãos para que não caia. Meu codinome, entre meus amigos é a Força Branca. Inicialmente imaginei que tinha a ver com o tom de minha pele. Nos últimos textos entendi que se trata da força da paz. Minha criadora foi um tanto cruel em guardar segredo por tanto tempo.
A paz é uma energia. Um olhar, que nem sempre tenho...
O mundo do cristal é limpo, protegido e aquecido. Livre! Livre de medo.
Esse é o mundo que eu vejo, que eu desejo e que eu vou trabalhar para construir. Esqueci de dizer que sou terráquea e humana. Duas identidades inseparáveis. Logo, estou doente! Como o planeta.
Desde que eu era muito pequena nunca entendi direito tudo isso. Lembro de sentar no chão e fitar o céu... Olhar a dança das nuvens, o movimento do sol e a atividade das pessoas e não encontrar sentido. Houve uma época, lá em Viamão, que eu achava que não fazia parte. Que uma hora a campainha ia tocar e alguém ia me contar... Olá, Linna! Tudo isso não passou de uma brincadeira. A vida, na real é isso: ??
Não sei exatamente o que! Mas, seria algo longe, bem longe, bem distante disso tudo. Um lugar cheio de música, alegria e cores vibrantes.
Pensamento é matéria. Matéria é pensamento.
Meu corpo é tão sólido quanto o teu, meu amigo leitor. Sei de pelo menos uns cinco leitores é com vocês que falo. Eu Linna Franco existo. No pensamento de vocês e da Fernanda, esse ser que acha que me criou.
Buenas, como diz o gaúcho. Hoje acho que a campainha já tocou. Isso é a vida. Essa constante indagação. Será? Que vai haver terra amanhã. Será que será destruída pelo aquecimento global? Será resfriada, numa reação ao dano feito pelo homem? Será destruída ou vai nos destruir.
Lembro da reclusão do Itaimbezinho, quando Mãe Natureza me disse que busca a Paz com o Homem. Num lugar tão pequeno como a Terra, com todas as criaturas pulando nela, como a imagem criada no livro Dança da Mutação. Será que vai deixar de existir?
A lente de cristal pede que mantenhamos o olhar. Só.Olhar e pensar









Perspectiva

A lente de cristal de Linna não era mágica, mas simbólica. Lembrava a ela que deveria viver cada situação como ela se apresentava.
Perspectivas da destruição da Terra sempre existiram. Monstros, cataclismos, indícios de um fim eminente, ocuparam o imaginário dos povos nos mais diversos tempos. .
Como tudo isso funciona e como pode melhorar? Linna vinha lidando com estas questões, mas, com a certeza de que logo surgirão alternativas para minimizar os impactos do fazer humano na natureza. E tudo isso numa velocidade compatível com a capacidade das pessoas de evoluírem.
Com o andar da carroça as abóboras se acomodam!
Linna estava no estúdio da TV Educativa preparando o programa infantil. Passou o dia montando cenário, correndo para produzir figurinos, contatar pessoas, mal teve tempo para almoçar. Ali todo o trabalho era gravado antecipadamente e realizado em equipe. A ação de um estava totalmente relacionada à do outro, o que estressava bastante. Mas valia a pena, os resultados eram surpreendentes.
Ela foi até o bar e pediu um sanduíche natural. Faltavam poucos minutos para o programa ir ao ar, o clima era de expectativa. Sempre! A hora de entrar no ar era o grande momento do dia. Sua parte já estava pronta, mas, precisava acompanhar atentamente todo o programa, para corrigir eventuais falhas e melhorar o que fosse preciso. Enquanto esperava o lanche ficou brincando com a lente de cristal.
Linna estava tão cansada que não percebeu que Bel, a diretora do programa, estava lhe observando. Ela se aproximou e perguntou;
- Linna! Que é isso?
- Oi! É uma lente de cristal.
- Para que serve?
- É uma peça de decoração. Comprei no brique. Era parte de uma luminária, o pedestal quebrou. É muito bonito olhar por ela. Quer experimentar?
- Sim... Inclusive já estou pensando em um quadro para o próximo programa.
O lanche de Linna ficou pronto, Bel olhou pela lente e o programa foi ao ar.

Bel, Linna, a Lente de Cristal, o sanduíche e o programa.

“Hollywood
Toda a manhã, a fim de ganhar a vida,
lá vou eu para o mercado onde se compram mentiras;
esperançoso,
entro na fila dos vendedores.” Bertolt Brecht – Poemas e Canções Escolhidas
Um dos últimos raios de sol, daquele dia, atravessou a lente de cristal e refletiu na mão da menina que servia o sanduíche. Bel achou tudo muito alucinante. A menina tinha sardas no rosto. Linna uma pedra de pingente. O programa falava na água do rio e o sanduíche era feito de pão. De repente, aos seus olhos, tudo pareceu extraordinário. Seus pés estavam inchados de ficar em pé. As cadeiras da lanchonete eram forradas de tecido em tons degrade de vermelho. Linna levou o sanduíche até a boca. A menina guardou a louça suja que estava sobre o balcão sintético. Todos olhavam para a televisão. A alface estalou entre os dentes de Linna. O programa mostrava a vida do rio em lendas, estatísticas, previsões. Tudo voltado para o público infantil. A menina acendeu as luzes.
- Bel! – Chamou Linna – Ficou bom?
- Bom?- indagou ela.
- O programa? – voltou a questionar Linna.
Bel respondeu vagamente que tinha achado o programa bom. Entregou a lente para Linna e disse:
- Eu estive pensando que podíamos fazer um programa sobre a perfeição das coisas.
- Toda a vez que eu olho pelo cristal penso nisso... – respondeu - Como tudo é perfeito! E ao mesmo tempo, fico triste em ver o quanto nos acostumamos a coisas “desumanas” ou talvez coisas que a humanidade já deveria ter suprimido.
Linna convidou Bel para caminhar. Caminhar e olhar! Ela tinha aprendido com Acauã a perceber as coisas com o coração. A focar o melhor lado, buscar a expressão mais pura. Hoje suas fotografias tinham nitidamente essa influência. Mesmo a dor é perfeita, indica onde está o problema. A morte é perfeita, mostra a transitoriedade de tudo. O erro é perfeito, faz parte do acerto.
O descaso é a nossa doença... Linna pensava sobre isso, se sentia impotente e doente. Mesmo que no fundo sua convicção fosse que tudo haveria de ficar bem, a realidade mostrava um sofrimento absurdo e totalmente incoerente, mas passageiro. E do outro.
Bel caminhando a seu lado conseguiu entender um pouco. A paz de Linna era interior, seu sorriso pacificava. Seu olhar era quase neutro. Quase intangível. Quase cristalino. O outro era parte dela. A parte que precisava de tratamento.
Anderson atravessou a avenida. Bel petrificou de medo. Achou que seriam assaltadas. O garoto se aproximou e beijo Linna: – Esse é o Anderson. As duas seguiram caminhando. Não era um pivete, um marginal, um drogado... Era Anderson. Josefina acenou para ela, voltava para casa. Os pássaros cantavam nas árvores. Havia sim muita violência na cidade e Linna não estava imune. Mas, havia muita beleza. Muita perfeição.
As duas estavam cansadas!
Bel pensou em fazer a abertura do programa focando a lente e ir descortinando o cotidiano. Podíamos contar a história de alguém... As duas se despediram e marcaram um encontro para pensar no novo programa.
















O Guardião!
Naquela manhã Acauã acordou cedo. Fazia muito frio! Logo que chegou, vendeu todos os produtos que trouxera de Maquiné. Ele conhecia muito bem o mercado. O parque estava lotado de barraquinhas coloridas. Muitas pessoas caminhavam pela feirinha tomando chimarrão...Sozinhas, em grupos, ou em família.
Acauã atravessava a rua, quando encontrou com Josefina, que era uma das melhores amigas de Linna. Mesmo já tendo completado cem anos, ela acompanhava as aventuras do grupo; por isso todos a chamavam de: A Feiticeira Centenária.
- Bom dia, Acauã! – disse com um largo sorriso no rosto. – Há quanto tempo!!
- Josefina, que bom te encontrar!- ele abraçou a amiga e sentiu uma energia muito boa. - Precisa de ajuda com o carrinho de feira?
- Seria bom!- ela respondeu.
Acauã pegou o carrinho de compras e foi acompanhando a amiga pelo bairro. Josefina era muito querida por todos. Ela andava vagarosamente. Ele não tinha pressa, Linna estava de plantão na Rádio Universitária; seria seu último fim de semana de estágio.
Os carros andavam em alta velocidade...E os motoristas não tinham a menor paciência com Josefina.!!Para atravessar a rua ,ela precisava de muito tempo, e mesmo com o sinal fechado, chegar ao outro lado era bem complicado!Ouvia desaforo de jovens impacientes, buzinas de ônibus. Além de receber empurrões de pedestres desajeitados. Mas, nada disso abalava sua tranqüilidade! Nem a de Acauã que estava acostumado com o tumulto naquela parte da cidade.
Aos sábados, o Parque da Redenção enchia de gente; a quantidade de pessoas buscando um lugar próximo a natureza chamou a atenção de Acauã.
- Engraçado como tem gente indo pro parque, não é mesmo Josefina?
- Eu já estou acostumada, sempre morei neste bairro. Para nós, o parque é como se fosse o quintal de casa. – ela comentou – Sabe,a vida nas cidades, às vezes, distancia muito as pessoas da Terra.
- Do Planeta Terra?- indagou curioso – Como assim?
- As pessoas passam a viver um mundo de relações artificiais. Passam a interagir com a televisão, com as contas, o carro, os livros, o computador. Cada uma presa ao seu próprio universo. Convivem com outros seres com certa... Distância e fragilidade, digamos assim. Mesmo nos ciclos de amizades mais íntimos, as pessoas parecem não se conhecer. Ou não mais se reconhecer. Entende?
- Um pouco. Às vezes eu sinto isso aqui, essa frieza. Lá, na minha tribo, nós todos formamos uma grande família. Temos nossos problemas, mas sempre procuramos resolver.
No outro lado da avenida, um jovem estava sentado na calçada, com o olhar perdido. Usava apenas algumas roupas velhas e tinha os pés descalços. Estava imóvel junto à parede de um banco. Josefina aproximou-se dele e perguntou se estava passando bem. Acauã estranhou sua atitude, já que ninguém mais fazia isso. Nem ele teria coragem de abordar o “pivete”! O garoto nem olhou para a senhora, continuou imóvel, olhando para o nada, sem esboçar reação alguma. Ela retirou do carrinho de compras um sanduíche e colocou em sua mão. Ele não reagiu, apenas apertou o pão entre as mãos. Ela continuou seu caminho. Sabia que o menino estava drogado, de alguma forma por produtos químicos, pela fome, ou pela falta de perspectiva.
- Sabe,Acauã, um dia, nós ainda vamos entender que não é possível conviver com esse descaso pelos seres. Uma sociedade que permite que haja tanta incoerência, tanta distância entre as pessoas é uma sociedade doente! Extremamente doente.
- Eu me sinto muito culpado; não sei como agir, diante da miséria, da violência, do descaso. Às vezes eu penso que sempre vão existir pessoas que não conseguem se encaixar, não entendem a vida.
- Mas isso é diferente! Todos nós passamos por momentos de perplexidade diante dos mistérios da vida. Mas, no Brasil, a situação está insustentável; são muitas e muitas pessoas desprovidas de futuro. Sem ter uma única alternativa. Sem trabalho, sem lugar.
Enquanto os dois caminhavam, passaram por várias pessoas que estavam quase no mesmo estágio de desalento daquele garoto. Assim como passaram por pessoas bem vestidas, mas, com expressões de sofrimento, irritação, amargura. Raros sorrisos iluminavam alguns rostos.
Uma bela manhã ensolarada de sábado, um frio seco, com vento forte e aroma de fuligem. Buzinas, freadas, algazarra, sirenes, os sons da cidade.
Acauã estava feliz, por estar ali, havia agradecido ao sol pela bela manhã. Havia sentido a alegria da mata atlântica, antes de sair de casa. A vida emergindo por todos os lugares junto com o dia. A esperança de todos da tribo depositada em seus ombros, já que ele faria o contato entre os seus e a cidade. Levaria prosperidade em troca de trabalho. Josefina notou o desanimo dele e mudou a perspectiva.
- O maior objetivo de uma sociedade é a continuidade, a preservação da vida. Falhas e desajustes sempre vão existir. Mas, a essência da comunidade tem que ser predominantemente sadia.
- E como isso acontece?
- Com o equilíbrio entre os interesses coletivos e individuais.
Enquanto ouvia Josefina, ele olhou novamente para a avenida, do outro lado estava o parque, Acauã lembrou de um sonho que tinha desde muito pequeno, quando sua mãe lhe explicava o significado de seu nome: " A ave que ataca serpente"...
Imaginava que era um pássaro, dos galhos mais altos das árvores,  guardava a mata. Imaginou o vôo solitário que tinha em sonhos, sentiu seus braços cobertos de penas, seu corpo rasgando o ar.
Olhou o parque e percebeu a passagem para um novo mundo.
Josefina sabia exatamente o que ele sentia; viu a liberdade no seu olhar, entre seus lábios, um sorriso de sabedoria. Despediram-se sem palavras.
Ninguém mais olhava para ele, ninguém podia compreender o que acontecia. A ave que ataca serpentes voava sobre a cidade, sobre o mar, sobre a vida.
De lá, podia mergulhar no coração da cidade.
"Guarda no coração, Linna!!". A expressão que sempre havia pronunciado, ganhara uma outra dimensão. O Pivete na calçada era ele. A mulher esnobe de olhar vazio... Também!
Ele era Josefina, a árvore coberta de poluição, a energia da cidade, do parque.
Ele era Linna e todos eram Deus. Deus que neles era vida e morte, comunhão e divisão, belo e feio...
Acauã viu, no desenho de sua pele, pequenas estrelas, de uma grande constelação.
Estava Livre!
Linna ligou para ele naquele exato instante, convidando-o para passar à tarde em Itapuã. Lá haveria um congresso de ambientalistas, para discutir as mudanças nas relações entre: Trabalho, Produção, Consumo e Meio Ambiente. Um assunto de importância vital para atingir as metas propostas pela sociedade.
Acauã aceitou prontamente o convite. Mas, antes resolveu reunir toda a turma no parque. Para juntos pensarem no presente de Linna. Quando retornava, passou novamente pelo garoto, ele estava comendo o sanduíche que Josefina havia lhe dado. Acauã parou e perguntou o seu nome.
- Nome???- ele indagou olhando desconfiado para Acauã. Que nome tu quer que eu tenha?
- Eu me chamo Acauã, e queria te convidar para conhecer alguns amigos meus.
- Anderson... Mas me chamam de pivete, coisa, mané.
- Onde você mora?- perguntou Acauã.
- Eu rolo... Onde me deixarem ficar... Qual é a tua? Eu não tenho nada!!
- Não estou procurando nada.
- Vaza!
Com esta expressão, o olhar dele mudou, uma malícia tomou conta da apatia. Acauã viu e sentiu a desconfiança dele. Como um animal ferido estava defensivo e ao mesmo tempo em estado de alerta.
- Calma!- disse levantando - Eu estou indo.
- Se eu quiser te encontro, índio! Se eu quiser encontro a tua namorada e a vó. 
- Isso! Nós estamos sempre por aqui! Até!
Com calma, Acauã atravessou a rua, misturando-se a multidão. Anderson resolveu acompanhá-lo. Atravessou a praça de brinquedos e o campo de futebol, chegando antes dele ao centro do Parque. Tadeu, Janete e Oscar já estavam lá, com Gi, Muray e Armando.
Esperavam para ir para Itapuã, a pedra que aponta o caminho. Acauã contou sobre a surpresa que queria fazer para Linna, o blog ganharia um design novo, este texto e um perfil no Orkut. Afinal, Linna não podia mais continuar escondida, precisava ganhar um lugar no vasto mundo cibernético. Afinal, ela era pura energia!!
Anderson disse que ela precisava de mais tempo, pois não andava mais de bicicleta, quase não fazia a ronda. Estava mergulhada no pensamento “bio existencial” e vivendo menos. Um paradoxo!
Sua presença foi aceita sem reservas. Acauã convidou o novo amigo para ir junto a conferência.
Anderson: O Guardião das ruas.



















Guardião da Mata! Guardião das ruas!

Ao final da convenção todos foram assistir ao por do sol. Josefina chamou Anderson e Acauã, ela sentiu uma energia entre os dois.
A Feiticeira Centenária os havia apresentado pela manhã. Havia provocado o encontro entre eles.
Enquanto todos retornavam ao ônibus Josefina pediu a eles que descrevessem o que haviam sentido ao longo do dia.
- Eu senti que era um pássaro, vivi o vôo solitário que me acompanha em sonhos – respondeu Acauã -Vi no parque a passagem para um novo mundo. Estava livre!
-E você Anderson?
- Eu senti brotar no meu peito uma força muito poderosa, a hora que ele se aproximou de mim. Achei que fosse um inimigo. Quase ataquei, como um lobo.
Josefina observava os dois, via além deles, projetado no mundo mágico, o Espírito Guardião que se conectavam a cada um: Acauã, a pequena ave de rapina da mata Atlântica e o Lobo Guará, um lobo típico da região sul do Brasil.
- Cada ser que vive está conectado aos outros – explicou Josefina- estes animais que vocês encontraram são seus protetores. Vocês precisam deles e eles de vocês, esta relação é uma troca, nela é preciso saber dar e receber.
- O que o pássaro quer de mim?- perguntou Acauã.
- Um mimo, um reconhecimento, uma oração. Um símbolo. – disse ela.
- Como esse?- perguntou Anderson. - Ele mostrou o lobo tatuado no lado esquerdo do peito. Eu mesmo fiz! - Isso! – disse satisfeita Josefina.
Acauã mostrou um amuleto com o formato de uma ave que carregava no bolso. Havia sido esculpido por seu pai, o Cacique Tibiriçá quando ele nasceu.
Josefina fechou os olhos e segurando a mão dos dois rapazes evocou os espíritos mais puros da terra. Evocou as forças do sol, da lua e das estrelas. Nela Acauã e Anderson viram passar um a um os animais da terra.
Sr. Tempo imóvel observava, reconhecia o som de cada um naquela sinfonia.
- Vão e usem este poder que vocês têm. Um de guardar a mata e o outro de guardar as ruas. Construam uma mata protegida e uma rua segura. E nunca esqueçam de lembrar de seus guardiões.
Com um leve movimento do Sr. Tempo estavam novamente na beira da Prainha de Itapuã, sentindo a areia sob os pés.
Linna correu e abraçou alegremente Acauã. Brincou com Anderson e beijou Josefina. Sorriu para Sr. Tempo. Como se nada tivesse acontecido.

Jardins encantados
Anderson e Acauã, já conheciam seus guardiões sentiam a presença e a veracidade deles.
Linna dava continuidade às reflexões da tarde em Itapuã. Ela tinha plena convicção da necessidade de existirem reservas, locais destinados à proteção do meio ambiente. O que não entendia era a degradação fora destes “ Jardins encantados”. Incluindo a falta de atenção da sociedade com a imensa população privada das condições básicas da sobrevivência no planeta.
- Esse ciclo da sociedade de consumo tem que acabar logo! – exclamou com ênfase. – O conceito de trabalho tem que mudar!
- Como? – Perguntou Anderson.
- Não sei!
Enquanto falava ela imaginava a quantidade de lojas, shoppings, fábricas, objetos, dejetos, que havia no mundo. Quantas pessoas produzindo coisas e vivendo delas. Maquinalmente. Como se não houvesse uma outra possibilidade. Pensou na real necessidade de toda esta atividade.
A atividade humana serve para que mesmo?
- Tá maluca Linna? – perguntou Acauã – O homem é o seu trabalho: aquilo que faz, que produz, que modifica.
- O meu trabalho é continuar vivo. – disse Anderson - Encontrar comida, um canto pra dormir, encarar os perigos.
Linna brilhava, Anderson e Acauã viram além dela uma pomba branca, com asas abertas e um raminho preso ao bico. Seu guardião era o símbolo da paz. Não disseram nada, seguindo as orientações de Josefina: “ Cada pessoa deve encontrar o seu espírito guardião. A sua força vital”.
Que força e que atitudes um ser tão frágil podia guiar??? Linna Franco: a Força Branca.
Encontrar magia e encantamento mesmo nas coisas mais absurdas. Acauã acabou concluindo que esta visão é que fazia de Linna o que era.
Anderson lembrou das inúmeras noites frias que encontrou com ela sorrindo e servindo sopa. De todas as vezes que atravessou a cidade de bicicleta. Da serenidade do seu olhar e o tom calmo de sua fala.
- Como você imagina a sociedade no futuro? – perguntou Acauã.
- Acho que eu assisti a muitos filmes de Ficção Científica. - disse Linna – Olho para o futuro e vejo uma sociedade com um forte controle sobre o meio e o indivíduo. Arida, impessoal e com os mesmos vícios de hoje ou do passado. Simplesmente não gosto.
- Ontem, hoje, amanhã? – Disse Anderson – Vocês acreditam nisso?
- Para mim o tempo é um oceano de possibilidades. – Disse Linna. Passado, presente e futuro são focos. São expressões estáticas para algo que não para, uma convenção. Assim como estar vivo ou morto. Dormindo ou acordado. Jovem ou velho.
- Te larguei! – disse Anderson – Conversa de bêbado.
- Eu tô contigo. – disse Acauã – Acho que você deve esfriar essa cabecinha, Linna.
Já era noite quando chegaram ao parque da Redenção. Acauã e Anderson estavam rendidos diante das afirmações de Linna. Ela própria ainda precisava entender melhor suas convicções. Sua visão. Lembrou do poema de Cecília Meireles: Tudo é o mesmo.Tudo é sem mudança...”. Que havia lido no capítulo Rota Náutica Cultural, do blog, em 11 de abril de 2007.
- Sabe de uma coisa. - disse enfática - Acho que podemos sonhar um mundo melhor. Focando no que importa e ouvindo a voz do planeta. Ligando nossa energia com a da Terra vamos rumar para onde devemos, seguindo a força do vento, o fluxo da correnteza ou o doce balanço do mar.
A turma se dispersou, cada um foi para sua casa. Acauã e Linna continuaram digerindo suas convicções.
Anderson avaliou o parque, as ruas e decidiu caminhar um pouco. Já fazia mais frio do que durante o dia. Pelo menos havia comido bem em Itapuã.
Garotos nas sinaleiras, meninas nas esquinas. Gente com medo atravessando a rua. Um oceano de possibilidades? È possível, bem possível que haja um amanhecer para ele. Subiu no banco da praça e percebeu seu corpo quente e cheio de energia. Com um impulso saltou longe, girou e seguiu assoviando. Seu guardião respondeu uivando pra lua e pras estrelas.






































Domingo

Julieta acordou cedo, a mãe dormia sob o efeito do álcool, estava cada dia pior. Palito, um de seus irmãos, tinha sido preso. Anderson estava nas ruas.
Ela vestiu um casaco, ajeitou os cabelos e saiu. A rua estava vazia. Entrou no ônibus pela porta da frente, o motorista não sorria. O clima não era bom, todos os passageiros estavam em silêncio. A menina passou pela roleta e sentou num canto quieta. Desceu no ponto mais próximo ao parque.
Linna estava indo para Viamão, precisava chegar cedo para o batizado de sua sobrinha. Cruzou com Julieta, viu a menina e sorriu.
- Moça! Tem um trocado?
Linna tinha a convicção de que quando alguém pedia era por que precisava.
- Vamos passar no armazém que eu compro um lanche.- respondeu.
- Eu espero aqui!
A menina sentou na porta do estabelecimento, Linna comprou um suco e pão para ela. Teve a sensação de que já a conhecia, estava atrasada, então, atravessou a rua e sem poder perguntar nada.
Julieta comeu rápido, sabia que podia perder sua refeição para algum malandro. O dono do armazém pediu a ela que saísse logo dali, os fregueses podiam nos gostar de sua presença.
As prateleiras estavam lotadas de pães, bolachas, farinha, feijão, no centro uma banca cheia de frutas frescas e verduras, tudo bonito e colorido. Nos fundos um balcão frigorífico com frios, bebidas e laticínios. Sob o balcão havia doces e salgados. Na porta um forno com frangos temperados e espetados, prontos para assar.
Julieta se sentiu bem melhor depois de comer. Precisava encontrar com Anderson, ela sabia que o irmão morava no parque. Quando entrou na rua do Brique sentiu uma energia muito boa, as pessoas estavam expondo os produtos. Julieta ficou maravilhada em ver a quantidade de coisas espalhadas no chão, em tapetes, nas banquinhas. Moedas, bijuterias, roupas, livros, discos, selos, móveis. Ela olhava para tudo com atenção.
Josefina estava lá caminhando entre os amigos, ela freqüentava o parque há muitos anos. Viu o encantamento da menina diante da quantidade de objetos expostos. Muitos anos de trabalho e arte estavam representados ali.
- Olá!Você gosta de vir aqui? – perguntou.
- Oi! Eu vim procurar meu irmão, o Anderson. – respondeu Julieta – Eu gosto daqui, tudo é bonito e colorido. A senhora vai comprar alguma coisa?
- Não! Tenho muitas coisas guardadas em casa. Eu conheço o Anderson, mas, não o vi ainda. Ontem à noite ele estava cuidando dos carros por aqui. Como você se chama?
- Julieta! E a Senhora?
- Josefina! – ela respondeu olhando para a menina.
- Olha! Que lindo – a menina tinha nas mãos um par de sapatilhas douradas. – Será que foram de alguma bailarina?
Josefina sorriu, Julieta tinha nas mãos uma de suas sapatilhas preferidas. Ela havia dado a uma menina que acabou vendendo para um antiquário. Havia dançado em muitos lugares com elas. Preferiu não dizer nada para a menina ou para o vendedor, já que isso não modificava em nada a importância delas.
- Você dança?
- Não! Eu não sei, mas acho muito bonito.
- Dançar é uma coisa natural – respondeu Josefina – qualquer pessoa pode fazer. Basta não se preocupar com os outros e seguir o seu ritmo. Experimentar.
O frio começava a diminuir, o sol aquecia as ruas. Josefina comprou as sapatilhas para Julieta, que imediatamente calçou-as. A menina retribuiu com um belo sorriso e um longo e forte abraço na bailarina que trouxe vida as sapatilhas.
Josefina beijou sua testa e pediu que o Espírito Guardião dela a acompanhasse e protegesse.
A borboleta Bibi, com sua magia, atendeu ao chamado da Feiticeira Centenária e as sapatilhas douradas de Josefina entrelaçaram dois mundos. Julieta via o parque envolto em luz e prosperidade. Encontraria forças para o milagre da transformação e da superação de obstáculos.
Os pés pequenos não preenchiam completamente o calçado, mas, Julieta estava leve e feliz. Brincou na praça com as outras crianças, acompanhou o artista vestido de estátua. Encontrou com Anderson e dividiu com ele suas preocupações. O garoto não gostou de vê-la, sabia os perigos que rondavam, conhecia a malícia das ruas e o poder sedutor de um mundo tão distante do deles. Anderson precisa levá-la de volta para casa. O Domingo era o dia em que mais trabalhava, cuidando carros, carregando objetos. Estando nas ruas, conseguia dinheiro e comida. Mas, decidiu que primeiro tiraria a menina dali.
































O sorriso de Julieta

Quando chegou em casa Julieta tinha um sorriso no rosto, estava ao lado de Anderson. Trazia o irmão pela mão como se fosse um troféu.
A mãe olhou para os dois e seus olhos encheram de lágrimas. Fazia muitos meses que não via o filho. Marta tinha tido seis filhos. A mais velha, Paula, estava bem. Palito estava preso, Julieta, a caçula, morava com ela e Anderson morava nas ruas. Os outros dois meninos haviam morrido.
Marta criou todos nas sinaleiras, uma realidade das grandes cidades. Tinha quinze quando teve o primeiro... Sinaleira! Dá dinheiro! Essa era a sua vida.
O sorriso de Julieta era um perigo: a menina sonhava.
Anderson olhou para mãe e sentiu vontade de abraçá-la, só ele sabia o que ela já havia passado. Por isso havia tirado Julieta do parque, por saber.
- O Anderson trouxe dinheiro pra comprar gás e também trouxe pão. - disse animada a menina. – Olha! Uma senhora me deu estas sapatilhas. Agora eu sou uma bailarina!
- Que bonitas!- disse a mãe – Onde você andava?
- No parque!
Julieta pulava e dançava leve e alegre. Deu um beijo na mãe e correu em direção ao cachorro que estava amarrado a um cordão.
- Não é lugar pra ela – interrompeu Anderson- Como vocês estão se virando?
- Bem! Se é que isso te interessa... Tua tia vem buscar a Julieta.
- Que bom! E tu?
- Eu??? Tô aí e aí vou ficar.Que cheiro bom é esse?
- Frango! Ganhei do dono da venda... Fim de tarde... Ia fora... Os granfa não comem, assim quase torrado.
Anderson , Julieta e Marta jantaram em família. A pequena adormeceu e a mãe abriu uma garrafa de pinga. O garoto... pé na estrada. Um dia! Um dia! Tudo ia ser diferente.
A lua brilhava no céu escuro. O tráfico buscava mão de obra. Anderson tinha que seguir. O som da noite era de medo e recolhimento.
Ficou contente que a tia Dalila vinha buscar Julieta. Era uma pessoa séria, trabalhadora, não pensava muito... O que às vezes, até facilitava.
O sorriso de Julieta valia tudo aquilo.














A foto de Julieta
Linna estava descansada; tinha passado o fim de semana inteiro, com Acauã, em Maquiné.
Na segunda feira, iniciaria outro estágio: na televisão. Ela já havia passado pelo jornal, pela rádio e, agora, tinha este desafio. Trabalharia nos bastidores, acompanhando a produção de um programa infantil.
A seleção das fotografias para a exposição vinha ocupando grande parte do seu tempo. Estava encontrando dificuldades em escolher as melhores fotografias. Todos os lugares por onde passara eram extremamente belos, mas Linna queria mais do que isso. Queria imagens que retratassem a alma dos lugares.
Como no dia em que voltava de Viamão e encontrou com Anderson e Julieta. Ela havia passado pela menina pela manhã e não sabia quem era. Mas, sentiu uma energia, uma familiaridade.
Quando viu a pequena dançando, ao lado do irmão, sentiu que, ali, havia algo diferente. Linna fotografou Julieta com as sapatilhas douradas e o sorriso meigo e alegre. O sol apareceu, entre os dois irmãos, e a luz refletia um brilho intenso. Anderson brincava como uma criança e Julieta estava no ar, como uma borboleta: leve e delicada.
No parque,  pegou imagens do cotidiano de trabalho: pessoas negociando, comprando, vendendo. Gente expondo sua arte, suas habilidades, seus sonhos. Os sons do parque pareciam invadir as imagens...! Os aromas de doces, sucos, incenso, misturados ao das pessoas, ficava no imaginário do expectador.
O rosto dos excluídos contrastava e se diluía na multidão... Josefina, Julieta e Anderson mostravam a unidade e a diversidade da energia. E, ao fundo, a Mãe Natureza presenteava o mundo...Com flores e verde...
O sino da igreja tocou! Linna estava com a imagem de Deus no coração.
















Um vento forte passou pelo Rio Grande!

Seria este o velho e famoso Minuano? Se perguntou Roy, o belo ovelheiro negro.
Muito ouvira falar nele, um vento poderoso e frio, que sempre assolava estes pagos. Varrendo a chuva e a umidade. Roy era um andarilho urbano, vivia no centro de uma cidade do interior gaúcho. Seus ancestrais eram todos do campo, mas, ele havia sido trazido para a cidade, ainda filhotinho, por um menino muito querido.
O problema dos dois começou quando Roy ficou grandinho e o apartamento, ficou pequeno, apertado. A mãe do menino passava reclamando: “ Esse cachorro solta pêlos por todo o lado!”. Ou, “ Menino, leva o cachorro para passear!” “Se continuar assim, mando esse cachorro embora!”
E os visinhos? “Esse cachorro não para de latir!”, ou “Eu vou contar pro síndico!”... Roy não sabia quem era esse tal de síndico, nem que a mãe do menino tinha um pouco de razão. Cachorros grandes não combinam com apartamentos pequenos.
O menino cuidava bem dele e os dois se gostavam muito. Só as reclamações que não paravam. Foram tantas que o menino acabou tendo que levar Roy para morar num abrigo... Aos se despedirem eles sabiam que nunca mais se veriam, mas isso não fez com que ficassem tristes, pois os dois eram muito amigos. E amigos de verdade nunca mais se separam.
A sala do abrigo era menor que o apartamento. Acreditem se quiser! Roy mal conseguia esticar as canelas. Correr solto, muito menos.
Um dia aproveitou uma porta aberta e fugiu.
No inicia sua vida ficou muito complicada, ele sempre recebia ração na hora certa, remedinho e banho. Mas, com o tempo aprendeu os truques da cidade. Dormia numa toquinha, em baixo da ponte do chafariz, ali a água era sempre fresquinha.
Café da manhã, almoço e janta? Cada dia era em um lugar: Segunda, sobras do açougue. Terça visitava a feira. Quarta, a lancheria. Quinta, o mercadinho. Sexta, Mocotó no bar. Sábado, dividia marmita com os vendedores ambulantes. Domingo era uma festa: galeto, ossos e salsichão. Roy ficava o dia plantado na porta da churrascaria.
Banho? De chuva!
Só que quando o vento era forte, assim. Como este que passou! Ele sentia uma falta danada do pastoreio, de arrebanhar a tropa e seguir viagem. Correr solto e faceiro. Então, pra não ficar chateado, Roy organizava o trânsito. Corria de um lado para o outro, latindo e ordenando. Sabia tudo de roda, pneu e de sinais.
Só uma coisa ele nunca entendeu: - Pra onde vai toda essa gente?
Será que seguem o vento?











Colar de contas
Foi, num dia, em que o sol atravessou as gotinhas que molhavam o jardim, espalhando no ar um mundão de cores...!!Isso que era paraíso, sim!!!Um imenso jardim de flores...!!!
Elin usava um chinelo de seda e um vestido de flores... E parecia até...Uma fada de Amores...!!!
No alto de uma montanha bem alta, ela morava. E fazia  colares de contas, com pequenas sementes de abóbora que juntava.
Naquele dia, quis fazer um colar de contas coloridas, com muitas sementes diferentes... De todas as formas de vida...!!!
Um saquinho de algodão ela pegou e na casa dos vizinhos foi passando pra mudar sua criação.
Seu João tinha feijão, dona Ricota: pipoca. E, assim, ela foi enchendo o saquinho, com arroz, milho, lentilha, girassol, tudo bem  miudinho...!!!
Não faltou nem alfafa.
Com tudo aquilo, ela fez um lindo colar de coloridas contas... De uma a outra ponta.O tempo foi passando, as cidades foram crescendo e as sementes, pouco a pouco,  escasseando.
Elin contava as sementes que iam sumindo... Arroz? Não dá dinheiro e... Sumia o arroz... O ano inteiro...!
Feijão? Ninguém mais gosta... Lá se foi o feijão... Trigo? Dá praga... O pãozinho desaparecia... Nem um grãozinho nas padarias...!!
No alto da montanha, ela via que faltava o laranja da abóbora, o verde do abacate, o vermelho da maçã, o azulado da berinjela, e o encarnado do tomate...!!!
 Até o amarelo do girassol...Faltava em dias de sol!!!
Preocupada, foi buscar seu saquinho e, com a ajuda dos vizinhos, criaram vários pequenos jardins coloridos... Um só faz, mas faz pouco...Muito é feito, quando todos são unidos...!!!
A idéia virou moda e todos  queriam um jardim em casa...Formando uma grande e colorida roda...!!!
Os passarinhos adoraram, as sementes se multiplicaram e o sol pintou o céu de todas as cores...Como um formoso jardim de flores...!!!
Hoje, é assim, o colar de Elin, não tem mais fim...
A bruxinha que não sabia ler.

Sneed era uma bruxinha muito esperta e querida, ela vivia num pedaço da mata atlântica brasileira, um lugar mágico e encantador, que estava sendo destruído por homens gananciosos e sem consciência.
A pequena tentava proteger a mata da destruição, fazendo encantamentos e feitiços de lua nova. Sneed não são sabia ler! Quer dizer, não sabia a linguagem daqueles homens. Só ouvia o lamento da Mãe Natureza. Via o assombro dos animaizinhos, que fugiam sem saber bem pra onde.
Os homens traziam papéis com muitas coisas escritas. Cheios de razão, ateavam fogo na mata. Jogavam veneno nos rios. Escalavravam a terra com pesadas máquinas. Largavam sementes estranhas nos sulcos. E as pobres plantas? Se não dessem o que eles queriam... Foice no pé.
Um dia estava preparando uma oferenda de lua cheia e encontrou um filhote de homem. Assustada ela se escondeu no tronco de uma grande árvore. O menino sentou pertinho dela, tinha nas mãos um livro cheio de coisas escritas e desenhadas.
Sneed tirou o chapéu, o lenço que usava no pescoço e fingiu ser uma menina. Aproximou-se dele e, como quem não queria nada, foi logo perguntando:
- O que você está fazendo?
- Lendo! – respondeu intrigado – O meu nome é Francisco, e o seu?
Ela precisava pensar rápido, um humano nunca pode saber o verdadeiro nome de uma bruxa. Lembrou da mata.
- Atlântica! – disse com firmeza.
Francisco não agüentou e desatou a rir. Logo pediu desculpas, disse que nunca tinha conhecido alguém que tivesse o nome da mata.
Sneed mostrou a ele toda a beleza e riqueza que havia bem a sua frente. Francisco leu para ela uma parte do livro que falava sobre a preservação da natureza. Os dois ficaram muito amigos. A bruxinha aprendeu a ler e descobriu que muitos homens estavam preocupados com a mata, com a vida dos animais e das águas.
Numa noite de lua crescente ela leu uma oração de um outro Francisco, que pedia proteção para os animais. Como a lua a oração cresceria no coração das pessoas.
Mas, foi numa lua minguante que a grande mágica aconteceu! Como encantamento a mata foi cercada e protegida. Francisco sorria com um papel na mão, onde tudo foi bem escrito. Sneed viu um círculo mágico de luz se formando e do papel surgiram às palavras: Reserva Nacional da Biodiversidade. E Francisco nem precisou explicar...
Hoje quem caminha pela mata fica encantado... Em qualquer lua!













A paisagem
Faia entrou pela fresta da janela, o ateliê estava uma bagunça! Havia telas por toda a parte, potes cheios de tinta. E, muito material: folhas secas, flores desidratadas, sementes, fibras naturais, tecidos.
Com agilidade percorreu as estantes, subiu na poltrona estampada com pequenas flores rosa mergulhadas no verde. O espelho refletiu sua imagem e a armação de madeira coberta com linho branco. Curiosa resolveu ver do que se tratava. Sem fazer barulho se colocou entre o objeto e a parede, mas, acabou derrubando a enorme tela no chão. Com o estrondo levou tamanho susto que acabou derramando todas as tintas...
Como se não bastasse a confusão, o vento entrou pela mesma fresta da janela... Esparramando tudo...
Faia precisava fazer alguma coisa. Pulou sobre a tela... Estava com as patas cobertas de tinta quando a maçaneta da porta girou.
- Faia!
Miau! Respondeu girando a cabeça em direção a porta..
Lilibel soltou os ombros, tinha planos para todo aquele material. O espelho refletiu o sorriso murcho dela, a parede vazia, a gatinha manchada e... A tela no chão!
A garota lavou as suas patinhas e limpou seu pêlo, o sol entrou pela fresta da janela. Os passarinhos cantavam alegrando a vida.
Com o olhar atento e a ajuda de um pincel, Lilibel aproveitou tudo. Levou muitos dias para pintar um mundo diferente, com cores por toda a parte, sementes e fibras... Pegadas, assopro de vento, sol e música de passarinhos...
O espelho refletiu o sorriso da menina, a meiguice da gatinha. A paisagem mudou e o povo gostou...




















Um conto sem fadas?
 
 
            Julieta guardou com carinho suas sapatilhas douradas. Ela acreditava que, um dia,uma bela fada sairia delas e resolveria todos os problemas do mundo...!
- As fadas se alimentam dos bons pensamentos das crianças. – Foi o que seu Antônio, o Senhor dos Sacos,  um dia, havia lhe dito - Só que as crianças de hoje, tem poucos bons pensamentos.
            Seu Antônio não tem casa... - Coitadinho! Ele dizia, e no seu mundo colorido ia juntando, um papelzinho, uma embalagem, a foto de uma bela casa, na calçada da Caixa. Ganhava um churrasquinho e contava histórias.
            Julieta falou das fadas para as crianças que brincavam de pula;r as poças formadas pela chuva.
            - Fadas não existem! - Dizia um.
            E o outro:Só nos grandes castelos, onde vivem príncipes e princesas, onde tem dragões e espadas. Ou, nas florestas,escondidas, nas flores.
            A roda pesada do ônibus atravessou a poça, jogando água e barro, para a alegria da criançada.
            Algumas mães voltavam do trabalho e pisavam, com todo o cuidado, nas ruas descalçadas, para não sujarem as botas. E, com olhos severos, recolhiam a criançada.
            -Julieta! - chamou um menino gordinho, de olhos vivos e brilhantes- Como são as fadas?
            Ela não sabia, mas precisava de uma resposta rápida.
            - As fadas... São invisíveis...!! Elas se escondem nas palavras e nos cantos dos becos... Quer ver? Fa - Vê - La - Uma fada que se esconde numa vela. Vi- La - Uma fada que Vi lá. Fa Do , um fado, que dança desengonçado.
            -Fado?
            As crianças riram das maluquices de Julieta. Passaram a procurar fadas por todos os lados. Dr. Fiodor devia ter uma fada_Para a dor. Dona Ana, uma fada bacana! Seu João, uma fada do Pão! Dr. Clemente_ uma fada que consertava os dentes...!
            As frestas das casas de madeira precisavam de fadas tecedeiras... Nos corredores_Fadas de cores...!! Imagina a rua_Toda colorida com fitas...E uma fada bonita!! E, para o banheiro  , uma fada de cheiro...!!
            A brincadeira durou a semana inteira. Escondidas, as crianças procuravam ver fadas e duendes...
            No domingo, Julieta calçou suas sapatilhas douradas.A fada adorada apareceu...No meio da calçada.!Seu Pedro sentava pedras com a ajuda de toda a vila, o beco brilhava, com as fadas encantadas...Escondidas!!! E o conto ganhou amadas fadas!As mais variadas!!
 








Aos olhos da sapa
O sapo parecia um príncipe. Pobre sapo_Tão difícil ser príncipe! Um belo e imponente cavalo branco, uma promessa de grandes feitos e beleza infinda. O problema maior  foi que o sapo acreditou nisso tudo, mais até do que a sapa, que não era nenhuma princesa de longos e lisos cabelos loiros, enfeitados com tiara de diamantes...
- A vida é só isso? – Exclamou um dia, olhando para ela.
Os olhos dela não queriam acreditar no que os ouvidos haviam escutado. O nariz sentiu um ranço... A pele, um frio glacial e a boca, um gosto de charco mofado.
Pula, pula, pula. Daqui pra lá, de lá pra cá... Numa pedra, escorrega. Noutra, tropeça. Bate cabeça, come poeira.
Quando o sapo voltou... Onde estava a sapa?
Busca daqui, busca dali. Pergunta e ninguém responde... Desce noite, sobe dia.
Que agonia!Coaxou a saparia! O charco inteiro respondeu,
Pulando de alegria,
Na maior cantoria: A sapa tá, na lagoa, lavando a pata... !!
E o sapo descobriu: O sapo não lava o pé, por que não quer... !























Um bom problema!

Linna estava com um bom problema para resolver, a semente que ganhou de Josefina estava se transformando numa bela muda de figueira. Logo, não poderia ficar no apartamento por muito tempo.
Mas? Onde plantar?
Pensou inicialmente em levar para Viamão, lá havia muitas figueiras, logo a mudinha se adaptaria bem. Mas, no pátio da casa de seus pais já existiam duas, enormes, são árvores que precisam de muito espaço, apesar de sobreviverem nas condições mais absurdas, como numa fresta, nos galhos de outras árvores, nos leitos dos rios.
Para plantar no parque precisaria de uma autorização bem complicada de conseguir. Nas calçadas e canteiros era impossível.
Resolveu colocar um anúncio no jornal: Precisa-se de alguém interessado em adotar uma muda de figueira, lembrando que a muda necessita de cuidados, espaço e, como parte da flora nativa, é protegida pelas leis ambientais, não podendo mais ser removida. Além de muita atenção e carinho... Interessados contatar...
O inusitado anúncio causou a maior polêmica, inicialmente todos riram e Linna virou motivo de chacota. Mas, aos poucos a idéia ganhou uma conotação diferente. As pessoas poderiam sim adotar plantas.
Uma semana inteira passou com Linna recebendo e-mail engraçadinhos e piadas. Ela era muito esperta, não rebateu, nem esquentou a cabeça.
Estava começando a pensar em novas alternativas quando chegou o recadinho. Oi! Linna, meu nome é Tércio, moro em uma chácara e tenho como adotar sua mudinha.
Marcaram encontro na tradicional feirinha de sábado, Linna levou a mudinha e junto com Acauã esperaram pelo novo amigo. Tércio chegou na hora combinada, era calmo e bem humorado. Conhecia tudo sobre plantas, ervas medicinais, cultivo orgânico. Conversaram, trocaram experiências e endereços.
Tércio convidou o casal para visitá-lo, Linna e Acauã estavam ocupadíssimos e não puderam aceitar ao convite. Mas, deixaram tudo combinado para um outro dia.
Linna ficou um pouco triste em se separar da mudinha, mas, era preciso. Quem planta uma árvore tem que pensar no futuro, no seu desenvolvimento, na alteração que vai trazer ao local em que foi plantada. Assim, como quem adota um cãozinho, um gatinho. Qualquer ser vivo.















A mudança de Pi-ju
Tum! Tum! Tum...
Pi-ju observava atento: o machado, a serra, o sal. - O que será que a Guabiju fez?- pensava. Seu pequeno ninho tombou antes da árvore... O sal era para que nem um broto renascesse, nem um sinal, mataria as raízes e esterilizaria o solo.
Não tinha mais o que fazer, os boatos eram de que todas as outras arvores seriam derrubadas com o tempo. No lugar delas os homens plantariam tijolos, cimento e pedras. Os passarinhos deles morariam em enormes gaiolas, ou seriam belamente esculpidos em madeira, ou gesso.
Ygua-pi-ju seu nome significava fruto-da-casca-rija, a comida predileta de Pi-ju e toda a sua família. – O que tá feito, tá feito... Disse uma aranha que morava no tronco da árvore. – Dizem que há um sítio, onde as aranhas tecem teias e os pássaros voam livres, as árvores crescem e a água brilha... O solo é fértil e a gente humana.
A aranha ficaria por ali mesmo. Mas, Pi-ju resolveu arriscar, seguiu um ponto longínquo de luz, em poucos minutos chegaria ao Sítio de Tércio. 
Pi- ju voava, rápido, e sabia exatamente o caminho que deveria seguir;  o ponto de luz estava cada vez mais próximo.
- Temos: galinha feliz, ovos frescos, leite puro, mel de abelha, própolis natural, queijo de cabra! – Informava a placa.
Pi-ju pousou,em uma goiabeira.Estava cansado e com fome...!!O aroma adocicado dos frutos maduros convidava para um “lanchinho”! Enquanto comia, avistou uma enorme guabiju, com muitos pássaros pousados, em seus troncos e ramos. As sementes da árvore cobriam o solo,formando um espesso tapete.
-Olá! – Disse, encabulado – Este é o Sítio do Tércio?
- Não! – Respondeu um Bem-te-vi – Aqui é uma granja..Este sítio, que você fala, fica na beira da Lagoa dos Patos.
- Lagoa dos Patos?! O que é isso??
- Uma grande aguada que fica naquela direção. Aquele pontinho brilhante é a luz do sol refletida na lagoa. Mas, porque você quer ir para lá?
- Eu morava na cidade, no pátio de uma casa, que tinha uma guabiju, bem novinha, e  muito linda...!Mas os homens derrubaram a  minha árvore e a aranha me contou que existe um lugar...
- ... Onde as aranhas tecem teias e os pássaros voam livres, as árvores crescem e a água brilha., o solo é fértil e a gente, mais  humana?
- Isso! – respondeu alegremente – Você já esteve lá?
- Não... Eu não acredito nisso!
O sol começava a baixar..!!!Pi-ju precisava completar sua jornada; não queria perder o ponto que o estava guiando... A resposta amargurada do bem-te-vi não tirou sua energia. Com um salto preciso, retornou ao céu aberto.
Bem vindo ao Sítio do Tércio!
Pi-ju estufou o peito de alegria, saudou a todos, com um magnífico trinado. Aparentemente,era apenas mais um lugar com árvores, plantações, gado, ovelha, galinhas, uma casinha com chaminé e antena... Galpões e tratores..Voou até o alpendre e observou o homem que chegava, trazendo uma pequena muda de figueira.Usava calças jeans claras, alpargatas e camiseta. Assoviava uma melodia que lembrava um trinadinho alegre e curto..De dentro da casa, saiu uma mulher de cabelos presos e abrigo esportivo. Pela porta, sentiu um perfume convidativo, com cuidado, entrou pela janela e descobriu uma enorme torta de amores sobre o balcão...!!Estava quase lá, quando alguém acendeu uma luz muito forte e perguntou: - Tem alguém aí?
Fluxo de energia
Pi-ju bateu, com força, a cabeça, contra a porta do armário...Caindo, já desmaiado.
- Pai!! Tem um passarinho quase morto aqui, corre...
Tércio e Eudora correram para a cozinha. Melissa estava com Pi-ju desmaiado, em sua pequena mão. Júnior também correu para a cozinha, jogou um pouco de água na cabeça do passarinho, que logo despertou.
Pi-ju acordou tonto; a luz ofuscava seus olhos, a imagem da família parecia trêmula e ameaçadora! Tércio pegou-o, com muito cuidado.
- Um cardealzinho! – exclamou olhando bem para ele. Perdido, meu  amiguinho?
- Que lindo! Posso ficar com ele? – indagou Melissa.
- Cardeais não gostam do cativeiro – respondeu, carinhosamente, Eudora – Mas, acho que, hoje, ele vai ter que dormir aqui...
- Fraco assim, vira uma presa fácil – completou Tércio, colocando o cardeal numa gaiola desativada. Júnior providenciou água e comida para o hóspede.
Pi-ju não entendeu nada, lembrou da aranha e do bem-te-vi. Passou uma noite muito triste, enjaulado...!! As sementes que lhe ofereceram eram gostosas e a água limpinha; aproveitou para restabelecer suas forças.
Com a chegada do sol, a alegria tomou conta dele, novamente, soltou seu canto, como nunca... Tércio apareceu de pijamas, olhos esbugalhados e sem entender nada.
- Calma! Não são seis horas ainda... Domingo, todo mundo dorme até mais tarde.
Pi-ju conseguiu o que queria. Tércio levou a gaiola até a janela da cozinha e abriu a pequena porta. A liberdade esperava por ele, mas  Pi-ju não saiu, imediatamente.
Melissa apareceu carregando um gato de pelúcia pelo rabo.
- Pai! Que passarinho barulhento – Eu tô com fome!
- Aham! Vou colocar água para fazer café... Você põe a mesa... Por que será que ele ainda não saiu?
- Acho que ele quer um pedaço de torta - disse a menina, colocando uma migalha  pela grade da gaiola.- Viu?
Pi-ju bicou, com cuidado, a iguaria oferecida por Melissa; ainda não tinha voado, pois não queria parecer mal agradecido. Cardeais são muito orgulhosos. Estufou o peito e agradeceu, com uma cantoria que acordou a lagoa inteira... Só Junior continuou dormindo; tinha voltado da festa, no meio da noite, e nada abalaria seu sono.
 Eudora preferia suco no desjejum.
Depois da cantoria, Pi-ju fez um voou de reconhecimento. O sítio existia e o ponto iluminado também! Estava muito feliz!
Tércio sorriu. Agora, Piju poderia comer suas sementes e continuar o ciclo vital,  tão necessário para a preservação da Vida.Na natureza, tudo se permutava e se perpetuava, em perfeita harmonia. Tércio também estava feliz. Linna e Acauã chegaram, um pouco antes do meio dia. Júnior foi buscá-los na parada do ônibus. Eles tinham adorado receber o convite para auxiliar no plantio da figueira. Em pleno outono, fazia um domingo, de muito calor.
Eudora preparava espaguete caseiro, saladas variadas e um molho todo especial, receita de família, enquanto isso, Tércio jogava dominó com Melissa.
- Que lugar! – Exclamou Acauã.
- Olá! – disse Tércio – Sejam bem vindos... !!!Está é minha esposa, Eudora. E, essa é Melissa, nossa caçulinha.
- Muito prazer! –responderam os dois, ao mesmo tempo.
Acauã trouxe “tijolinhos” de banana, um doce produzido em Maquiné e amplamente comercializado. Seu município tinha sido duramente castigado, no último vendaval. Mas, aos poucos, a vida estava normalizando.
- Estes doces parecem as pedras de dominó... – comentou Melissa. Vocês nem sabem o que aconteceu aqui em casa...!! Ontem , um passarinho entrou na cozinha, bateu a cabeça e acabou desmaiando... !
- Pobrezinho! – disse Linna – E ele ficou bem?
- Ficou ótimo! Tirou todo mundo da cama, de madrugada, cantando como um louco...!
O almoço foi muito tranqüilo; Linna e Acauã se deram muito bem, com todo mundo. Assim como Pi-ju, que passou a manhã inteira batendo papo...!!
Mais, á tardinha, escolheram uma bela coxilha, para plantar a mudinha. O outono era uma época muito boa para plantar. Pi-ju acompanhou toda a movimentação.
- Linna- disse baixinho – Aqui! Na árvore...
-Oi! – respondeu afastando-se um pouco dos amigos. Você é o passarinho que entrou na cozinha? Como você se chama?
- Pi-ju! – Porque vocês estão plantando essa árvore? Ela é especial?
- Sim! Eu ganhei a semente de uma amiga muito querida que já faleceu, Josefina.
- Eu morava em uma guabiju, mas  foi derrubada. Por isso, vim morar aqui. Todos dizem que este é um lugar mágico. Mas eu ainda sinto falta de casa...!!
- Eu sinto falta de minha amiga Josefina, mas, ela já tinha mais de cem anos; sua hora chegou. Na natureza, é assim.
- Mas olha lá !!– disse o passarinho apontando para um montinho no chão. – Aquele montinho é o resto do corpo de uma lebre... Algum cachorro do mato comeu só um pedacinho...!!Isso não é certo.
- A gente fica com pena da lebre, mas toda a energia de seu corpo será aproveitada.Além do cachorro, os urubus vão se alimentar, depois as larvas, assim por diante, sucessivamente. A sua guabiju, também, vai ser decomposta, fertilizando o solo, doando energia, para que uma nova vegetação nasça e  sirva de alimento para outras lebres, ou insetos. Ou sua madeira será utilizada para fazer papel, servir de combustível... Nada se perde. A energia se transforma, desde sempre.
- Aqui é um lugar legal para morar!- disse Pi-ju com convicção.- A lagoa é uma das imagens mais belas que eu já vi!
- É realmente muito linda! – Você canta muito bem Pi-ju; acho que logo você terá muitos amigos, aqui...!
- Eu já escolhi uma namorada e um bom lugar para montar um ninho... Você me ajudaria a plantar uma semente de guabiju?
- Claro! – Só que precisamos falar com  o Tércio. Pois, não adianta plantar, em um lugar que ela não possa crescer.
- Não! Aqui, já existem muitas... Eu queria que fosse na cidade.
- Na cidade! É mais complicado...!!! Mas, posso levar a semente e ver se consigo alguém que tenha um bom pátio. Mas, por que na cidade?
- Por que senão, um dia, as cidades vão acabar ficando sem energia boa...
Pi-ju tinha razão, Linna coletou algumas sementes no chão. A energia que mais fluía na cidade era de dejetos...Uma coisa para ser pensada...
A figueira teria muito espaço para se desenvolver, Pi-ju, uma longa e divertida vida, afinal, a magia da natureza acontecia silenciosamente; um fluxo constante de energia, que Linna identificou, no brilho da lua que aparecia no horizonte...







































Onc e Amigos

Litoral

A turma de Linna Franco estava super contente, a semana do meio ambiente foi um sucesso. Durante as atividades muita coisa aconteceu, as pessoas pareciam mais engajadas do que nos anos anteriores.
Eles participaram de fóruns, atividades artísticas, exposições. Sentiam que a realidade estava mudando. Os resultados eram pequenos, mas significativos. Se cada um cuidasse do seu quintal as coisas melhorariam muito.
O primeiro semestre estava quase no fim, Linna foi escalada para cobrir atividades de pesquisa sobre a preservação da vida nos mares, a rádio universitária transmitiria as palestras ao vivo. Os pesquisadores estavam preocupados com a pesca predatória, as mudanças climáticas, a qualidade da água, entre tantos outros assuntos.
Ela convidou Acauã, Gi e Muray para participarem do encontro. Oscar, Janete e Tadeu já estavam no litoral, eles tinham uma pequena casa de veraneio e ofereceram pouso para os amigos. O que foi ótimo, assim os custos da jornada diminuiriam muito.
Quando a turma chegou o mar estava revolto e barulhento, havia um vento forte e estava muito frio... Foram direto para o Centro de Convenções onde algumas pessoas já esperavam o início das atividades.
Linna e Acauã montavam o transmissor quando ouviram um barulhinho repetitivo
- Onc, Onc!!!!
- Que barulho é esse?- perguntou Linna.
- Deve ser o rádio. – comentou Acauã, apertando as bochechas da namorada.
- Não, eu ainda não liguei nada - respondeu ela.
- Onc, onc... Linna, aqui... Olha pra cá!
Os dois se entreolharam, não havia ninguém na sala. O que estaria acontecendo?
Linna olhou para o chão e viu um par de olhos negros e assustados. Aproximou-se um pouco para olhar melhor, quando ouviu:
- Olá! Meu nome é Onc.
- Olá. Como vai?- perguntou Acauã
- Bem, só que esta manhã eu desafinei... Durante a sinfonia da Aurora. Sr. Tempo zangou-se comigo. Agora preciso de seu microfone para explicar o que aconteceu aos seres da Grande Praia do Sul.
- Calma! -disse Linna- Só falta ligar o plug na tomada...
- Não, não faça isso! Espera!
- Ok! Eu espero - disse Linna.
- Acontece que ao ligar o plug você estará simultaneamente ativando a cafeteira da Fortaleza... Eis que, o Sr. tempo me concedeu o espaço entre a água ferver e a última gota de café pingar no bule... Para que eu ajeite tudo, leia sua mensagem e ainda explique a causa da grande interferência no sistema mundial de comunicação das baleias: um resfriado.
- Entendo - disse Linna - Como podemos ajudar?
- Respirem! Liguem o plug e vamos juntos entrar na próxima corrente oceânica. Eu estou pronta.
- Nós também!- responderam ao mesmo tempo Linna e Acauã.
Linna conectou o plug a tomada. Um barulho indicava que a água começava a esquentar.
A foquinha Onc, usando o microfone da Rádio Universitária, deu o seu recado:
- Bom dia queridos amigos! Aqui foca Onc informando que os problemas ocorridos durante a Aurora já foram solucionados... Tudo não passou de um pequeno resfriado. Direto da Grande Praia do Sul para o Mundo dos Mares, um comunicado urgente de Sr. Tempo – Onc preparou a voz e mandou ver: "O dia de hoje reunirá seres humanos de vários países discutindo os problemas dos Mares. O evento acontecerá na Grande Praia do Sul, entre Torres e Rio Grande. Peço a todos que mantenham a atenção. Estarei enviando Linna Franco e Acauã para ouvirem suas propostas.
Como o meu café foi retardado pelo incidente desta manhã, informo que os canais de deslocamento só estarão abertos pelo espaço de tempo, que fica: entre a água da cafeteira ferver e a última gota de café cair no bule. Após isso, cada ser estará eternamente preso, no lugar em que estiver. A menos que eu mude de idéia...
Quem sabe, Sr. Tempo!"
- Ufa! - exclamou Onc.
Ao disser estas palavras uma corrente elétrica puxou os três para dentro do fio do microfone. Com a velocidade do som eles desembarcaram no meio do oceano.
Tadeu, Gi e Muray aguardavam por eles perplexos. Josefina sentada ao lado de Netuno comenta as reportagens do último número da revista Magazine dos Mares. Princesa Li impaciente pedia ordem.
- Amigos! Temos que trabalhar, a água na Fortaleza já começa a aquecer. - Disse Li- Como as águas do mundo.
- Atingindo até as Geleiras - interrompeu Netuno.
- Vai sobrar... – deixou escapar Linna - por acaso seria tudo culpa da Humanidade? - seu tom de voz diminuiu num misto de vergonha e culpa.
- Tudo é exagero, mas grande parte. – respondeu o Deus dos Mares.
- Onde estamos? – perguntou Acauã.
- No Conselho dos Anciãos – respondeu Josefina- Na seccional do mar.
- O mesmo Conselho do Caso Araucária? – perguntou Linna.
- Sim é o mesmo – explicou Josefina – O objetivo do conselho é buscar soluções, ajudar a melhorar o planeta.
- E essa história da água?- perguntou Onc.
- Não se preocupem, é só mais uma metáfora do Sr. Tempo, logo ele estará aqui. – Explicou Netuno.- Nós queríamos que vocês pensassem um pouco sobre o aquecimento global.
Linna olhou ao seu redor: o fundo do mar estava verde claro, lembrando o topo da Grande Araucária. Uma melodia suave harmonizava o ambiente. Gi e Tadeu estavam a vontade, Muray parecia completamente perdida, era a primeira vez que participava deste tipo de experiência, sua forte ligação com a ciência impedia que ela aceitasse o que estava acontecendo.
- Linna, isso é um sonho?- perguntava ela.
- Não. - respondeu Linna – È verdade.
- Como nós viemos parar aqui? Caminhávamos pela beira da praia e fomos puxados para dentro do mar, numa velocidade impressionante.
- Vocês viajaram nas ondas do rádio.- Comentou Netuno – Precisávamos de vocês com rapidez. Mas, vamos começar! Li tem razão há muita coisa a ser resolvida.
Sr. Tempo chegou usando sua característica roupa de pirata misturada com herói farrapo, veio acompanhado do pelicano Solito e do Bugio Faroleiro. Aos poucos o Conselho ia sendo formado, chegaram: O Cacique Tibiriçá, a Grande Araucária, a Gralha Azul, Hydra, Gabi e Briel, Dora e Luca e todos os interessados nas questões da natureza.
Faroleiro, só por gozação, trazia um pequeno bule com café. O delicioso aroma invadiu o lugar. Como as questões a serem levantadas diziam respeito a vida no mar Netuno presidiria a reunião. Foram convocados para transmitir os acontecimentos: Acauã, a Ave que ataca serpente; Linna Franco, a força branca; Gi, a força dos lanceiros negros; Tadeu, o jovem guerreiro Tamoio e Muray, a filha da deusa ciência.
Sr. Tempo foi convidado a explicar sua metáfora.
- Primeiro eu gostaria de dizer que não fiquei zangado com Onc, ela sabe disso. Agora o bilhete tinha a intenção de fazer com que todos pensassem sobre o que pode vir a acontecer com as águas do planeta e principalmente o que cada um pode fazer para ajudar. Durante a semana do meio ambiente, em Viamão, participei de um debate aberto na praça, em que grupos de artes dramáticas.2 apresentavam reflexões e soluções para os problemas que o planeta vem enfrentando nos dias de hoje, os que poderá enfrentar no futuro; bem como aqueles que enfrentou no passado e que continuam os mesmos.
O aquecimento global é uma realidade que as pessoas devem levar muito a sério, a vida no planeta está mudando, com uma rapidez maior do que a ciência esperava. Basta saber como vamos agir. Que medidas podemos tomar?
Na cafeteira a água aquece, entra em ebulição, sobe por uma tubulação e cai onde nós queremos. Transformada em café. Há uma mente manipulando os fatos para que ocorram como nós queremos. Bem, a mesma coisa está acontecendo as águas do planeta, só que de uma forma descontrolada. Resta saber, deve o homem tentar controlar, ou deve deixar a natureza sozinha curar as feridas provocadas por nós? Uma coisa é muito certa se ajudarmos, não agredindo mais o planeta, boa parte dos problemas termina.
- Muito bem Sr. Tempo- disse Netuno.
A assembléia reagiu com silêncio, não eram palavras para serem aplaudidas, mas entendidas.
Todos se manifestaram e debateram as questões durante muito tempo e com toda a cautela necessária. Gi ficou encarregada de elaborar um Tratado sobre os Mares, o Ar, a Terra e o Invisível. Bem diferente da visão comercial e econômica dos tratados precedentes. Nos quais os homens “fatiavam” direitos sobre seres, extensões de terra e rotas de navegação. Esquecendo os deveres, as responsabilidades e as conseqüências.
Estava lançado o desafio... O tratado tinha que ser escrito por muitas mãos, iluminado por uma conexão espiritual.
















Tratado sobre as Águas, o Ar, a Terra e o Invisível.3
Viamão, 26/07/2007
GI
Este tratado surgiu durante a Assembléia do Conselho dos Anciões. Ficou decidido que todos os seres podem opinar e mesmo divergir. Participe!
As mudanças climáticas em nosso planeta estão afetando a vida de todos os seres. Uma nova consciência das relações entre os seres e o planeta precisa ser construída. Você está convidado a participar ativamente deste novo prisma.
O invisível é aquilo que ainda não percebemos. Terra, água e ar são a nossa casa. Não percebemos os golpes que diariamente estamos dando, em nossa própria casa. Sujando vertentes, contaminando o ar, exaurindo a terra.
Feche os olhos e sinta o aroma da sua casa, toque as paredes, beba a água limpa, respire este ar tão puro. Pense no futuro, projete um lugar melhor e use as forças do universo para que ele se materialize. Tornando visível o invisível.
Muray
Queridos amigos, é importante registrar que tomamos conhecimento de um documento bem mais antigo e de vital importância e sabedoria: A Carta da Terra. Documento este de fácil compreensão e amplamente divulgado. Somamos nossa humilde colaboração. Objetivos, desafios, princípios. “Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.” Carta da Terra.4
Acauã
A Carta da Terra contém palavras para guardar no coração. Lembro bem do que senti em um dia especial: “O silêncio imperou entre eles. Ao fundo o som da mata, no horizonte uma parte dos mistérios de nossa existência. Linna, Muray e todo o grupo compreenderam enfim a profundidade da afirmação de Acauã: “- Nós Existimos!”. Estávamos no alto do morro em Maquiné, junto a Grande Araucária. O sol se punha e o Cometa McNaught apareceu com um ponto brilhante no horizonte. Senti uma vibração maior do que nunca, tudo passou a fazer sentido. Cada um de nós merece estar aqui tanto quanto aquele ponto magnífico no céu. Cada joaninha, cada folha, cada “Grão da Imagem”5O homem sabe disso, mas as vezes prefere não saber.
Onc
O Grão da imagem? Como se tudo fosse uma única coisa?
Será que entendi? Que imagem será essa?
Essa foquinha, preta, gordinha, desafinada, de olhos pretos e bigode... Existe sozinha ou é parte de alguma paisagem? Essa agora?
Josefina
Eu sintetizaria a Carta da Terra com uma palavra: Amor. Para mim é o que permeia todas as intenções. Amor à vida, a natureza, a família, a paz. Como atingir todas as intenções é que é a questão.
Cacique Tibiriçá
“Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.”6 Cada ação dos seres interferem na vida, nas relações e no futuro.
Se em algum momento você sentir vontade de parar, pare! Pense, repense e só então continue. Pois assim você agirá com mais sabedoria, com mais consciência da beleza que é viver. Você compreenderá que você é o pão que come. Você é o chão que pisa. O cão que acaricia. O amigo que abraça. O filho que ama. Você é a Terra.

Grande Araucária
“A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única.”7 Eu acredito na capacidade de renovação do planeta, na bondade do coração dos homens. ( Você não está emocionados em poder ouvir a voz melodiosa da Grande Araucária?)
Linna Franco
1.Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
2.Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.8
Um sábio identificou nestas duas intenções um resumo do que podemos querer para nosso planeta: respeitar, amar compreender. Muitas outras coisas poderiam ser dita













Cartinha da Terra
Querida e amada Mãe Natureza!
Meu nome é Onc. Eu sou uma foquinha gordinha, de olhos pretos e bigodinho, moro nos mares do sul e de vezes em quando desafino... Mas, meus amigos nem sem importam mais com isso.
Bem, fui convidada a contar uma história no dia 12 de outubro.- Para quem ainda não sabe este é o dia das crianças. Pensando nisso resolvi contar em poucas palavras a história da Carta da Terra. Por que é muito legal!!
Esta é uma carta que foi escrita por várias pessoas do mundo. Com a idéia de pensar sobre o futuro. Tipo assim: o que vai acontecer quando a gente for grande. Esse tipo de coisa que ouvimos toda hora. – O que você quer ser quando crescer? – Onde você quer morar? – Quais são os seus sonhos??
Fala sério!!!
Meu sonho é ser grande, em primeiro lugar. Segundo morar num mar bem limpinho. Terceiro ter um monte de foquinhas desafinadas e ter muito peixes para comer. Além de comparar um CD com todos os sons dos mares e um acústico da Mata Atlântica. Livros ilustrados sobre a vida no planeta... E uma cópia da Carta da Terra, tridimensional, ampliada, com fichinhas coloridas contendo as frases mais importantes. ( +_ dá pra melhorar).
A mais legal, é uma parada assim: “A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única.”9
Que será que isso significa???
Eu fico pensando aqui com meus bigodes, esses humanos não batem bem da cabeça. Não é mesmo?
Depois vem um lance tipo: Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.10
Vem cá, querida mãe natureza, precisava uma carta para isso?
Deixa eu ver se entendi? A Terra é nossa casa, nós somos todos irmãos, apesar de nossas diferenças. Devemos cuidar dela, com respeito, amor e compaixão.
Legal!!! Depois vem uma parte importantíssima. Como fazer isso? Mas, essa é uma outra história.
O mais maneiro é que tem uma galera pensando nisso e principalmente fazendo alguma coisa para melhor a saúde da Terra. Logo a saúde de toda a “comunidade de vida única”.
Por enquanto é só Mãe Natureza Um beijão
02/08/2007 Praia Grande do Sul.
Foquinha Onc,

















A Descoberta de Onc

A foquinha Onc fazia seu tradicional passeio pela encosta da Praia Grande do Sul, quando viu uma menina na beira da praia. Ela parecia apreensiva e tinha nas mãos uma garrafinha colorida.
Onc aproximou-se, fez piruetas, e nada da menina olhar para ela, de tão concentrada que estava!! O vento soprava forte. Onc ouviu uma parte do que a menina dizia: “-Querida e amada Mãe Natureza... cartinha muito legal!! . Devemos cuidar dela... Obrigada!!!”
Ela juntou as palmas das mãos, inclinou levemente a cabeça e depois de sussurrar algumas palavras, jogou o objeto no meio do mar. Virou-se e foi embora.
Onc ficou possessa!!Como ela podia fazer aquilo? Parecia ser uma menina tão legal!!
Tratou de correr para apanhar o objeto antes que machucasse alguém. Apesar de ser gordinha, nadava como ninguém, e quando a garrafa estava quase chegando ao fundo do mar conseguiu pegá-la com suas nadadeiras. Ficou encantada; era colorida e cheia de gravuras: da lua, do sol, da terra, das estrelas... A tampa era transparente; Onc viu que ,dentro, havia um cartão azul! Lembrou das poucas palavras que ouviu da menina e ficou morrendo de curiosidade! O que estaria escrito no Cartão?
Onc sacudiu a garrafinha, que emitiu um som estranho, mais ou menos assim: tuc,tuc,tuc... A foquinha ficou com medo que o cartão quebrasse e colocou a garrafinha sobre uma concha, para tentar tirar a tampa. Só que estava muito bem fechada! Um caranguejo que passeava por ali perguntou o que era aquilo.
- Isso? – respondeu Onc – É... Deixe me ver? Uma nave jogada no mar por uma menina de cabelos longos, a pele e os olhos azuis e muito falante.
- E o que tem dentro?- perguntou o caranguejo.
- Acho que é uma mensagem intergaláctica. – respondeu - Já que na nave estão símbolos do universo.
- Deixe-me dar uma examinada.- falou, tirando, de dentro do bolso, uma pequena lente de aumento.
O caranguejo ficou um tempão observando, medindo e até provando. Depois disse:
- Com certeza, é uma nave e deve ser levada até a Fortaleza do Farol de Itapuã, para o pelicano Solito. Ele é o único que pode desvendar este mistério.
- O Pelicano Solito? Itapuã? Mas, como eu vou ir até lá?
- As Tainhas conhecem bem o caminho. Seguidamente, navegam por aquelas águas. Posso pedir a ajuda de Tai.
- Tainhas?
- Onc! Tai é uma tainha muito especial.
- Ok! –Respondeu Onc.
O caranguejo disse que ela deveria levar a nave até a praia de Rio Grande. Chegando lá,encontraria Tai. Ele mandaria um recado pelo sistema de comunicação das baleias, que era infalível, informando a importância da descoberta científica.
Onc estava orgulhosa; tinha recebido uma missão especial .
Chegou na praia de Rio Grande no meio da tarde. O porto estava agitado; eram peixes indo e vindo, grandes concentrações de cardumes...Um falatório danado que enchia os ouvidos de Onc, que quase ficava estonteada com tantos falares. Navios do mundo inteiro ancorando, partindo, encalhando.
Tai avistou-a de longe, já sabia do grande acontecimento e foi logo partindo com ela para a lagoa. Onc ficou maravilhada de ver a tainha; era enorme e reluzente, onde passava chamava a atenção.
- Teremos que ser ágeis. – Disse ela - O Caranguejo quer que cheguemos antes do entardecer, já que Solito é muito ocupado. As baleias espalharam a notícia, e todo o mundo já sabe.
- Todo o mundo? – disse Onc - Mas, e se for só uma brincadeira daquela menina?
- Bom. Isso não é com a gente.- respondeu Tai - Nossa missão é só levar a nave. Só que não sei como você vai reagir,nadando em água doce.
- Água doce?
- A lagoa é água doce. Uma água diferente da água salgada do mar. Algumas partes são misturadas, por isso, nós, tainhas, usamos esta rota. Mas, nunca vi focas por lá.
- E é muito longe?- perguntou Onc.
- Não muito. Para falar a verdade, já estamos entrando no canal.
As duas nadavam muito bem e, em pouco tempo, avistaram o Farol. A rota utilizada pela tainha era perfeita: profunda e sem perigo.
O sol refletindo na água da lagoa deixava tudo dourado!!! Um verdadeiro espetáculo para os olhos curiosos de Onc...!!!
O pelicano Solito aguardava a chegada delas, em frente ao Farol de Itapuã. Onc e Tai foram muito bem recebidas. Princesa Li, a libélula artista plástica e autoridade da Fortaleza, esperava por eles, junto com o Bugio Faroleiro. Sr. Tempo, o pirata morador da fortaleza e maestro dos sons universais, infelizmente, estava viajando.
Assim que chegaram, Onc passou a nave para as mãos do bugio Faroleiro, para ver se ele conseguia abrir. O Sol já estava quase se pondo. Faroleiro observou bem e disse;
- Tratasse de uma embalagem de café solúvel. Basta girar a tampa no sentido anti-horário.
- Então? Você consegue? – Perguntou agoniada Onc.
- Mas, é claro. – respondeu.- Só que já vou informando que não deve ser nenhuma nave...
O bugio girou a tampa vagarosamente e com cuidado. Tum! Estava aberta a nave. Ele retirou o cartão, que era uma belíssima foto do Planeta Terra em formato de coração.
- Deixe-me ver.- solicitou Solito.
Todos os animais e plantas da reserva ecológica fizeram silêncio. O pelicano pegou o cartão e leu: Carta da Terra. O mundo assina embaixo!
- Uma versão da famosa Carta da Terra! – exclamou ele. - Este é um documento muito importante, é um tratado, escrito por muitas pessoas.!!Tem por objetivo melhorar a vida no planeta. E o fato dessa carta ter vindo parar entre nós já é um sinal de que as coisas vão melhorar...!!
- Nossa!!!Então é mesmo uma mensagem intergaláctica? – perguntou Onc.
- Vamos abrir e descobrir. –disse ele, com muita cerimônia.
Solito colocou a carta sobre o granito rosa. Os últimos raios de sol tingiram as nuvens do céu. Ele abriu cautelosamente o cartão e leu:
- Esta é uma cópia especial da Carta da Terra, foi enviada em um envelope transparente e com selo de devolução. Ao recebê-la, remova o selo e deposite novamente na embalagem, fechando cuidadosamente.
A carta continha todos os princípios e intenções do mundo para com o planeta. Depois de ler atenciosamente para todos, Solito seguiu as instruções.
A noite caia. O Pelicano removeu o selo e colocou novamente na garrafa, fechando com cuidado e delicadeza.
O selo girou dentro da embalagem e uma luz iluminou a garrafa. A noite escura foi tomada pelas figuras desenhadas: Sol, Lua, Terra, Estrelas, Galáxias, Cometas.
- O universo! – declarou Solito.
Sr. Tempo chegou bem na hora.
- Que honra!- exclamou- A Voz do Universo veio nos visitar.
Onc não conteve as lágrimas...!! Abraçada a Tai chorava e soluçava. Solito permaneceu encantado. Sr. Tempo parou para ouvir, todos estavam deslumbrados diante da magnitude do evento.
- Minha filha Terra, matéria de minha matéria, agradece ao mundo a bela mensagem recebida. Sabendo que dias melhores virão, para a sua Comunidade de Vida Única. Como é ainda uma menina, pediu-me que respondesse. Peço em seu nome que tudo o que foi escrito seja cumprido e que uma nova etapa de vida inicie no planeta. Com paz, harmonia e respeito. O Universo.
A luz do farol acendeu, iluminando a noite e todos notaram que tudo já estava lá: o céu estava repleto de vida.
Boa Noite!
Viamão, Farol de Itapuã
Foquinha Onc.



















A Água, o Ar, a Terra e o Invisível.( 2ª Versão)
Viamão, 26/07/2007

Esta reflexão surgiu durante a Assembléia do Conselho dos Anciões da turma de Linna Franco. Ficou decidido que todos os seres podem opinar e mesmo divergir. Participe!
As mudanças climáticas em nosso planeta estão afetando a vida de todos os seres. Uma nova consciência das relações entre os seres e o planeta precisa ser construída. Você está convidado a participar ativamente deste novo prisma.
O invisível é aquilo que ainda não percebemos. Terra, água e ar são a nossa casa. Não percebemos os golpes que diariamente estamos dando, em nossa própria casa. Sujando vertentes, contaminando o ar, exaurindo a terra.
Feche os olhos e sinta o aroma da sua casa, toque as paredes, beba a água limpa, respire este ar tão puro. Pense no futuro, projete um lugar melhor e use as forças do universo para que ele se materialize. Tornando visível o invisível, transformando suas ações.
Enquanto este texto estava sendo construído recebemos de um amigo um presente: A Carta da Terra. Documento de fácil compreensão e amplamente divulgado. Usaremos pequenos fragmentos para nortear esta reflexão:
“Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.” Carta da Terra.11
A Carta da Terra contém palavras para guardar no coração. Cada joaninha, cada folha, cada “Grão da Imagem”12 merecem estar aqui. As pessoas sabem disso, mas às vezes preferem não saber.
O Grão da imagem? Como se tudo fosse uma única coisa? Será que entendi? Que imagem será essa? Nós somos partes de alguma paisagem?
“Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.”13
Um sábio identificou nestas duas intenções um resumo do que podemos querer para nosso planeta: respeitar, amar, compreender.
“Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.”14
Se em algum momento você sentir vontade de parar, pare! Pense, repense e só então continue. Pois assim você agirá com mais sabedoria, com mais consciência da beleza que é viver. Você compreenderá que você é o pão que come. Você é o chão que pisa. O cão que acaricia. O amigo que abraça. O filho que ama. Você é a Terra.
“A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única.”15 Eu acredito na capacidade de renovação do planeta e na bondade do coração dos homens.

O chamado
A foquinha Onc recebeu, uma mensagem muito desoladora: em algum lugar gélido do planeta, seres humanos, vestindo grifes da moda, sorriam e exibiam  cadáveres de focas...Como troféus!! Apareciam, contando os corpos enfileirados, golpeando os animaizinhos com arpão e tinham, no olhar, uma satisfação difícil de entender...!!
Linna estava no estúdio, trabalhando, com Bel, no episodio do programa, em que falariam sobre a Lente de Cristal. A mensagem de Onc tinha deixado todos  preocupados...!!
A foquinha perguntava o que era um troféu, para que servia e o que era prazer. Linna não sabia o que responder... Como explicar, para Onc, o prazer que alguns homens sentiam em matar por pura diversão?? O prazer que sentiam em competir, destruindo a vida, subjugando outros seres??
Linna respondeu a Onc que estava com vergonha e triste..!!. Sabia que aquilo era errado e precisava ser combatido. Troféu era o sinal visível de uma vitória, o conjunto dos despojos do inimigo derrotado, o corpo morto das focas simbolizava que aqueles homens haviam vencido uma triste e totalmente desequilibrada batalha...De crueldade. O olhar desesperado dos bichinhos mostrava a face má do homem.
O sangue misturado à neve atingiu o coração da Terra. Mãe Natureza vestiu luto, incendiando plantações, o mar se revoltou destruindo encostas. O planeta chorou. As baleias espalharam a notícia pelos mares, as aves varreram o céu entoando um triste cântico. O gado mugiu em lamento, as flores ofertaram suas pétalas á Terra.  As árvores secaram.
Aqueles homens tinham, nas mãos, mais um troféu. Nos lábios,  mais um sorriso. Na face, uma empáfia. Na alma, uma mancha.
Com a Lente de Cristal, Linna viu um lugar bonito, gelado, onde as focas escorregavam na neve e traziam alegria para o planeta. Focas brancas e focas pretas. Era preciso combater o espírito destrutivo da humanidade. Era preciso defender, pacificamente, o Planeta, para construir um lugar melhor. Passou uma mensagem de profundo pesar para Onc,  com uma certeza, em seu coração...De que algo ainda podia ser feito...!!Se cada pessoa do Planeta não  se esquecesse da verdade maior: Somos um, todos somos um só.
 
 




O sambaqui
 
Moema saiu de Maquiné, cedo, tinha o dia inteiro de folga. Seu irmão Acauã tomaria conta de tudo.
Resolveu levar apenas uma pequena bolsa, com o que precisava para passar o dia inteiro na praia. Ela gostava de curtir o mar fora de temporada; o sol ainda não era tão forte quanto no verão. Mas, mesmo assim, levou protetor solar e um chapéu para proteger o rosto.
Moema desceu do ônibus direto na praia. As ruas estavam quase vazias; algumas lojas abriam as portas, poucas pessoas caminhavam pelo calçadão, e, na beira da praia,não havia ninguém.
As garças tomavam conta da paisagem, com suas pernas altas e a delicadeza de seu vôo e mergulho. O som produzido pelas ondas do mar parecia mais forte, a espuma estava branquinha, branquinha...E o dia iluminado. Moema deixou os pés afundarem na areia, repleta de pequenas tatuíras. Isso é que era vida, ela pensou. Pulou e brincou com as ondas como se fosse uma criança.
Quando estendeu a esteira na beira da praia tomou um susto, Gabã, um filhotinho de gambá pulou e deu um  pequeno grito:
- Cuidado! Você não me viu?
- Desculpe-me!! – disse ela – A praia está tão vazia que não prestei atenção...!!Você fala?
- Falo! – respondeu olhando bem para a moça- Por que? Você não é a irmã de Acauã?
- Sim!- ela respondeu – Você é um dos animaizinhos da turma de Linna Franco?
- Mais ou menos – respondeu – Eu sou amigo da foquinha Onc e leio o blog. Meu avô era o grande Ulisses, o maior gambá desta região. Morava nos telhados dos chalés; cada dia em um lugar. Ele que deu o meu nome; disse que é gambá em tupi guarani.
Moema e Gabã ficaram conversando, enquanto as ondas quebravam na areia. O filhotinho disse que precisava encontrar uma casa. Havia saído a poucos dias da bolsa da mãe, um lugar quentinho e seguro que dividia com os irmãos.
- Só que agora vou ter que procurar uma casa.- disse preocupado- Os gambás vivem sozinhos até a época do acassalamento, depois cuidam dos filhotes e voltam a viver sozinhos. O problema é que quase não tem mais chalés. E, nos edifícios, não dá pra morar, o aluguel é muito caro... Agora eu pergunto: Onde nós podemos ficar?
- Longe das cidades ...– ponderou Moema.
-Alguns de nós vivem no mato. A noite passada, eu fiquei nas dunas, mas... nem te conto, a maré subiu, subiu, subiu... Sorte que acordei a tempo, a água já estava quase chegando nos meus pés... As pessoas tomaram conta de tudo... Eu tenho uma prima que mora num bueiro.
Gabã ficou falando Moema não conseguia dizer nada. O sol começou a aquecer, e ela foi buscar uma água... Enquanto isso, o  filhote ficou falando com uma garça.
- Eu já volto! disse Moema_Vocês cuidam de minha esteira?
- Pode deixar! – disse ele.
Uma tatuira veio ouvir o drama que Gabã estava contando. Ficou aliviada em morar na areia, onde ninguém era dono. A foquinha Onc fez um sinal de dentro da água. Quando ela pulava, seu corpo reluzia...!!Estava super alegre e fez uma porção de piruetas para animar os amigos. Alguns surfistas estavam entrando na água. A foquinha foi recebê-los...Curiosa. Nadou entre eles e acompanhou as manobras que faziam com atenção.
Moema voltou trazendo a água. Aos poucos, a praia começava a ficar com mais gente. Algumas pessoas  caminhando, outras pescando e outras, como ela, só aproveitando.
O filhotinho saiu conversando e bisbilhotando, queria achar um lugar legal para ficar. Era muito esperto.
Moema resolveu dar um mergulho. Assim que entrou na água, viu que  Onc nadava ao seu lado.
- Olá! – disse alegre a foquinha – Você nada muito bem para uma pessoa...!!
- Obrigada! – respondeu  ela – Só que a água está gelada! Não sei se vou agüentar muito tempo.
-É assim que eu gosto!- respondeu Onc.- Quando fica quente, eu e minhas amigas vamos  pro sul.
Moema saiu logo para se aquecer no sol. Estava sentando na esteira quando Gabã veio correndo em sua direção...Estava apavorado!!
- Moema! Você precisa ver uma coisa!
- O quê?
- Não sei! – disse ofegante - Eu estava nas dunas e,  de repente, caí em cima de uma montanha... Foi horrível...!! Vem! – Insistia ele puxando a mão da garota.
Ela acompanhou o gambazinho curiosa... As pessoas que estavam na praia não entenderam nada, olhavam para ela como se fosse de outro mundo. Seguir um gambá praia a fora..!!!Parecia coisa de louco.
O gambazinho foi, com ela,  até o topo da duna mais alta. De lá, a praia parecia distante e o mar maravilhoso.
- Que lugar lindo! Você vai morar aqui?
- Nem pensar! – disse pegando na mão da garota – Prepare-se!
Moema olhou para o ponto que ele mostrou. Sob a areia, aparecia um pequeno amontoado de conchas e no meio um crânio humano.
- Um sambaqui! – exclamou maravilhada – Gabã, você encontrou um sítio arqueológico...!!
- Sambá aqui! Tá maluca! Isso não é hora de sambar! Moema, isso é um osso de gente...!! – o filhotinho tinha os olhos arregalados e um odor forte- Deve ter algum bandido escondido por aqui.Se meu vô fosse vivo... O grande Ulisses saberia o que fazer.
- Calma! O Sambaqui era o lugar onde os antigos moradores destas terras depositavam os seus utencílios, as conchas,  as sobras de sua alimentação... Alguns eram também cemitérios...
Gabã respirou, aliviado, estava escondido nos tornozelos de Moema e espiava, enquanto ela removia, com cuidado, a areia em torno da descoberta. A garota estava maravilhada...!!Ela havia feito um longo estudo sobre a cultura dos povos indígenas moradores do litoral.
 Estava se sentindo como se tivesse ganho um presente. Precisava avisar aos seus professores...E Acauã. Mas não queria perder o lugar exato;  o vento mudava as dunas o tempo todo.
Moema viu que havia um esqueleto praticamente intacto, sedimentado entre conchas e espinhas de peixes. Lágrimas de alegria rolaram em sua face. Gabã não entendeu nada, mas  foi correndo pedir ajuda...!
Chamou a foquinha e fez com que ela procurasse os dois surfistas... Já que as outras pessoas na praia não pareciam prontas para falar com um gambá.
Onc nadou entre os dois surfistas, atrapalhando as manobras. Tentou de tudo que foi jeito uma forma de comunicação, mas eles não entendiam.
-Onc! Onc! Onc!- dizia ela apontando a praia com a barbatana.
Os dois incomodados acabaram saindo do mar. Na areia, Gabã olhou bem para eles e pegou um celular. O mais alto saiu correndo atrás do gambazinho. Todos  na praia param para olhar a cena.
Gabã só parou ao lado de Moema.
- Hei!- disse furioso para ela - Esse bichinho roubou o meu celular...!!!
- Roubou? Será que não foi você que atirou isso na areia?
- Olha o jeito que fala garota...!! Eu deixei sob a toalha, guardado...
O outro rapaz se aproximou e tratou de acalmar os dois.
- Olá, Moema!
-Guto! Esse cara é teu amigo?
- Sim, é o Tielo. Meu colega de residência no HPS.
Moema estava indignada com o jeito que ele falou do filhote. Pegou o telefone e entregou em suas mãos.
- Toma! – disse – Está intacto!
- E cheio de areia...
- Isso parece um sambaqui!  - interrompeu Guto.- Que viagem...!!! Minha mãe vai adorar...
Greta, a mãe de Guto, era uma pesquisadora. Ela dedicou seus estudos a acompanhar as mudanças na vida do planeta. Sem cerimônia, ele pegou o celular de Tielo e ligou para ela, contando a descoberta.
Em poucos minutos, a praia estava cheia. Greta informou imediatamente ao pessoal do corpo de bombeiros e a patrulha do meio ambiente sobre a descoberta. Só que pediu a todos que mantivessem a calma, já que tudo indicava que era um sítio arqueológico. Porém, seriam  necessários testes e um amplo estudo para determinar isso.
Moema e Gabã acompanharam a movimentação. O Sol estava ficando muito forte. Guto e Tielo se despediram dela e deixaram a praia; os dois tinham um plantão que iniciava às duas da tarde.
Enquanto isso, a notícia se espalhou...Já eram dez horas da manhã, e a rede de televisão queria uma tomada para o jornal do meio dia. Linna Franco estava no seu primeiro dia de estágio, como auxiliar na produção de um programa infantil. Só que todas as equipes da tevê educativa estavam ocupadas. Logo o “Poderoso Chefão” da produção do jornal não parou para  pensar duas vezes e escalou a estagiária para voar imediatamente para o litoral.
Dez e vinte da manhã, Linna embarcou num helicóptero, acompanhada de um câmera e com a missão de entrar no ar: Ao Vivo. Sentiu um frio na espinha, não se sentia preparada para tal desafio. Sabia muito pouco sobre os sambaquis e nunca tinha estado diante de uma câmera. Em poucos minutos, desembarcava na beira da praia. Quase morreu de alegria ao ver Moema...!! encontrar um rosto conhecido diminuiu muito o seu nervosismo.
- Moema! – ela disse – Que bom te encontrar...!!
- Linna! Como vocês ficaram sabendo tão rápido?
- A equipe do jornalismo entrou em contato com os bombeiros; este é  um procedimento de rotina. E eles informaram. Agora me diz: foi você que encontrou?
- Não. - respondeu ela – Foi Gãbá, este filhotinho, ele estava procurando uma casa e acabou encontrando e me avisou.
-Isso, Linna!- disse orgulhoso o gambazinho- Fui eu que achei!
- Será que as pessoas vão acreditar nisso? – perguntou Linna.
- Depende do jeito que contarmos; todo mundo, na praia, me viu correndo atrás dele. É só eu dizer que estava brincando com ele e encontramos juntos.
- Acho que fica melhor- disse ela.
Linna estava pronta, havia  conversado com Moema, com Gabã e com Greta. Os bombeiros removiam com cuidado a areia e isolavam a área. Aos poucos, a montanha começava a aparecer e, sem sombra de dúvidas, era mesmo um sambaqui. Os restos mortais de um antigo habitante do litoral apareciam entre outros objetos.
Greta falou sobre a importância da descoberta, sobre como os pesquisadores poderiam entender melhor quem eram os habitantes da praia, seus hábitos, sua alimentação. E também sobre a forma como a sociedade se organizava e as estruturas, relações familiares e as funções de cada indivíduo. Moema falou sobre sua alegria em poder participar deste fato. A matéria finalizou com uma tomada de Gabã ao lado dos bombeiros e Linna dizendo: - Vamos cuidar bem deste patrimônio cultural!
A reportagem foi um sucesso retumbante. Linna e Moema almoçaram juntas e, logo depois, a equipe da teve retornou para Porto Alegre.
Acauã almoçava num restaurante, onde havia levado alguns produtos para comercializar e ficou surpreso ao ver a irmã e a namorada na televisão.
A praia encheu de curiosos e pesquisadores. Moema caminhou um pouco pela cidade, precisava sair do sol. Gabã e ela estavam passeando quando passaram por um dos últimos chalés da praia: era pequeno e aconchegante, na frente tinha uma varanda de madeira, protegendo a porta central. Pintado na cor azul claro, tinha as janelas brancas enfeitadas com coraçõezinhos. Uma trepadeira cobria de flores a entrada, dando um ar acolhedor. Estava em perfeitas condições de manutenção. Aos fundos, tinha uma garagem, também de madeira, muito característico de um estílo de construção. A grama alta indicava que estava fechado, como a maioria das casas.
Gabã ficou louco em encontrar aquele lugar... Subiu no portão com agilidade e entrou para explorar o ambiente. Seus problemas de habitação pareciam estar chegando ao fim. Moema ficou na calçada, sabia que era uma propriedade particular e que mesmo fechada tinha que ser respeitada. Gabã acenou para ela, do telhado, havia encontrado uma brecha na calha e de lá gritou:
- Tchau, Moema! Não tem ninguém morando aqui, vou aproveitar.
- Tchau!  - respondeu a garota – Boa sorte!
Moema ficou contente por ele, enquanto caminhava, notou o quanto a cidade havia mudado, lembrava de sua infância...Naquele tempo, a praia tinha muitas casas e algum comércio. Hoje, a maioria das casas havia sido substituída por enormes edifícios e o comércio havia crescido muito. Restaurantes, bares, sorveterias dividiam o espaço com lojas de roupas, artesanato, bazares. Além da lan houses, shoppings e inúmeras atividades de lazer. Ela aproveitou o tempo livre para consultar seu e-mail e pesquisar sobre o sambaqui.
Moema ficou imaginando quem teria sido aquela pessoa sepultada no sambaqui. Há quantos anos ela, ou ele, teria andado por estas praias? O que pensariam sobre a vida? Será que tinham vivido um amor? Seria um  guerreiro, pajé, cacique, ou, pai ou mãe? Com todas estas perguntas na mente, retornou a praia.
Onc acenou para ela convidando-a a entrar na água. Moema sentiu um arrepio. Já eram três horas da tarde; o sol estava forte ainda, mas a água continuava gelada. Mergulhou sem pensar muito.
- Olá! – disse a foquinha – Eu estou morrendo de curiosidade...!! Uma garça me disse que está o maior babafá na areia. Até a Linna esteve aqui. É verdade?
- É. – respondeu Moema e contou tudo em detalhes para ela.
- O pessoal do fundo do mar está curioso para saber que tipo de conchas e de escamas e espinhas foi encontrado. Querem saber que ancestrais seus moravam por aqui... E se tem vestígios de seres extintos.
- Os cientístas vão apurar tudo isso.- disse Moema – Mas, pelo que Greta falou, os povos dos sambaquis e sua cultura,  desapareceram há muito tempo. Assim provavelmente alguns animais também.
- Mas o mar é o mesmo! – disse categoricamente Onc. Ou não?
- Sei lá!
- Uma coisa é certa, eles tinham um bom gosto: comiam muitas ostras e peixes. Será que comiam focas?
Moema se despediu dela e voltou para a praia. Greta já havia removido uma boa parte da areia em torno do monumento. Ela olhava para o sambaqui com respeito e admiração. Moema chegou perto e passou a mão delicadamente no fóssil, sentindo a energia e a porosidade, levemente áspera.
Precisava voltar para casa, mas levou consigo aquela imagem e as indagações que surgiram. Greta ficou com o telefone da pousada de Pauline, onde Moema trabalhava como guia turística. As duas iniciam uma grande amizade, que seria aos poucos, definida.
Ela pegou o ônibus e, durante o percurso, fechou os olhos e imaginou como era tudo aquilo. A natureza exuberante da mata atlântica servia como uma pista. Imaginou pessoas vivendo em harmonia com o verde e com os animais.
Quando chegou em casa, toda a comunidade estava reunida para abraçá-la. Orgulhosos, queriam saber os detalhes da aventura. O Cacique Tibiriça tinha um adorno feito especialmente por Acauã, para agradecer a forma bonita com que tinha representado seu povo: um colar confeccionado com conchas e  um pingente de pedras. Moema ficou surpresa!!
Sentou no meio da roda e relatou os acontecimentos. Trouxe as dúvidas dela, de Greta e de Onc. E falou sobre os problemas de Gabã e do final feliz dele.
À noite, a comunidade resolveu celebrar. A lua crescente era perfeita para rituais de prosperidade. Um banquete de frutas e comidas típicas foi preparado. Pauline ofereceu  o pátio da pousada para reunir as pessoas. Acauã ligou para Linna e sua  turma. Eles alugaram uma van e foram. Josefina sentou ao lado de Tibiriçá, e a festa foi marcada pelo som dos tambores, violão, gaita, flauta e pela voz melodiosa de Gi, com seu canto africano. A diversidade de manifestações mostrava que existia, realmente,  uma forma harmônica de viver em comunidade.












O Despertar do Guerreiro.
A festa estava animada. A meia noite Tibiriça pediu a todos que fizessem um grande círculo. Pediu silêncio!
Com um pequeno tambor, iniciou uma melodia suave e compassada. A tribo acompanhou a cadência com o corpo. Aos poucos, todos estavam dançando em sincronia. O ritmo variava, sob o comando do cacique.
Josefina  fechou os olhos e agradeceu o presente que haviam recebido. A música continuou, e a paz entrou nos corações do grupo de amigos.
O som da oração se propagou e do topo da Grande Araucária, o Conselho dos Anciãos foi convocado.
Em espírito, Josefina, Linna, Moema, Tibiriçá, Acauã, Tadeu e Gi atenderam ao chamado. Gabã apareceu ao lado do grande Ulisses. Onc veio acompanhada de Sr Tempo. Muray, a estagiária do Jardim Botânico, foi convocada pela primeira vez, seus olhos de cientista não queriam acreditar no que estava acontecendo. “A copa da Araucária tinha o formato de um círculo, os galhos formavam uma planície coberta de esmeraldas, como a superfície de um cálice. Pingos de luz transpassavam de baixo para cima... No centro a Grande Araucária brilhava”[1]
A emoção tomou conta de todos. Céu, serra, planície e mar perderam os limites que os separavam. O conselho pairava como um grande tapete de luz unindo as diversas realidades.
Da vibração provocada pelo estrondo das ondas quebrando na praia, surgiu uma forte energia. A areia varrida pelo vento deixou a mostra o Sambaqui. Com os braços cruzados sobre o peito e as pernas encolhidas, descansava o guerreiro.
Os acordes da mata, do mar e o canto humano equilibravam a energia. O conselho não precisava dizer nada; as imagens bastavam.
Emanando do corpo do guerreiro, as civilizações desfilavam, trocando conhecimento e sabedoria. Como numa corrida de bastões, o mundo era recebido e entregue. A Terra recebia e devolvia. De tempos em tempos, tudo era renovado. Culturas ruíam e outras eram edificadas. Um eco sistemas era superado e outro emergia.
Num dia, Guerreiro, no outro, fóssil. Um dia, lutando. No outro, ensinando. E depois, espelhando...
A luz do conselho refletida em sua face mostrava um caminho longo e belo para a vida na Terra. O homem do sambaqui nunca deixou de existir; ele é parte dos fios de cabelo de Moema, da gordurinha de Onc, da faceirice de Gabã. Onze mil anos, cinco mil anos ou alguns segundos? O sol apareceu no horizonte. Seus raios viajaram muito para chegar aqui. O Guerreiro do Sambaqui recebeu o toque suave da sua energia.
O conselho se desfazia, contaminado de sabedoria. Um pronto socorro para o planeta surgiria do conhecimento acumulado e transmitido. De geração à geração.
Na beira da praia, as crianças visitavam o monumento, como parte de seus estudos. Em cada cabecinha ,surgia uma indagação, um pensamento, uma solução.
Gabã, escondido no foro do chalé, adormeceu...Satisfeito e aquecido
O tilintar das conchinhas.

Moema acordou com uma sensação muito boa. O tilintar das conchinhas de seu colar fez com que imaginasse a formação do Sambaqui.
O som melodioso e compassado invadiu sua mente, pensou na atividade das pessoas e do próprio tempo. A pesca, a degustação de alimentos, a despedida dos entes queridos. O mar e o vento, depositando conchas, sal e areia.
Pensou em criar um grande espetáculo na beira da praia para recontar essa trajetória. Começaria pela formação da costa como conhecemos, a regressão do mar e a ação do vento. Depois imaginaria a cultura das diferentes gerações de habitantes, como uma coreografia, pessoas vivendo na beira da praia. Épocas de solidão marcadas pelo assovio do vento, que as camadas de areia contavam. Até chegar aos dias de hoje, a luta por uma praia limpa e saudável, para homens plantas e animais.
Moema e Acauã levariam um grupo de estudantes de biologia até as fontes do Rio Maquiné. Enquanto caminhavam ela começou a entoar uma cantilena que chamou a atenção do irmão.
- Parece que você está imitando o tilintar das conchinhas – disse com um largo sorriso no rosto.
- E estou mesmo – ela respondeu. Ela resolveu dividir com ele seu projeto cultural.
Acauã gostou muito da idéia, pediria a Linna e Muray que fizessem uma pesquisa para ajudar. Os estudantes foram falando sobre a vegetação da Mata Atlântica e os vários sistemas ecológicos que havia ali. A importância da preservação, eles achavam que mais áreas deveriam ser destinadas a reservas da biodiversidade. Um patrimônio diferente que o homem de hoje pode deixar para o futuro: a valorização da vida.
A arte como Moema estava sugerindo podia auxiliar o desenvolvimento turístico da região, conscientizando e gerando riqueza sem degradar o meio ambiente.
As relações do homem com a natureza já estava atingindo um novo nível de entendimento. Novos conceitos estavam em formação, como se fossem conchinhas depositadas por sábios.













Géa: A  menina Azul16
 
Linna estava sozinha, na prainha de Itapuã. A convenção seria na beira da laguna. Já eram onze horas e, em breve, a turma toda chegaria.
Princesa Li havia lhe contado sobre a aventura do foquinha Onc,  que havia encontrado uma mensagem enviada por uma menina, dentro de uma embalagem de café solúvel, com um cartão e um selo de devolução.
O Pelicano Solito havia interpretado a mensagem e quando, seguindo as orientações, recolocou o selo, todos tiveram uma bela surpresa: a mensagem era do Universo!! Ele disse:
“Minha filha Terra, matéria de minha matéria, agradece ao mundo a bela mensagem recebida. Sabendo que dias melhores virão, para a sua Comunidade de Vida Única. Como é ainda uma menina, pediu-me que respondesse. Peço em seu nome que tudo o que foi escrito seja cumprido e que uma nova etapa de vida inicie no planeta. Com paz, harmonia e respeito” O Universo.
Linna pensava nessas palavras, a mensagem era a Carta da Terra, um documento que o mundo assina em baixo. E a menina de cabelos longos e olhos azuis quem seria???
Onc tinha voltado correndo para o mar, já que seu organismo precisava de água salgada. Ela passou a semana inteira navegando pela Praia grande do sul, de Torres até Rio Grande. Queria por que queria encontrar a menina!!Ninguém mais tinha visto ela, nem as tatuíras que vivem na areia, nem as garças ou os pássaros!! Segundo suas investigações, a menina deixou os molhes de Imbé e desapareceu! O caranguejo havia feito um retrato falado dela e publicado no Diário dos Mares.
Linna estava preocupada!! O Universo havia dado a menina uma missão tão importante!!Ela devia ser uma pessoa especial! Por que teria sumido? Seria mesmo uma menina? Linna lembrou da belíssima imagem da Mãe Natureza, que encontrou no interior do Cânion Itaimbezinho. Seu coração lhe dizia que a menina era, na verdade,  a própria Terra. Quem poderia saber???









Cobertura Verde


Linna Franco, a jovem estagiária de jornalismo, foi convidada para cobrir os eventos da Operação Verão. Um projeto de educação e cultura, que visava preparar a população para a estação mais complicada do ano.
Verão é alegria! O clima de festa domina as pessoas.
Mas, é preciso alguns cuidados, aumentar o consumo de água, proteger a pele do sol, cuidar de plantas e animais. O projeto abordaria estas, entre outras, coisas.
As mudanças que o Planeta Terra vinha sofrendo atingiam a vida de cada ser vivo. E mesmo as paisagens sofriam alterações. Linna ficou curiosa e estabeleceu uma analogia, imaginou uma grande cobertura verde cobrindo o planeta e sanando alguns problemas. Sob a sombra das árvores tudo é mais bonito e vivo. Algumas entidades já haviam iniciado a campanha por reflorestamento no campo e na cidade. Linna imaginou a harmonia entre plantações e floresta. Entre asfalto e terra viva. Entre gado e animais silvestres.
Cobertura verde, uma opção simples e prática. Cada pedacinho de jardim podia ganhar uma árvore, um pequeno arbusto. Um filtro verde e vivo, para combater o aquecimento. Para proteger a pele. Restabelecer a fauna e a flora.
Com a cabeça cheia de idéias e a mochila pronta Linna desligou os disjuntores de seu apartamento. Verificou bem se todas as torneiras estavam fechadas e partiu para a rodoviária.
Onze e meia o sol escaldava, como alguém saia de casa uma hora daquelas? Inúmeras pessoas caminhavam nas ruas da cidade... Bancos, lojas, escolas. Não estaria na hora de mudar certos hábitos? Seu ônibus partia ao meio dia. Em uma hora estaria na praia. Uma facilidade e tanto... Ela tomou um copo de suco de açaí, comprou o jornal e encontrou um ET.
Verdade!






















Um amigo.

Linna achou que a visão era efeito do sol na cabeça: um ET. Logo notou que aquele ser estava realmente ali. Alegre, risonho e desengonçado. Parecia um filhote de gato, com olhos grandes e pêlo escuro. Ela estranhou que as pessoas passavam por ele e não notavam.
- Oi! Quem é você?- perguntou curiosa Linna.
Ele aproximou-se e disse que precisava entrar no ônibus, sem que o motorista e o fiscal notassem. Precisava muito chegar até o litoral. Lá havia um grupo de pessoas esperando por ele.
Sem mais perguntas a garota entrou no ônibus e aquela figurinha entrou junto. Ao seu lado estava sentado Hermínio Blanc, um famoso professor de astrologia. Logo Linna percebeu que todos os bancos estavam ocupados por cientistas, pesquisadores e pessoas dedicadas ao estudo do planeta.
Intrigada resolveu perguntar ao professor se ele acreditava em ETs.
- Você acredita na influência dos astros na vida das pessoas e do Planeta? – Hermínio respondeu com uma pergunta, típico dos estudiosos.
- Acredito!- respondeu com convicção – Acho que somos todos regidos pelas mesmas forças.
- Muito bem! – disse, retirando os óculos e olhando bem para a garota - O que é um ET, Linna?
- O senhor me conhece? – perguntou um pouco surpresa.
- Claro! – o seu blog é muito lido e respeitado. – Com algumas idéias concordo e com outras não.
- Bem! Um ET é um ser que vem de outro planeta. Que não nasceu na Terra.
O professor analisava atentamente o que ela dizia. Sentiu que Linna havia ficado embaraçada com a pergunta, afinal todo mundo sabe o que é um extraterrestre.
- Você sabe de onde veio?- Hermínio queria aprofundar o conceito com Linna. -Para onde vai?
- Ok! – Linna entendeu que se tratava de uma abordagem filosófica. – Você acha que todos nós podemos ser ETs?
- Mais ou menos, a cada dia que passa a ciência vem descobrindo que há uma grande conexão entre os seres. E isso não é invenção minha, ou de um, ou outro. É uma nova visão, que veio modificar uma forma de ver as coisas. Um jeito da humanidade se pensar e com isso, se adaptar a este novo paradigma. Agora se é verdadeiro? Não sabemos, já que nesse novo paradigma o próprio conceito de verdade tende a ser reconstruída. Agora posso afirma para você que eu acredito em ETs. Acredito que o Universo tem diversas formas de manifestações de vida e de existência.
- Como reconhecemos um ser de outro planeta? – Linna estava espantada que o professor não olhasse para o ser que estava ali. Estaria tendo uma alucinação?
- Acho que é uma questão de foco. Nós percebemos, pelos sentidos, aquilo que estamos culturalmente prontos para ver, ouvir, tocar, provar e cheirar. Ou talvez só tenhamos capacidade para isso.
- Eu penso bastante sobre isso. Ontem morreu um filhote de passarinho, perto da minha casa, no parque. Eu acompanhei a construção do ninho, a mamãe Bem-te-vi, chocando os ovinhos, os três filhotinhos prontos para voar e no fim um deles caído no chão. Fiquei muito abalada, o trabalhão que foi para terminar assim. O Bem-te-vi voou com seus outros filhotes e abandonou o ninho. Para mim aquele ninho vazio significou uma derrota. Mas, os pássaros sobreviventes continuaram alheios aquele fato. Na hora sei que ela sentiu. Mas, só na hora.
- Talvez o Planeta Terra esteja cheio de Ets, ou simplesmente não haja diferença entre nós e aquilo que denominamos de extraterrestres.
Linna percebeu a alegria no rosto do ser. Seu sorriso criou um campo de comunicação segura entre ele e Linna. O professor continuou explanando sobre a influência dos astros, da hora, do local de nascimento de um ser. Linna ouvia Hermínio e o ser ao mesmo tempo.
- Pode me chamar de Celeste. – disse num tom que só ela ouviu – Gente boa esse professor.
- Celeste! Você é um ET? – indagou Linna, preocupada com a franqueza da pergunta.
- Eu sou UT. – como Linna não entendeu, tratou de responder. Eu sou Unido a Terra. Ao universo. A terra mora no meu coração... Achei interessante aquilo que você disse sobre o passarinho. Quantos universos cruzados existem só na Terra.
- Universos cruzados? – perguntou Linna – Como vidas paralelas que em algum lugar se encontram?
- Isso! E depois se separam. Quem era aquele Bem-te-vi que morreu?
- Uma vida que não aconteceu. – respondeu sem muita segurança. Um pedacinho do Universo.
Aos poucos ela entendia. Celeste queria que ela rompesse conceitos e aceitasse novas perspectivas. As possibilidades de vida no Universo são imensuráveis. Negar que possa haver vida fora da Terra é o mesmo que negar que haja vida no planeta. Somos física e emocionalmente unidos ao planeta: única fonte da nossa certeza de existir. Nosso “Bem” mais precioso. A cobertura verde tornava-se para ela uma idéia externa. As associações que estabeleceu para chegar a esse conceito foram tipo: eu ainda preciso do ninho, ainda não é hora de sair. Bem-te-vi Celeste. Seu coração estava maduro para entender sua relação com o planeta. Estava vendo bem. Ou, estava vendo o bem.























Cobertura Verde
Linna Franco, a jovem estagiária de jornalismo, foi convidada para cobrir os eventos da Operação Verão. Um projeto de educação e cultura, que visava preparar a população para a estação mais complicada do ano.
Verão é alegria! O clima de festa domina as pessoas.
Mas, é preciso alguns cuidados, aumentar o consumo de água, proteger a pele do sol, cuidar de plantas e animais. O projeto abordaria estas, entre outras, coisas.
As mudanças que o Planeta Terra vinha sofrendo atingiam a vida de cada ser vivo. E mesmo as paisagens sofriam alterações. Linna ficou curiosa e estabeleceu uma analogia, imaginou uma grande cobertura verde cobrindo o planeta e sanando alguns problemas. Sob a sombra das árvores tudo é mais bonito e vivo. Algumas entidades já haviam iniciado a campanha por reflorestamento no campo e na cidade. Linna imaginou a harmonia entre plantações e floresta. Entre asfalto e terra viva. Entre gado e animais silvestres.
Cobertura verde, uma opção simples e prática. Cada pedacinho de jardim podia ganhar uma árvore, um pequeno arbusto. Um filtro verde e vivo, para combater o aquecimento. Para proteger a pele. Restabelecer a fauna e a flora.
Com a cabeça cheia de idéias e a mochila pronta Linna desligou os disjuntores de seu apartamento. Verificou bem se todas as torneiras estavam fechadas e partiu para a rodoviária.
Onze e meia o sol escaldava, como alguém saia de casa uma hora daquelas? Inúmeras pessoas caminhavam nas ruas da cidade... Bancos, lojas, escolas. Não estaria na hora de mudar certos hábitos? Seu ônibus partia ao meio dia. Em uma hora estaria na praia. Uma facilidade e tanto... Ela tomou um copo de suco de açaí, comprou o jornal e encontrou um ET.
Verdade!
























Celeste e a vida da Terra


Celeste era um ser bem diferente dos outros, era pequeno, no porte de um filhote de gato, com pêlo curto e olhos brilhantes. Além disso, ele era translúcido, somente algumas pessoas que podia vê-lo.
Hermínio Blanc, um famoso professor de astrologia conversava com Linna Franco, sobre a influência dos astros na vida das pessoas e do planeta. Celeste acompanhava atentamente o desenrolara da conversa. Linna ouvia a ele e ao professor ao mesmo tempo.
Sua atenção parecia redobrada. Celeste falava da grande união entre todos os seres do Universo. Explicava que a expressão extraterrestre não fazia sentido, pois sendo a Terra parte indissociável do Universo, ser ou não nascido, ou oriundo da Terra era irrelevante. Meio retrógrado, meio geocentrismo, homocentrismo, ou egoísmo mesmo. O professor falava algo muito semelhante, queria que Linna ampliasse seus horizontes.
A garota estava perplexa, enquanto os dois falavam as formas do universo dançavam soltas no espaço. Numa sobreposição de imagens ela percebeu que havia uma ligação entre Celeste e Hermínio Blanc. Eles habitavam o mesmo espaço ao mesmo tempo e falavam sobre as mesmas coisas, só que em linguagens diferentes. Como se fossem um.
Estavam passando pela lagoa quando Celeste disse: - Se você fosse escrever a biografia do Planeta Terra, como seria?
Linna ficou surpresa com a pergunta. Nunca tinha pensado numa biografia da Terra. Ela não tinha conhecimentos suficientes para isso. Ainda não tinha maturidade cognitiva para ver verdadeiramente a Terra como um ser vivo e interligado ao Universo. Uma parte dessa coisa complexa chamada vida. Por mais que interagisse com esses conceitos sempre esbarrava numa visão limitada. A Terra existe para que nós seres humanos a dominemos. Que horror! Ficou decepcionada com esse pensamento. Só que sentiu uma coisa diferente. Seu pensamento foi invadido. Quantas maldades você pensou hoje? Quantas vezes durante o dia você se pegou pensando em coisas com as quais não concorda, ou nunca faria? O pensamento é uma porta para outros mundos.
Se nós estamos aqui é por que devemos estar. Uma biografia da humanidade seria bem mais fácil. O homem registra através da escrita, das artes, dos objetos a própria trajetória. Nossos erros e acertos e o como nos percebemos no mundo em diferentes períodos são dados que podem ser pesquisados, de um tempo para cá.
Com relação a vida da Terra sabemos pouco, baseado mais em suposições do que qualquer outra coisa. Lendas, teorias e dados científicos revelam pouca coisa.
Linna olhou bem fundo nos olhos de Celeste e perguntou: - Você saberia fazer uma biografia da Terra? Celeste e Hermínio Blanc pararam de falar.
- Uma biografia do Planeta? - respondeu o professor – Vocês ouviram o que essa menina perguntou?
Linna murchou na poltrona do ônibus... Os cientistas desataram a rir. Mas, Hermínio ajeitou os óculos, respirou fundo e disse: - Tá aí uma boa idéia! Logo os outros começaram a fazer conjecturas sobre a profundidade da questão. Sobre as diversas formas de abordar o assunto... Celeste desapareceu. Assim! Num passe de mágica.
O conceito de vida ficava cada hora mais complicada para a jovem estudante. Celeste era um pensamento seu? Existem muitos estudos que demonstram a evolução do planeta, as mudanças climáticas, territoriais; definem idade aproximada, biodiversidade, projeções ( caóticas por sinal) de futuro, etc...
Linna imaginou: essa é a história da Terra: um pequeno planeta do Sistema Solar. Quando percebeu precisava iniciar a Cobertura do lançamento da Operação Verão. Hermínio confabulava com outros cientistas e a idéia ganhava forma. Com o objetivo de entender as mudanças pelas quais o planeta passava e com ele a sua comunidade de vida única.
Celeste apareceu novamente ao pôr do sol. Onc e Floc já andavam longe em sua aventura de migração. O Sambaqui continuava ali, um testemunho das mudanças. Linna registrou bem todo o processo.

 Celeste e Hermínio


Linna Franco levou um susto ao perceber que Celeste e Hermínio Blanc estavam conectados como se fossem um único ser. Hermínio ignorava completamente Celeste. Já este não só conhecia como admirava o professor. Enquanto ele falava durante a conferência Celeste caminhava pela praia, mas em sua mente ouvia atentamente tudo o que Hermínio dizia.
Linna estava confusa e resolveu dedicar mais tempo aos próprios pensamentos. Com Josefina, a amiga centenária, tinha aprendido a meditar e a ouvir o silêncio. Com Acauã, seu namorado, de quem estava morrendo de saudades, tinha aprendido a guardar as pessoas no coração. Pensou nele e percebeu que o seu rosto parecia apagado e enevoado. Fechou os olhos e tentou lembrar do toque suave de suas mãos, o gosto de seus lábios, o aconchego de seus braços. Aos poucos recuperava os detalhes, como se ele estivesse presente. O som de sua voz, o sorriso maroto que lhe encantou desde o primeiro encontro. Como mágica seu telefone tocou, era ele. Estava em Maquiné, há poucos minutos dela. Linna foi invadida por um sentimento de alegria e uma vontade de estar junto de Acauã. Aos poucos entendia as conexões entre as pessoas. Combinou de encontrá-lo e matar a saudade.
Celeste sorriu como se soubesse o que estava acontecendo. A mente aberta de Hermínio para o Universo e os estudos dos astros havia criado uma relação entre ele e Celeste. A comunhão de idéias e de sentimentos unia os dois. Assim como muitas outras conexões... Entendeu o que Celeste havia denominado de universos cruzados. O que ligava ela, Bibi, Onc, Josefina, Acauã, Tadeu, Gi, Muray e tantos outros amigos? O amor pela natureza e a preocupação com o bem estar das pessoas e dos animais.
Extraterrestre ou não Celeste era diferente, seu corpo era puro pensamento, cheio de esperança, amor e carinho. Linna ficou preocupada com muitos pensamentos negativos que as vezes tinha. Que tipo de conexões atraiam?
Em alguns momentos parece que perderemos a batalha pela preservação de algumas espécies e a abundancia e diversidade de vida no planeta.
Olhando o mar e o sol Linna sentiu que por algum motivo estava aqui. Os antigos diziam que Deus tinha um plano para cada ser vivo. Com o tempo a idéia de Deus caiu em desuso e alguns passaram a viver como autômatos. Como se bastasse repetir as coisas. Acordar, trabalhar, acumular riquezas, consumir.
Celeste pulava as ondas, Hermínio observava o céu e a noite avançava. Acauã chegou com sua alegria e simplicidade. Achou a namorada linda. Diferente. Seus olhos pareciam pacificados e brilhantes... Uma estrela correu o céu... Cada um fez um pedido. A maré começou a subir.
Deixaram a praia. Mas continuaram ligados em pensamentos.
Tudo parecia tranqüilo, a lua despontava cheia no céu. As estrelas brilhavam, e o mar revolto avançava na areia. Celeste olhou para Linna e mostrou que alguma coisa aparecia na praia. Uma sombra escura parecia revolver a areia solta. Um ser bem maior do que celeste aproximava-se do restaurante em que estavam. Ao lado de Hermínio Blanc, estava Lucci Tozz, mais conhecido como Lu, um grande empresário de frutos do mar.
- Linna, aquele é... – Celeste sussurrava para não ser ouvido – Lodo, um ser destrutivo... Ele conecta-se a todos que tem muita ambição.
- Linna! – Acauã chamou a atenção dela – O que houve? Você está falando sozinha?
- Acauã, você não está vendo uma luz ao seu lado?
- Não!- ele respondeu – Você está bem?
Linna acalmou o namorado. Não estava compreendendo esse fenômeno, pois ele sempre via as mesmas coisas que ela. Acauã também fazia parte do Conselho dos Anciãos, falava com os animais; já conhecia seu Animal Guardião. Porque não enxergava Celeste e agora Lodo? Mas, Lodo com certeza viu Linna e sabia que ela o via.
O empresário e o professor discutiam sobre os direitos do homem explorar a vida marítima. Celeste e Lodo eram conhecidos e rivais. Uma tempestade estava se formando sobre o oceano.
Eles comiam espaguete com camarão e bebiam um bom vinho branco. Acauã protestou quando Lu disse que o período de pesca precisava ser ampliado, para manter os custos da produção.
- A vida no mar tem que ser renovada. – disse com muita convicção. Se continuar assim em pouco tempo algumas espécies de peixes vão desaparecer.
- O Mar está mudando – disse Lu – Os custos de produção estão mais elevados do que nunca. Assim o setor não vai agüentar e vai acabar gerando desemprego, sem falar na escassez de produtos.
Enquanto Lu falava Lodo acompanhava atentamente. Celeste fez um sinal para Linna mudar de assunto. Ela aproveitou para perguntar ao professor o que ele achava das mudanças climáticas da Terra.
Um assunto complicadíssimo. Celeste quase desmaiou de pavor. Lodo e Lu ficaram em silencio absoluto. Queriam muito saber a opinião do renomado professor.
- Linna! Não! – disse Celeste – Fala sobre a Cobertura Verde.
Hermínio começou dizendo que o processo de educação das pessoas, apesar de lento, vinha facilitando os projetos de recuperação do meio ambiente. Mas, em sua opinião, as mudanças eram inevitáveis e em grande parte um mecanismo de defesa do próprio planeta, ou uma parte da nossa evolução.
- Professor – interrompeu ela - O senhor acredita que projetos de reflorestamento podem amenizar as mudanças?
- Você me falou hoje a tarde de criar uma espécie de Cobertura Verde, como um grande escudo contra a ação dos raios solares e ainda uma forma de “oxigenação” do Planeta. Acho uma boa idéia. Mas, associada a efetiva criação de áreas de grande extensão de preservação ambiental; planejamento da produção de alimentos e produtos. Reciclagem de materiais... Controle de natalidade e planejamento familiar... Políticas de cuidado do lixo e dos dejetos químicos. Aquilo tudo que a Carta da Terra propõe.
Lu imaginava uma forma de lucrar com o que o professor dizia, Lodo assimilava as idéias. Celeste e Hermínio buscavam soluções. Linna e Acauã ouviam atentamente, buscando aprender.
- Há muitas coisas que ainda podem ser feitas para melhorar a vida da Terra. – disse Acauã.
Neste momento Sr. Tempo apareceu. Acauã e Linna reconheceram o amigo. Sorria e balançava levemente a cabeça. Chegou oferecendo raspinhas de coco desidratadas. Hermínio e Lu estranharam a sua roupa e imaginaram tratar-se de algum lunático. Celeste e Lodo sumiram.
- Tudo é o mesmo.Tudo é sem mudança.- Vocês lembram do Poema de Cecília Meireles? Perguntou ele.
- Sim – responderam Linna e Acauã.
- Tudo isso já aconteceu – disse enigmático.
Agora sim. Acauã não entendia mais nada. Nem Linna. Muito menos Lu e Hermínio. Sr. Tempo complicou bastante as coisas, muito a seu feitio.
Celeste e Lodo seriam Hermínio Blanc e Lucci Tozz em uma outra dimensão, ou em outro Tempo?
-Não! – respondeu Sr Tempo.
- Não, o que? – indagou Acauã.
-Acho que vocês não compreenderam o que eu quis dizer, vi na expressão de seus rostos. Os processos de mudanças no planeta são constantes. Hoje pela manha Linna esteve visitando uma exposição ( maravilhosa, só vai até 30/12/2007) sobre a evolução do Planeta Terra, no museu da Ufrgs. Ou talvez sobre a evolução nas formas como o homem se relacionou e entendeu a sua própria vida e a do planeta. Bom, fica muito claro que o conhecimento humano é mutável e o planeta também. Então este processo de buscar novos paradigmas é próprio da humanidade. Isso tudo já aconteceu antes.
- Sr.Tempo eu adorei subir os degraus e ver os fósseis, os painéis e as projeções. A imagem da Terra rodando silenciosa, a diversidade de vidas filmadas e as ondas batendo nos cantos de uma tela espelhada mudam a percepção das coisas. Achei fantásticas as notícias de pessoas inquietas e angustiadas buscando compreender, rompendo barreiras encontrando novas explicações, novas verdades ao longo da história. No fundo sabemos deste processo, mas, acabamos envolvidos na trivialidade da rotina. Então expor isso é importante.
-Lembra que ontem você falava em uma Biografia do Planeta, acho que a exposição respondeu a essa demanda. - disse brincalhão Hermínio.
- Sabe que eu fui um dos patrocinadores de um projeto bem parecido com esse. – interrompeu Lu - Também me preocupo com o planeta. Eu vivo nele. O jantar estava ótimo, só que eu tenho uma pilha de planilhas para analisar. Boa noite a todos.
Lucci Tozz e Hermínio Blanc saíram juntos e confabulando. Os dois tinham pontos de vistas divergentes e outros convergentes. Celeste e Lodo observavam atentamente o mar. A tempestade ganhava forma, raios e trovoes podiam ser vistos e ouvidos. Num lampejo Acauã acabou por vê-los.
- Linna! – disse – Acho que vi dois ETs. Um brilhante e o outro escuro e lustroso.
- São Celeste e Lodo – interrompeu Sr. Tempo – Seres universais, que vivem além da Terra. Mas, estão sempre conosco. Nunca deixaram de estar aqui, ou em qualquer outro lugar. São forças cósmicas que assumem a forma que podemos ver.
- Será que nossos esforços adiantam alguma coisa? – indagou Linna.
- Viver e agir são as forças que mantém tudo acontecendo. Nós ganhamos o privilégio de estar aqui. De ser parte desta magia. Todos somos Celeste e Lodo.
- Mas eles são rivais – disse – Linna.
- Por que não se compreendem. - sentenciou Sr Tempo. Será que o tempo só existe na Terra e na necessidade humana de estabelecer uma medida. Ou, a Terra talvez só exista no tempo e na necessidade humana de que ela exista. Ou o humano só existe como uma necessidade da Terra. A única coisa certa é que tudo está ligado e acontecendo. Enquanto estamos pensando, estamos imersos neste processo. Assim como Celeste e Lodo. Sempre estiveram aqui e nunca vocês os haviam visto. Eles sabem algumas coisas e ignoram outras.
- Como talvez os pássaros, ou os outros animais possam ser seres mais evoluídos do que nós. Ou serem dotados de aptidões que não conhecemos. - divagou Linna. Talvez eles saibam mais sobre nós do que nós sobre eles.
- Tudo depende do que somos capazes de perceber- interrompeu Acauã – Agora devemos procurar abrigo, a chuva vai ser forte.
- Vamos ficar por aqui? – indagou Linna. – Acho que perdi o último ônibus.
Sr Tempo gostava da chuva e decidiu ficar na areia esperando que ela chegasse. Linna e Acauã ficariam no apartamento de Oscar. A zeladora tinha a chave e eles liberdade e autorização para usar.
A chuva começou com pingos grossos, Linna e Acauã correram para não se molhar. Celeste, Lodo e Sr. Tempo aproveitaram a energia das grandes ondas estourando na praia. O som do mar, do vento, das descargas elétricas, era como música nos ouvidos do maestro. O Planeta reagia. Transformando-se, bem aos olhos de quem quisesse ver. Renovava a sua vida. Vivo. Interagia. Enquanto a humanidade dormia, naquela fraçãozinha da Terra.
- Bom sinal! – Disse sorrindo Sr. Tempo. A tempestade. Um bom sinal.
- Gente boa essa turma – falou com entusiasmo Celeste.
- Eles têm espírito – disse Lodo – São fantásticos. Mas, vamos ter que trabalhar... Lucci Tozz pode alavancar muito mais coisas.
- Hermínio Blanc, também. Disse Celeste – Não lembra um pouco aquele...
- Sem comparações, Celeste. – Interrompeu Sr. Tempo – Deixa livre, deixa o barco correr. Não ancora. Não empareda. Agora, não falei para vocês de Linna e Acauã.
- Quanta ingenuidade? – disse Lodo – Quanta leveza? Parecem...
- Hei! Combinamos...
- Sei! Nada de comparações... – aceitou pacificamente Lodo- Mas, é quase inevitável.
A chuva apertou, alguns barcos viraram. As ruas ficaram alagadas, os pássaros buscavam abrigo nas poucas vegetações e marquises. Os animais marinhos esperavam a água acalmar. Sr. Tempo socorreu um cãozinho perdido. A noite correu tranqüila e molhada.
Celeste e Lodo retornariam com boas notícias sobre o Planeta. Mas, bastaria um único pensamento para trazê-los de volta. E estariam equilibrando o Universo, como um trapezista se mantém na corda bamba.












O filhote de Leão Marinho


Onc passou uma grande aflição vendo, de dentro do mar, Floc, um filhotinho de leão marinho, passeando no meio do povo de Capão da Canoa. Dia 16/11/2007, horário mais ou menos das nove às onze e meia da manhã.
As pessoas não sabiam que ele só queria descansar um pouquinho, antes de viajar... Os patrulheiros da Brigada Militar vieram e calmamente conseguiram levá-lo para um lugar mais sossegado.
O pessoal da praia começou a perguntar: seria uma foca?
Não. A diferença entre focas e leões marinhos é pequena... Focas são pretas e não tem orelhas... Leões marinhos são mais marrons, peludos e tem orelhas. Mas, existem os dois no nosso litoral, prevalecendo os leões marinhos.
Floc mostrou que era bem invocadinho, assim que as pessoas tentavam se aproximar virava a cabeça e mordia o ar, emitia um grunhido forte mantendo todo mundo afastado. Legal seria se homens e animais se entendessem melhor, dividindo espaços em harmonia. O filhote tinha pequenos machucados nas nadadeiras, como se tivesse batido em algum obstáculo, uma rede de pesca? A vida no mar não estava nada fácil, as rotas de navegação estavam sendo modificadas pelo clima. Mais uma conseqüência da ação humana...
Onc e Floc sabiam do despertar de muitas pessoas para as questões ligadas a vida no planeta. Tinham fé de que logo, logo a humanidade encontraria boas soluções. Os dois estavam aproveitando os últimos dias de temporada no litoral gaúcho... Com a chegada do verão deveriam buscar águas mais frias e menos movimentadas.
Linna sentiria saudades deles, seu estágio na TV estava muito legal, o programa Lente de Cristal estava fazendo o maior sucesso... Nele as crianças aprendiam a cuidar das plantas e dos animais e a desenvolver amizade.
Floc foi a sensação do fim de semana, Onc pediu a Linna que aproveitasse o episódio para fazer uma campanha de educação ambiental, ensinando as pessoas como deveriam proceder quando encontrassem algum animalzinho. Ou diante de um sítio arqueológico, uma reserva florestal, etc...
Chamar a patrulha ambiental foi uma boa idéia... Agora, pelo telefone mesmo eles já podiam ter dito para as pessoas que não se aproximassem e deixassem Floc dormir um pouco. Coisa estranha: como tinha gente usando telefone na beira da praia...
Onc ficou pensando por que as pessoas não largam aquela geringonça nem para dar uma caminhadinha? Seriam alguns humanos teleguiados por aquelas coisinhas? Por que as pessoas precisam falar tanto?
No fim da tarde Linna, Onc e Floc observaram a beleza do sol. O vento soprava forte levantando uma areia fininha... Linna Lembrou da formação do sambaqui e ficou pensando o que será que vai ficar registrado da nossa passagem pelo planeta? Onc sorriu deixando claro que ficaria a amizade entre todos os animais...







A migração no mar

Floc, um filhote de leão-marinho estava migrando da Ilha dos Lobos, sua moradia durante o inverno e a primavera, para a Antártida. Ele estava pronto para desvendar os mistérios das águas geladas do pólo sul. Era um leãozinho-marinho forte e esperto, que já não precisava mais mamar.
Assim que saiu da Ilha dos Lobos encontrou com a foquinha Onc. Focas e leões-marinhos são como primos. Ambos são mamíferos, carnívoros, bons nadadores e criaturinhas adoráveis...
- Olá, Floc! – disse a foquinha.- Você vai migrar também?
- Oi, Onc! Claro, eu já sou grande! Olha! – Floc mostrava para a amiga o tamanho de suas nadadeiras – Quero conhecer o pólo sul...
- A viagem é longa - informou Onc, que já conhecia o caminho.
Onc e Floc nadavam com rapidez quando ouviram um barulho estranho. Eles viram a sombra de alguma uma coisa enorme caindo dentro da água.
- O que será isso? - disse Onc - Cuidado, Floc!
- Onc! – disse o filhote, desviando e batendo a nadadeira – Quantos peixes juntos!
- Floc! Venha pra cá. É uma rede, vai fechar e você vai ficar preso.
O filhotinho entendeu que estava dentro de uma armadilha, com agilidade e a ajuda de Onc conseguiu escapar. Mas, sua nadadeira estava machucada. Floc olhou para trás e viu a rede fechando e aprisionando os peixes. Um enorme peixe-espada lutava para furar a rede, contorcia o corpo prateado que resplandecia a luz do sol. Os outros peixes resignados nem tentavam fugir. A arraia foi a única que escapou. A rede não poupava nada, sua trama era capaz de pegar os menos peixinhos. Era puxada para um barco pequeno que saia correndo, atirando água para todos os lados. Será que aquele barco ia comer tanto? Pensava Floc, mais do que as baleias quando estavam com fome.
Onc ficou preocupada, o filhote ferido podia atrair a atenção dos tubarões.
- Floc! Você deve ir para a beira da praia descansar um pouco. - disse ela.
- Você me espera, Onc? – Perguntou angustiado o filhotinho.
A água estava mais fria do que o normal para o mês de novembro, as correntes confusas e o mar com um repuxo forte. Onc decidiu que não era a melhor hora para migrar. Esperaria por Floc, ferido ele teria poucas chances de completar a viagem.
- Espero! Só que eu sou muito grande para ir para a praia, posso encalhar.
Floc deitou na areia... Sua cabeça estava doendo e ele só queria dormir um pouco. Algumas pessoas se aproximaram e queriam ajudá-lo, mas, não sabiam o que fazer.
Ele deitava, virava a cabeça, esticava o pescoço, encolhia as nadadeiras... Não conseguia se acomodar... As pessoas achavam que estava com sede e jogavam água em sua cabeça. Acuado foi ficando irritado e nervoso. Um patrulheiro ambiental levou Floc para longe das pessoas.
Com a ajuda de Onc o filhote retornou a Ilha dos Lobos.
- Você precisa comer mais e engordar para fazer a migração- disse Onc- Não seria melhor esperar mais um ano?
- E eu vou ficar todo o verão sozinho? – indagou Floc.
- Muita gente fica na praia... Os siris, os peixes, alguns leões marinhos e focas mais velhas. Você pode visitar o Gordo.
- O leão marinho que não quis mais voltar pro mar?
- Ele! Todo mundo no mar conhece a sua história. O Gordo ficou doente e teve que ir para Imbé, fazer um tratamento no Ceclimar ( tenho que conferir a sigla e dar o nome do site que conta essa história), só que fez muitos amigos por lá e não quis mais voltar para o mar. Ficou acostumado com a mordomia.
Os dois estavam pensativos quando Linna Franco foi visitá-los. Puderam ver a beleza do sol juntos. A cada ano que passava aumentavam os perigos da migração. Os pássaros tinham que dividir o céu com aviões, edifícios envidraçados, helicópteros, planadores, balões. Os animais marinhos dividiam as águas com navios, lanchas, jet ski, óleo, plataformas. Os animais terrestres quase não tinham mais para onde ir, os espaços estavam ocupados com estradas, cidades, barragens. Poucos ainda tinham a sorte de morar em reservas, que, eram restritas e cercadas.
- Eu vou! – respondeu decidido Floc – Dizem que a cada ano que passa há menos gelo na Antártida. Eu quero ir lá ver.
Linna gostou da determinação de Floc, era disso que o mundo precisava. Os três dividiram uma gostosa porção de sardinhas. Onc sentiria falta da amiga, mas faria a viagem... Pelo bem do Planeta Terra! Assim que o sol nascesse rumariam para o sul.






























Oceano
 
A foquinha Onc estava, de volta, ao litoral do Rio Grande do Sul. Sua migração para a Antártica tinha sido catastrófica. Floc, um filhote de lobo-marinho, havia se perdido, antes mesmo de chegar a Rio Grande...! Exausto, fez o caminho de volta. Chegando em Capão da Canoa, sua praia preferida, acabou sendo capturado, enquanto dormia na areia. Os veranistas não sabiam de seu hábito de dormir, um pouco antes de completar a viagem, assim, por falta de conhecimento, acabaram forçando a Patrulha Ambiental a levá-lo para o Ceclimar. Lá, foi muito bem atendido, recebendo comida, carinho e cuidados. Por uma fatalidade, acabou sofrendo um acidente, no tanque de mergulho...!!!A Ilha dos Lobos perdia mais um habitante... A Turma de Linna Franco, um amigo,  e o Planeta Terra, uma partezinha de sua Comunidade de Vida Única.
Onc chegou a ir ao Estreito de Drake, uma dos lugares mais emocionantes para a navegação. Era famoso, por apresentar as piores condições meteorológicas marítimas do mundo. A foquinha esteve pertinho da Terra do Fogo, mas acabou voltando na primeira corrente marítima fria do ano.
As notícias no mundo do mar eram preocupantes: degelo das calotas polares, mudanças nas rotas de navegação e a formação de grandes aglomerados de lixo. Isso, seria possível?! Lixo...!!! O maior predador do planeta vinha jogando toneladas de resíduos, nos Oceanos, como restos de experiências científicas, bombas, dejetos de grandes navios e plataformas de “sugar” o sangue da Terra. Além de pequenos objetos que, diariamente, eram levados para as águas pela chuva e pelas pessoas. Esgoto, detergentes, guarda chuva, pneus,  produtos químicos... A lista parecia infinita.
As águas profundas do Oceano eram ótimas para meditar, tentar estabelecer uma conexão espiritual com a energia da criação. Onc, que sempre era alegre e brincalhona, voltou ...Triste. Mas, com esperança que as coisas melhorassem...!!
Durante o retorno, enfrentou gigantescas ondas, tempestades e ciclones. O Oceano não pára, nunca! A grande preocupação é com a manutenção da vida. Peixes, corais, mamíferos lutam diariamente para procriar e povoar as águas. Sobreviver e perpetuar a espécie, a vida do planeta.
No fundo do mar, Onc boiou. alguns segundos, para recuperar as forças.A luz do sol aparecia longe, como um fio...! O escuro guardava grandes segredos. Sentiu uma profunda sensação de paz, uma energia renovadora. O canto das baleias soava acalmando, a alma. Onc entrou em contato com a energia remota de seus ancestrais. Era preciso seguir em frente. Com sabedoria e determinação, todos os problemas seriam combatidos.
Se os homens pudessem pesquisar as grandes montanhas de lixo plástico, poderiam agir com sensatez, achariam o tempo que o Oceano levou para acumular suas porcarias, como vem agindo para tentar se limpar e ficar livre desta profunda chaga, que cheira a egoísmo e falta de inteligência. Não basta rasgar  toda a Terra, buscando petróleo, ainda tem que deixá-lo jogado, nas águas do mar. Quem sabe, os continentes não acabem afundando com a erosão interna? E o homem seja obrigado a viver sobre as montanhas de lixo, sendo a fauna que vai digerir tudo isso, passando de predador a decompositor. Quem sabe?
Linna recebeu a amiga na praia. Onc precisava desabafar..!!Contou toda a aventura, sem omitir um detalhe...!!
Plataforma

            A foquinha Onc estava super feliz , por  ter pegado a primeira corrente marítima gelada do ano e ter regressado ao Rio Grande do Sul, assim, escapou do degelo da plataforma na Antártida...!!
O calor estava, definitivamente, mudando o mar...!! Para muitos animais, isso seria um grande problema;  uma larga e rápida transformação, como essa, atingia a vida de todos. Marés, temperatura da água, reprodução, alimentação... Tudo tendia a ser mudado!
            Cada geração que passa sobre a Terra enfrenta um grande desafio; guerras, ideologias, pestes.... A nossa, pensava Onc, teria de lidar com as conseqüências da ação do homem... O conforto e a riqueza trazidos pelos progressos científicos estava causando um grande desequilíbrio na vida. Seria o homem capaz de reverter esse processo?Seria capaz de se reinventar e mudar...?? Mãe Natureza estava fazendo o que toda a mãe, ás  vezes, tentava fazer... Cobrando responsabilidade, e aplicando palmadas no bumbum... De todo o mundo.
Onc sabia o que deveria fazer.Comer bastante, para guardar energia e procurar ter  seus filhotes, assim, talvez sua espécie continuasse a existir. Não se achava pronta para isso, mas... Era preciso... !Passou a pensar em um lugar bom, para procurar um companheiro: Ilha dos Lobos, Rio Grande, Lagoa do Peixe... Qualquer lugar onde houvesse respeito á Vida. Existiria, ainda, um lugar assim???Pensava Onc, mergulhando e seguindo a maré.












A turma de Onc
Essa época do ano a Ilha dos lobos contava com poucos habitantes, o porto de Rio Grande estava lotado e a Lagoa do Peixe desértica, muitos peixes estavam morrendo de sede, já que a seca estava castigando a região. Onc andava perdida de um lado para o outro até que encontrou um grupo que vinha do sul... Focas, Leões Marinhos e Toninhas nadavam e brincavam no mar. A alegria reinava entre eles. Piruetas, manobras radicais e rachas no fundo da água deixaram a foquinha espantada. Não estariam preocupados com o futuro?
- O futuro a Deus pertence! – respondeu Mouppu, uma jovem foca macho. A natureza sabe o que faz... Se o gelo caiu, é porque isso era o melhor que podia acontecer... Como você se chama?
- Onc! – respondeu entre os dentes, não gostou muito do jeito dele- Vocês chegaram a ir a Antártica?
- Não! Estava muito doido aquilo lá... Tinha uns caras espiando... Esperando o gelo cair... Dizem... que... Deixa para lá...
Mouppu nadou com rapidez para a beira da praia, acompanhando as manobras radicais de alguns surfistas. A turma estava indo para a Ilha dos Lobos e Onc decidiu ficar com eles.
Uma frente fria colocaria as coisas no lugar... Muitas focaquinhas estavam para nascer. A colônia levava a vida normalmente. - As mudanças fazem parte da evolução- dizia um velho leão marinho sentado entre os molhes – Devemos continuar brincando e nadando...
As ondas estavam radicais, um convite para nadar. Onc ficou pensando se o deslocamento do gelo não provocaria a formação de ciclones e ressaca no mar. Bem... Descobriria na próxima lua cheia... Até lá, comeria muitas sardinhas. Mouppu contou muitas histórias sobre pescarias e desafios da sobrevivência no mar, conquistando a afeição da foquinha aos poucos... Segundo ele os humanos existiam para transformar o planeta, essa era uma teoria conspiratória do fundo do mar. Eles viviam enfrentando a natureza... Tentando dominá-la, com tecnologias que vinham, acredite se quiser, do tempo que moravam em cavernas... A natureza reagia e assim a matéria prima ia ganhando novas formas... As florestas ganhavam novas sementes, já que eles circulavam pelo mundo todo, levando coisas em seus sapatos e rodas e asas metálicas... Os animais perdiam alguns espaços e ganhavam outros... Nos últimos anos andavam jogando lixo no espaço... Cápsulas, sondas, cheias de bobagens... Outra coisa!
- Imagina que eles tem um negócio chamado trabalho – disse ele enquanto saltava para pegar um peixe.
- Eu sei! Minha amiga Linna Franco trabalha como estagiária...
- Produzem milhões de coisa, só para poder conseguir dinheiro – Depois gastam milhões desse dinheiro tentando se livrar destas coisas. – É muito doido.... Além de estragar com a vida de muito animal e deles mesmos... Imagina que tem humanos que comem lixo... Que nem os urubus... Só por que não tem dinheiro.
- Não! – Onc estava desconfiada da fala de Mouppu – Eles tem montanhas de comida fresca... Eu já vi... Os barcos passam no mar um troço chamado rede... Floc quase ficou preso numa, uma vez...
- Você conhecia Floc! – Era meu melhor amigo, um carinha muito esperto... só que tinha a mania de ir pra Capão...
Os dois ficam discutindo na beira da praia... A colônia inteira percebeu que logo formariam um lindo casal...
Mouppu acompanhou as toninhas até Imbé. Onc ficou na colônia batendo papo com um velho lobo marinho...
- O homem não tem predador?- perguntou observando os surfistas deslizando nas ondas.
- Tem sim! Outros homens. Mas, não é bom perder tempo com eles, Onc. - Aconselhou o sábio.- Os homens são difíceis de entender... Andam em bandos definidos por bandeiras, mapas e línguas... Entram em conflito por território, poder e dinheiro... Criam períodos longos de medo, depois constroem heróis pacifistas e ícones... Acho que o sistema deles é mais complexo do que o das formigas e das abelhas...
- Lobos marinhos também brigam...
- Brigam. Eu adorava uma briguinha... Em uma coisa Mouppu tem razão a natureza sabe o que faz... Os homens vão existir pelo tempo que forem necessários... Depois vão mudar. Nós também...
- Eu conheço bem o medo - disse pensativa - Aquele negócio que a gente sente no meio de uma tempestade no mar. Ou quando um tubarão se aproxima, com aqueles enormes dentes, como Mouppu contou ontem...
-Tá vendo essa marca na minha nadadeira? Foi um arpão. Escapei por pouco e vi os olhos de um homem assassino.
-O que é isso?
- Um predador de homens... Depois soube que ele foi preso... Isso dá um medo, que você não imagina.

































Mouppu e a maçã

Linna beijou fervorosamente Acauã, a alegria do reencontro saltava em seus olhos. Não sabia como tinha suportado ficar uma semana longe do namorado. Estavam no litoral e brincavam nas areis da praia.
Na água Mouppu se exibia para Onc, os dois celebravam a vida e a natureza. O calor invadia abril, e o mar estava tranqüilo.
A maça recheada de mel, que Sneed havia mordido, soltava boas energias no ar. No mundo mágico os seres ainda podiam sentir a fragrância doce que exalava. Floc navegava por outros mares e Josefina caminhava em outras ruas e parques.
Mouppu conhecia a capacidade destrutiva do homem, sabia de histórias terríveis, de caçadas injustas. Sabia de homens que matavam homens. De comida sendo negada a irmãos. Não entendia a ligação de Onc com Linna e Acauã. Não compreendia essa amizade. Ia contra todos os seus ensinamentos, contra seu instinto de preservação.
- Onc! – disse – Não confie tanto nestes humanos...
- Mouppu, eles são meus amigos. - disse a foquinha com tom apaziguador – Jamais fariam mal algum a ninguém...
Mouppu conhecia o amor pela liberdade, pela aventura, pelo oceano. Mas, não por um ser. Amava Onc, como amava todos na colônia, como amava brincar no sol e comer sardinhas... Mas, não estava pronto para amar o inimigo.
Acauã entendeu de cara a rejeição dele. Linna nadava ao lado da amiga e Mouppu acompanhava tudo atento e arredio. Onc sabia quem eles eram, a amizade que tinham. Não queria brigar com Mouppu e nem deixar os velhos amigos.
Acauã chamou Linna e acenou para Onc, depois fez um gesto amistoso com a cabeça cumprimentando Mouppu. Por mais evoluído que Acauã fosse um instinto de guerreiro permanecia no seu peito. Uma sabedoria ancestral que fazia com que sentisse e visse coisas quase imperceptíveis. Um guerreiro do bem, alguém capaz de apaziguar conflitos e avaliar uma situação.
A desconfiança da foca macho era fundada em anos de rivalidade e num forte instinto. A amizade entre eles só faria sentido quebrando alguns estigmas e superando barreiras invisíveis..
Mouppu levou Onc para a Ilha dos Lobos. Acauã convidou Linna para tomar um sorvete. A trégua silenciosa não foi identificada pelas meninas. Os olhos de Mouppu e de Acauã trocaram um código mudo, a relação entre eles seria de respeito, não de aproximação.
Um forte vento varreu a areia, um friozinho leve veio com a noite e as estrelas tomaram conta do céu. Acauã achou Linna mais bonita do que nunca... Observo-a conversando animadamente sobre a exposição que visitara, sobre a beleza das telas. Mal sabia de sua própria beleza e essência, estava feliz por ter Linna a seu lado.
Mouppu entendeu a grandeza de Acauã e foi conversar com o velho lobo marinho que estava mais uma vez acomodado placidamente entre as pedras.
- Há homens de bom coração! – disse enigmático o ancião - Mas, são muito raros... Mais raros do que sereias...





A volta
Tudo aparentava uma profunda tranqüilidade. Linna quis voltar para a praia; gostava de caminhar, na areia molhada pelo sereno da noite..!!
_ O mar parece mais misterioso ainda...! Disse, olhando para o oceano.
Uma luz brilhante indicava que alguém navegava na costa.
- Engraçado... - disse Acauã – Lembrei de Celeste e Lodo... Nunca mais encontramos os dois...
Linna sorriu e comentou:
- Parece que estou ouvindo Sr. Tempo dizendo: “São  seres universais, que vivem, além da Terra. Mas...Estão sempre conosco. Nunca deixaram de estar aqui  ou em qualquer outro lugar. São forças cósmicas que assumem a forma que podemos ver.  Muito sinistro... Pensar que compartilhamos a força do universo... Com outros seres. Outras energias. Outras formas...!! Sinto-me presa, vigiada...!!
- Eu me sinto livre... Único! E, ao mesmo tempo, uma partícula...
- Como assim??
-Sei lá...! Existe algo muito, muito maior, e somos parte disso. Nossos conflitos são pequenas reproduções de coisas que já aconteceram;  nossas idéias e pensamentos são ondas de informações,  de outras coisas, mais abrangentes...
- Então, por que as coisas ruins não cessam?
- Elas cessam... No momento, em que a gente aceita que cessaram .Mouppu não gostou de nossa amizade com Onc... E ele tem razão... Ele é um guerreiro, um caçador e uma presa. Ele usa um padrão: homens são caçadores, inimigos, uma ameaça. Eu já vivi tempos muito difíceis, em que faltava comida e  terra para a aldeia. Estávamos sem rumo, sem perspectiva e, depois, tudo foi passando, se acomodando.Aceitamos as mudanças e, principalmente, compreendemos a Evolução. Crescemos como povo, com dignidade e sabedoria. Nossos irmãos que nascem, hoje, têm outros desafios. E muito, da angústia que nos assolava, tornou-se a energia para a transformação...
- Você acha que os problemas, que o planeta vem vivendo, vão ser “a força motriz” para melhorar?
- Acho! E também acho que isso tudo tem de acontecer...
Naquela noite, Mouppu foi atingido por uma hélice do navio, que cortava a costa. Onc procurou Linna, mas foi Acauã quem entrou no mar, para socorrê-lo.
Celeste e Lodo apareceram na areia...
- Histórias de heróis...- zombou Lodo – Por que as pessoas não pensam em outra coisa. – Duvido que o índio consiga acalmar aquela foca maluca...! Além disso,  uma foca a mais ou uma a menos,  que diferença faz? Linna viu a tristeza, nos olhinhos pretos de Onc... Lodo sabia ser cruel...!!
- Vai ficar tudo bem...!- disse Celeste – Mouppu vai aceitar a ajuda de Acauã... Podemos fazer uma corrente de bons pensamentos...! Vamos?
Lodo afastou-se do grupo... Torcia contra. Onc acompanhou o amigo, estava ansiosa e desorientada.
A água estava gelada e Acauã não sabia exatamente o que fazer... Mouppu urrava de dor e estava cansado. Entendeu a aproximação, como um desafio... Os tubarões já se aproximavam... O cheiro doce de sangue fresco era um convite.
Acauã precisava tirar Mouppu da água; na areia,  teria mais chances de sobreviver.
-  Mouppu! - disse – Eu venho em paz...!! Vamos para a areia..!!
- Não se aproxime de mim!! – gritou, ameaçador. Mesmo ferido, ele era forte e agressivo.
O amuleto de Acauã brilhou, na luz das estrelas...
Uma ave de rapina_Pensou Mouppu e,  cansado, perdeu os sentidos.
Já era madrugada e tudo estava vazio... Linna e Acauã improvisaram pontos e mantiveram o machucado, coberto pela água salgada. Onc deitou ao lado de Mouppu, aquecendo seu corpo.
Celeste observava, atentamente... Lodo sumiu, com o primeiro raio de sol, no horizonte.
- Não é verdade! – disse Celeste...
- O que? – perguntou Linna.
- Aquilo que Lodo disse...
 Celeste, também, sumiu.
Linna compreendeu que deveria lutar pela vida de Mouppu. Que cada um tem o direito de estar aqui e de viver cada segundo...Aqui!




A nova amizade

Com o sol os pescadores começavam a chegar. Mouppu e Onc precisavam retornar a Ilha dos Lobos.
Mesmo ferido e muito dolorido Mouppu regressou ao mar. Não agradeceu a Acauã, não disse nada. Mas, reconheceu sua ajuda e seu esforço. Uma atitude de reparação do homem para com a Mãe Natureza.
Os dois animaizinhos sumiram no horizonte. O barco que atingiu Mouppu retornava de uma noite no mar. As garças elegantes tomavam as areias da praia...
Linna e Acauã precisavam retornar ao mundo urbano. Bastava colocar o pé no asfalto para sentir a hegemonia da globalização. Mata, serra, montanha, mar, planície, geleira, deserto... Pouco importava... A ação humana estava padronizando tudo. Um fiozinho ou outro de diferença e logo encontrávamos sinais e símbolos da massificação cultural... Estradas, placas universais, outdoor de marcas mundialmente conhecidas lembravam um estilo de vida e uma profunda marca de aculturação... Negando as raízes e particularidades dos povos...
Acauã pisou o asfalto e a aridez do impacto percorreu seus ossos, uma corrente elétrica atravessou seus nervos, como um choque. Levou a mão ao peito e percebeu que algo estava faltando... O pequeno amuleto que o acompanhava desde seu nascimento: uma ave de rapina esculpida em madeira por seu pai. Uma poderosa proteção, que lembrava seu guardião, seu animal totem... Por alguns segundos sentiu o seu mundo ruir...
Linna não tinha como entender isso... O urbano estava impregnado nos seus genes...
As profundezas do mar guardavam um precioso tesouro. Acauã voltou alguns passos e sentado nas dunas observou o oceano... Pediu a Tupã que lhe perdoasse. Pediu a Iara que lhe devolvesse a alegria, a Juriti que se apiedasse de sua alma. Ao Negrinho do Pastoreio, acenderia uma velinha, precisava da ajuda do Guardião dos pampas...
Linna não sabia o que se passava. Acauã não tinha palavras. Ela viu o peito vazio e sentiu... As garças saíram em revoada, assustads pelas ondas que quebravam violentamente na praia. Pesadas nuvens acobertaram o sol e o vento poderoso zuniu...
Mouppu sentiu um aperto no peito... A dor de Acauã...
Onc não entendeu quando ele resolveu voltar a praia, estava fraco e a rebentação forte. As correntes marítimas revolviam a areia. Mouppu pediu ao Deus do Mar que devolvesse a pequena ave: Acauã.
Mesmo com os grossos pingos de chuva, a rebentação violenta das ondas e as descargas elétricas, Acauã entrou na água. Linna ficou apavorada na areia...
- É só um amuleto! – gritou sem ser ouvida.
As enormes ondas derrubavam Acauã. Mouppu chegou ao seu lado com o pequeno amuleto preso na boca: o mar o havia encarregado de fazer a devolução.
Acauã segurou com força o objeto e aceitou ser carregado por Mouppu até a beira da praia. os dois amigos se despediram sem palavras...
Onc levou Mouppu até a Ilha dos Lobos. Linna levou Acauã para casa...
O mar bravio não permitiu a pesca por longos dias e quem se atreveu não voltou para contar a história...







A lua cheia chegou


Mouppu e Onc estavam preocupados que houvesse ressaca no mar... Estavam esperando a Lua Cheia, mas o mar ficou tranqüilo por aqui, eles achavam que o deslocamento da água ocasionado pela queda da plataforma podia afundar a ilha dos lobos, seu refúgio natural.
Ouviram dizer que em São Paulo a Terra tremeu, estaria isso relacionado com o volume de águas?
Será um longo inverno.
A lua interferia diretamente nas marés, uma coisa relacionada a força gravitacional, Mouppu, não sabia explicar, mas, sentia. Tudo o que acontece no planeta pode ser sentido pelos seus habitantes, ou talvez por suas partes.

Óleo na água.


Onc e Mouppu estavam muito chateados com a mancha de óleo nas águas, muitos pingüins e outros animaizinhos estavam sofrendo com este acidente. Pelo menos o raio que atingiu uma embarcação em Itapuã não havia causado tantos danos. Princesa Li havia enxergado uma grande mancha em sonhos, achou que seria na lagoa, mas Graças a Deus não foi.
Um dia ainda vamos nos adaptar e essa coisa chamada óleo, pensou Onc, Mouppu já queria mobilizar as forças dos animais para conter estes abusos da humanidade.
Linna e Acauã, assim que souberam dos animaizinhos doentes, foram para o litoral, ver se tinha como ajudar.
Foi a primeira vez que Mouppu e Acauã se reencontraram. Os dois sabiam que o derramamento de óleo tinha sido fruto de um “acidente”. Lembraram de Linna dizendo o plástico em si não é um mal ou um bem, só é plástico. O óleo era algo anterior ao plástico, que antes dormia sossegado no interior da Terra. Por que será que a humanidade tinha ido até lá e transformado petróleo em óleo, em plástico?
Mouppu achava que era por pura burrice. Acauã, dotado de um conhecimento ancestral, achava que era parte do agora, do homem de hoje. Linna tinha para si que era uma parte da própria evolução.
E os pingüins mortos? Mártires?
Acauã encarou com firmeza o olhar de desaprovação de Mouppu, a foca macho tinha razões para reclamar.
Onc agiu! Conduzindo os pingüins até a areia, foi indicando para Linna os que estavam mais fracos. Enquanto Princesa Li averiguava as conseqüências do naufrágio em Itapuã. (texto publicado dia 21/07/2008)
O óleo e a água dividiam uma parte do oceano sem se misturar. Sem culpa! Apenas co-existindo.


Josefina 17



A visita ao Jardim Botânico fez Linna escrever sobre as fadas e seres mágicos que habitam a Natureza. A mágica é uma das coisas que mais fascinam as pessoas, ela escreveu sobre o encanto de estar em contato direto com as plantas, com a terra, com o ar puro e com a água. Criou uma invasão de fadas ao Jardim botânico no apagar das luzes artificiais.
Descreveu a saída dos guardas, a entrada do silêncio e o soar dos primeiro sininhos. Depois a tomada das cores, a festa das flores: a vida nascendo e renovando até o alvorecer. Linna sabia do frio e das dificuldades dos moradores de rua e projetou um mundo sem fome, sem desamparo, sem injustiça. Um mundo de fadas e mágica.
O despertador tocou avisando que ela deveria acordar, sem saber que o texto tinha lhe tirado mais cedo da cama, pela urgência.
Já não fazia frio e sim um calor molhado. Comeu granola com iogurte e foi correndo para a faculdade. Hoje tinha que pagar o aluguel do JK, a luz e o cartão. Ficaria com um quinto do valor recebido no estágio para viver um mês. Comida: R.U. , sábado e domingo na mãe; transporte: "a Magrela"; Xerox: nem pensar. Cortar o cabelo: só se entrar um extra...
Opções de Extras: Babá, vender lanches, fazer recepção em festas, Pentelhar o Armando para deixar ela fazer algumas fotos... Sem dúvida, opção 4.
Até mais... Ou tem um Extra ?

quinta-feira, 31 de agosto de 2006
Linna passou a semana inteira na boa. Pagou todas as contas, escreveu um monte, fez os trabalhos e sexta: Saiu para dançar com o pessoal da faculdade. Ela dançava qualquer coisa, mas preferia rock.
Chegou em casa quase amanhecendo, exausta! Tomou uma ducha com sabonete líquido de maracujá, para descansar a pele. Um suco de acerola para repor os sais minerais.
No outro dia quando foi a feira encontrou com Josefina, ela lhe acenou entusiasmadamente, estava procurando geléia de mirtilos, uma excentricidade, mas que certamente encontraria.
Ela convidou Linna para acompanha-la até em casa. Tinha adorado a montagem e queria um novo trabalho. Entrar na casa dela era como fazer uma viagem no tempo era tudo muito limpo e bem organizado, mas muito antigo, os móveis, tapetes, enfeites, eletrodomésticos. A TV... Parecia um dromedário, enorme, com pequenos pés de madeira e dois calombos que deviam ser as antenas. Detalhe funcionando.
Em cima da geladeira havia um pingüim de louça grande e dois menores. Na porta do corredor havia um cartaz do tamanho real de um toureiro, por todos os lados havia figuras, cartazes e menções a filmes e musicais. Descobriu que a centenária Josefina tinha sido uma bailarina famosa.
Ela parou olhou fixamente para Linna e perguntou se ela não estava namorando.Linna ficou surpresa e respondeu que no momento só tinha rolo. Contou que tinha um namorado, mas que ele tinha conseguido um estágio no Canadá e seguido seu rumo... Agora ela estava dando um tempo, estava mergulhada na faculdade, tinha adoração por escrever e também por fotografar, estava experimentando.
A visita foi muito legal. Principalmente pela vitalidade dela, pelo pensamento positivo...
Linna estava nas nuvens... Passeou e decidiu ver os pais. Sentiu uma coisa que seria mais bem definida por saudade...
terça-feira, 29 de agosto de 2006
As fotos ficaram divinas, Armando gostou muito do profissionalismo de Linna:
- Só não entendi estas. Pode me explicar?
- Sim, Senhor. A Josefina que pediu, disse que o marido era navegador e que ela adorava o rio, o por do sol, os barcos, iates e tudo o que lembrasse ele.
- Bom. Nesse caso você está desculpada, até por que ficaram maravilhosas.
- Sabe que eu tive uma idéia.
-Qual? - Fazer uma montagem com ela no centro e estas fotos compondo o fundo como se fosse um folder, acho que ela ia gostar.
- Faz.
- Eu vou fotografar o cartão que ela me deu. Uso como base.
- Vou acertar contigo hoje, o negócio foi ótimo, vou fazer um "lastro" para o estúdio. Tânia a neta dela escolheu todas as fotos e pagou em dinheiro. Quem dera todos os meses entrasse um trabalho assim.
- Sabe o que eu mais gostei, da alegria e da simplicidade dela. Me fez ver a vida por outro lado.
- As pessoas mais velhas já passaram por quase tudo. Imagina um século de história pessoal, o que ela lá não viu acontecer?
- Sei lá, eu nos meus dezenove já me acho muito esperta.
- Então espertinha, vamos continuar que tem muita foto para dar acabamento...
segunda-feira, 28 de agosto de 2006
Linna adorou a festa de Cem anos de Josefina, o clima era de alegria e abundância. A senhora pediu que não lhe trouxessem presentes e sim que cada um doasse uma quantia em dinheiro que foi entregue para o pároco. Ele daria integralmente
para uma creche carente.
As pessoas estavam muito bonitas, bem vestidas, perfumadas. Havia muita harmonia no ar, Linna trabalhou muito, sempre sob o comando e a supervisão de Armando.
O almoço foi servido a francesa, tudo com muita calma e elegância. Ela e Armando almoçaram lá pelas duas, ficou apaixonada pelo cardápio: saladas, camarões, linguado, filé ao molho de nata e arroz com nozes e trufas. Como sobremesa sorvete de amora com cobertura de licor de chocolate.
Josefina ao final já estava cansada e pediu para que Linna fotografasse o rio e as embarcações. Contou que o marido era apaixonado por navegação. Estava viúva a vinte e quatro anos. Depois de cinqüenta e sete longos e felizes anos de casamento.
Contou para Linna que logo que ficou viúva decidiu dividir os bens entre os herdeiros, vendeu uma casa grande na qual morava e comprou uma bem pequena, o restante do dinheiro colocou em uma caderneta de poupança, abriu mão de todo o resto, ficando apenas com sua aposentadoria, de professora universitária, e um pecúlio do marido. Os filhos gostaram muito, evitou conflitos e disputas por dinheiro. Mas com o tempo uns ficaram melhor de vida que os outros e começaram a se desentender. Aos oitenta e cinco anos decidiu dar uma quantia igual para cada filho, o que gerou muitas discussões, pois uns não acharam justo. Para se poupar destas coisas disse que não tinha mais dinheiro guardado. Mas que tinha o suficiente para viver. Viu muitos parentes indo embora, inclusive alguns que hoje estavam aqui, para comer e beber de graça. Ficaram em sua volta só aqueles que realmente gostavam dela. Disse que estava esperando a festa terminar para dar a estes mais uma boa quantia de um dinheiro que já não precisava mais. Perguntou o que Linna fazia, ela descreveu brevemente sua rotina, seus planos, seus sonhos. Enquanto ela falava a senhora sorria, no final entregou-lhe um cartãozinho, a lembrança de seu aniversário, nele estava escrito: "Obrigada por ter estado comigo nos meus cem anos de vida, Senhor!" Linna recebeu o presente e entendeu a mensagem: a fé tinha trazido Josefina até aquele momento. Pediu para Armando tirar uma foto sua com aquele anjinho...




sábado, 26 de agosto de 2006
Sábado. Chovendo um monte! Linna foi almoçar com a família. Seu pai assou um cordeiro inteiro, só depois ela notou que tinha alguma coisa acontecendo. A família toda estava lá, até sobrinhos e primos. Sua mãe lhe deu um longo abraço e disse que tinha certeza que ela não esqueceria.
Não esqueceria? O Que?
Ficou quieta concordou fazendo um sinal com a cabeça e tratou de tentar entender o que estava acontecendo. Bodas de Pratas de seus pais. A sorte tinha batido em sua porta, foi para casa para poupar e fez uma média com todo mundo...
A noite ainda ficou de babá de Neli, a filha da "professora Matilde", prometeu que não mais lhe chamaria de Megera. As duas assistiram filmes de desenho, jogaram video game e comeram muita bobagem... Eram duas e pouco quando o casal chegou, Linna morava perto e o marido da professora levou-a até em casa...

Domingo: Os Cem anos de Josefina.
sexta-feira, 25 de agosto de 2006
Linna saiu da faculdade e foi correndo para o Jornal, perdeu o rango no RU, pois a fila estava dobrando. Tinha que encontrar um almoço a 1,80 ou um serviço Extra. Na esquina estava o velho e bom cachorro de 1,00; na padaria podia ser um Farroupilha com café com leite ou ainda tinha o Pastel gorduroso do Manoel , mas seu estômago não ia agüentar, tinha certeza. Optou pelo cachorro.
Trabalhou a tarde toda, depois foi direto para o estúdio ver se o Armando não conseguia alguma ponta pra ela.
- Nada. Ele respondeu.
- Tô fazendo qualquer bico, foto de casamento, aniversário, velório, o que for preciso. Por favor... Gastei muito no cartão, ou eu pagava tudo e ficava sem dinheiro ou ia entrar no SPC.
- Então usa o cartão.
- Nem pensar, aí o mês que vem vai ser a mesma coisa... Vou cuidar da filhinha da Megera, ela vai numa festa e não tem quem fique com a menina, mas é só sábado.
- Não vai chamar a mulher de Megera na frente da criança.
- Nem esquenta, agora que eu já passei naquela cadeira até tô achando ela bem querida.
- Então pára de chamar assim... Bom, tem uma festa de Cem anos. Topa?
- Topo. Quando? - Domingo ao meio dia.
A aniversariante é muito querida. Tem uma missa na Santa Terezinha, depois um almoço no Veleiros.
-Veleiros?
- Pois é. Vai ser uma festa para mais ou menos umas trezentas pessoas. Eu vou precisar de ajuda, um fotografo só não tem como dar conta. Só que preciso que você use uniforme, não fale sobre política, guerra e assuntos polêmicas e não me crie nenhum problema.Certo?
- Certíssimo. - Como eu detesto Morto de Fome, vou te dar vinte de adiantamento.
- Aleluia!!!
Linna sabia que podia sempre contar com Armando ele era um cara do outro mundo, nunca se negava a ajudar um amigo. Ficou mais aliviada de conseguir este bico, Armando pagava muito bem... Seu estômago já estava colando, passou no mercado e comprou o que precisava para um jantar modesto mais consistente: Miojo, queijo, pão e uma barrinha de chocolate.
























A semente18
A turma de Linna Franco reuniu-se, no parque, para comemorar o retorno às aulas, a retomada de projetos e a vida.
Cada um contou um pouco do que havia feito durante o verão, Linna falou algo sobre o  roteiro e a experiência na nova cadeira da faculdade. Acauã falou sobre o Projeto Sambaqui, que Moema havia iniciado e o quanto tinha sido importante para eles. Anderson passou um verão tranqüilo;  Julieta estava morando com uma tia, e ele não havia mais visto a mãe. Mas sabia que ela  estava bem. Oscar e Janete tinham uma grande novidade; em breve, a família aumentaria...!Tadeu ganharia uma maninha. Gi e Andressa estavam de malas prontas para um congresso Internacional sobre Sustentabilidade. Haviam sido convidadas a apresentar a reflexão: Um novo enfoque sobre o trabalho.
Josefina foi a última a falar, estava um pouco cansada, havia passado o verão todo em Torres. Disse que este seria um ano muito especial...A turma estava amadurecida e pronta para novos desafios. Lembrou todos os amigos que haviam conquistado, ao longo das aventuras: A Gralha Azul, Hidra, A Grande Araucária, Onc e Floc, Sr. Tempo, Pirim-Pom-Pim, Princesa Li, o Bugio Faroleiro, O Pelicano Solito, Bibi, Luca e Dora, Briel e a Turma do Lago Tarumã, Areta, Yani, Roca entre tantos outros...!!!
A força do grupo estava na união e no amor. Linna voltaria a fotografar, Josefina deu a cada um pequeno pacotinho de folha de seda, com algumas sementes e pediu que tomassem muito cuidado com elas.
- Devemos plantar? – indagou Anderson.
- Cada um de vocês saberá a hora certa e onde devem plantar a sua semente. Mas o mais importante é que, junto com ela, façam um voto. Uma promes








As sementes de Josefina.
 
Josefina, a Feiticeira Centenária, distribuiu, criteriosamente, os pequenos pacotinhos contendo as sementes. Ela conhecia a mata e seus segredos. Cada semente guardava em si aquilo que era. Seus dias, junto a turma, estavam chegando ao fim e  ela queria que cada um encontrasse sua própria essência. Como as sementes, todos somos dotados de um conhecimento empírico e devemos recorrer a esse conhecimento, nas horas boas e ruins.
Em cada saquinho, havia um pouquinho do futuro do planeta, do passado da mata e do mistério do presente. Ela contou a história da mais antiga semente a brotar: a Tamareira, encontrada em uma escavação no palácio de Herodes, O Grande. Segundo conta a história,  a semente tinha 2000 anos de idade e germinou. (Origem: Wikipédia)
Josefina estava mais serena do que nunca. Linna percebeu e sentiu que a amiga estava ficando com pouca energia. Guardou, com cuidado, seu presente, queria aproveitar bem cada segundo, com ela. 
A Lua Negra.
Assim que anoiteceu, os amigos se separaram. Josefina foi para casa, acompanhada de Anderson. Ele continuava morando nas ruas e vivendo a cidade de uma outra maneira, conhecia cada palmo do parque e todos os perigos da rua. Já sabia exatamente o que faria com suas sementes.
- Vou jogar no vento! – Disse para Josefina.
-Por quê?- Ela perguntou, curiosa.
-As sementes vão se espalhar; um número maior vai brotar, e em lugares diferentes. Eu não tenho onde guardar coisas... É melhor elas se perderem!
E assim, antes de atravessar  a avenida, ele abriu o saquinho e jogou o conteúdo para o alto. Os dois ficam observando a dança das pequenas.
Linna e Acauã caminhavam na  direção oposta, abraçados, aproveitando o presente. Acauã disse que guardaria as sementes. Morava na mata e sabia que não precisava ter pressa. Linna estava angustiada.
- Não tem lua hoje... – Comentou.
- Estamos na época da lua negra – respondeu Acauã- Um dia antes da lua nova. Uma ótima lua para plantar grãos... Para começar coisas.
- Fiquei preocupada com Josefina... Parece frágil, doente.
- O que você vai fazer com suas sementes?
-Acho que vou plantar uma, hoje... As outras... Não sei ainda.
Acauã precisava voltar para Maquiné, os dois se despediram com longo beijo.
Linna chegou em casa e abriu o saquinho, espalhou as sementes sobre a mesa e fotografou. Em seguida, escolheu uma e colocou em um vaso com terra preta, levemente umedecida. Depois,  fez vários envelopinhos, cada um contendo uma semente e com um pequeno bilhete, endereçado para seus amigos. No dia seguinte, postaria pelo correio:
“ Estas são as sementes de Josefina. Cultive com carinho”
A sementinha, aquecida pela terra e estimulada pela força da lua, começou a germinar...Naquele exato momento. Foi absorvendo a água que a terra guardava que começou a crescer. Linna não sabia, mas uma figueira acordava para a vida, no meio do seu apartamento....
O amor
As sementes que Linna recebeu de Josefina foram distribuídas pelo correio, levando um pequeno ensinamento: a esperança na continuidade da vida.
Naquela manhã Josefina não acordou.
"Nas horas graves, os olhos ficam cegos; é preciso então enxergar com o coração". - Saint Exupéry.
Cento e um anos de muita sabedoria, os dias de Josefina neste plano terminavam. A turma se reuniu para prestar uma homenagem de despedida. As palavras sábias da amiga sempre estariam com eles. E as sementes e seus brotos matariam a saudade dela.
Tibiriçá falou a eles sobre a Terra Sem Males, um lugar onde o sofrimento já não existia, onde a mandioca nascia transformada em farinha, a caça aparecia abatida aos pés do caçador. Onde não mais se nascia e morria. Falou de seu desejo de um dia também chegar lá e de sua admiração pelo espírito bom de Josefina. Disse que não era preciso temer, já que os bons espíritos não assombram os vivos.
Ao retornar para casa Linna molhou a terra, alimentando a plantinha que ainda não havia irrompido o solo. O vaso parecia vazio, mas continha a pequena figueira: uma recordação.
Aquele era um dia solene mas não triste. A alegria de Josefina florescia silenciosamente, em vários cantos. Sua sabedoria estava enraizada no coração dos amigos.



A mensagem.
As sementes de Josefina estavam viajando, pelo correio. Na Mata Atlântica, chegou um pacotinho endereçado a bruxinha Sneed,  que continha semente de cravo. A bruxinha tratou, logo,de fazer o plantio...!!A lua era boa. O cravo era muito usado em oferendas e em chás para acalmar a tosse e resfriados. O verão chegava ao fim e a mata começava a se adaptar a nova estação: o outono.Com a  queda da temperatura, algumas árvores perdiam as folhas. Mas tudo ficava muito bonito.
Em Cambará do Sul, Hydra recebeu um pacotinho, contendo, vejam só: uma semente da Árvore Cambará, que também tem um forte poder expectorante. Ela preferiu guardar a sementinha, como um tesouro Na praça central da cidade, havia uma frondosa árvore que era muito reverenciada pelos moradores. Hydra guardaria para o futuro o pacotinho.
Já, em Parobé, chegou às mãos do jovem Leopoldo, uma sementinha de macieira. Ele era um dos produtores da feira municipal da cidade e também comercializava seus produtos, em Porto Alegre e conhecia Linna, Acauã, e Josefina.
“ O que quer que você possa fazer ou sonhar que possa – Comece.
A audácia tem, em si, talento, energia e magia.
“Comece agora” Frase atribuída ao escritor Goethe.
Leopoldo plantou a sementinha, em um pequeno vaso.
Naquela noite, Linna e os três amigos tiveram o mesmo sonho: Josefina, no alto de uma montanha semeava esperança. Estava linda! Seu sorriso estava claro e seu rosto sereno. Ela disse uma frase, só que cada um ouviu apenas uma parte...
Leopoldo acordou, sobressaltado, correu para anotar a parte que lembrava: mistério e das sementes. Linna ficou com: elas guardam. Sneed memorizou cuide das  e Hydra lembrou da Vida Eterna.
Sábado, amanheceu chovendo, mas, mesmo assim, todos estavam no parque da redenção. Linna foi logo contando o sonho, disse que lembrava claramente de tudo. Sneed estava disfarçada de Atlântica, Hydra usava uma boina, para não deixar, á mostra, seu lindo cabelo de pequenas flores. Leopoldo começou a falar sobre suas anotações. Mas, foi Francisco quem conseguiu juntar as partes: “Cuide das sementes, elas guardam o mistério da Vida Eterna”.
Linna!Linna!Cuide das Sementes!!Elas guardam o mistério da vida eterna!!!-Disse Bibi, uma linda e alegre borboleta de asas douradas, voejando, apressadamente, aproximando-se da turma.Elas precisam do amor de cada um de vocês, para germinar...!!!O sol doa sua luz e calor, por amor!A chuva derrama suas gotas sobre as sementes, por amor, também!!E vocês devem acompanhá-las, suprindo a falta deles, também, como uma prova de amor á mãe Natureza!!!Farão isso, não é mesmo???Conclui, ansiosa.
Linna olhou sorrrindo, para Bibi. Não conhecia outro ser mais ansioso e alegre do que ela...!!!
Obrigada, Bibi, por nos mostrar tudo isso....!!!Onde você tem andado?Não a tenho  visto mais...!!!
No  jardim de Mona, aquela linda menina de cabelos cacheados e olhos esverdeados, que encontrei...!!!Ela pediu que eu viesse dizer isso, que a Mãe Natureza está sofrendo, pela falta de amor dos seres humanos !!!E está pedindo socorro, para pessoas como vocês!!!Géa, a menina azul, também está triste...!!!Eu ouço o pranto e os soluços dela, todos os dias...!!!Dói meu coração!!!Por favor, Linna, faça alguma coisa pra alegrá-las...!!!            
Estamos fazendo,Bibi!!!Mas uma andorinha só não faz verão...!!!Estamos tentando conscientizar as pessoas de que tudo está interligado; o que fazemos ao nosso semelhante ou á Mãe Natureza, voltará, sem dúvida, para nós...Seremos cobrados pelo que fizermos de bom ou de ruim, nesse Planeta.A qualquer ser...A qualquer criatura...!!!
Ah,Linna, como é bom ouvir isso, ainda mais de você!!!!Puxa, estava ficando assustada, com tantos acidentes acontecendo...!!!Ora, chove demais, ora, o estio se prolonga, ora, os ventos se enfurecem, ora, a Terra treme...!Tudo isso é sinal de que a Mãe Natureza está sofrendo com tanta falta de amor!!!Retruca Bibi, séria, batendo rapidamente, suas asinhas douradas.Ah, Géa pediu para eu lembrá-los,mais uma vez: Todos Somos Um...
                       
 
 















A macieira 
A sementinha que Leopoldo recebeu, pelo correio, crescia,em um vaso, dentro da estufa. O nascimento de uma nova vida era sempre...Emocionante. Enquanto regava as plantas, ele lembrava de seu doce preferido: Strudel de Maçã, uma tortinha de massa folhada, recheada com maçãs e canela e salpicada com uma fina camada de açúcar de confeiteiro.
Um grupo de contadores de história havia visitado a feira do produtor; uma menina linda vestida de Branca de Neve distribuía pequenas folhas coloridas, em formato de maçãs, falando sobre as propriedades benéficas  que a fruta tinha para a saúde. Isso aumentou ainda mais a sua vontade de fazer uma pequena visita á  vó Herta...! Ela preparava strudel, como ninguém!
Passou na fruteira e comprou todos os ingredientes, menos as maçãs, já que tinha uma macieira, no fundo do quintal dela. Vó Herta fazia, há muitos anos, uma forma de plantio...Diferente. Ela cultivava, hortaliças, flores, árvores, tudo: “junto e incluído, como gostava de dizer. Hoje, os ambientalistas chamam isso de permacultura.
Leopoldo encontrou Vó Herta,  no jardim colhendo figos. Os últimos da estação. Ela ficou muito feliz em vê-lo... Logo, foi abraçando e beijando o neto.
- Leopoldo!... Bem que eu estava precisando de uma ajudinha... Parece que você caiu do céu.
- O que a senhora precisa? – perguntou ele, enquanto largava o pacote sobre  uma mesa de pedras.
- Colher algumas maçãs... Elas estão muito altas, eu quero preparar um strudel e não consigo pegar... !
- Deixa comigo!
As frutas estavam bem no topo da árvore e ele teve que subir no tronco, para poder colher.
– Hoje na feira tinha uma moça falando sobre os poderes da maçã.
- A maçã é maravilhosa para a voz; quando eu cantava no coral, sempre comíamos uma, antes das apresentações, limpa a voz...
Os dois caminharam pelo pátio. Leopoldo carregou uma cesta de vime grande cheia de produtos fresquinhos: figos, maçãs, funcho, hortelã, milho... Vó Herta fazia a feira no quintal de casa... Como ela era sozinha,  o excesso da produção era distribuído entre os vizinhos e doado para o asilo.
A casa dela tinha duas cozinhas: uma, sempre arrumada e limpinha, para os dias de festa e outra, na qual passava a maior parte do seu tempo. Um fogão a lenha, um fogão a gás, o freezer, a geladeira, um rádio e uma televisão, era tudo o que precisava. Um aroma maravilhoso estava no ar. A pia ficava ao lado da porta, tudo muito prático e bem colocado, com os utensílios e mantimentos guardados, num enorme armário embutido com pequenos coraçõezinhos esculpidos na porta.
Vó Herta ao ver as compras de Leopoldo,  logo, adivinhou o que ele queria. Colocou uma chaleira, com água, para esquentar e retirou, do forno, um strudel de maçã  que havia preparado pela manhã.
- Nossa!!! Que maravilha! – exclamou o jovem – Acho que a senhora leu meu pensamento. – Disse brincando.
- Eu queria que Atlântica e Hydra estivessem aqui... Sábado, na feira de Porto Alegre ,eu falava sobre as maravilhas que a senhora fazia na cozinha. Elas ficaram loucas para conhecê-la.
- Quem são elas? Que nomes estranhos elas tem...
- São minhas amigas, na verdade são ... – Leopoldo não sabia se deveria ou não contar para a avó que elas eram uma bruxinha e uma fada. O que ele nem sonhava  era que o verdadeiro nome de Atlântica era Sneed _ São adoráveis... Queria que elas estivessem aqui. – repetiu baixinho.
- O chá está pronto.
Quando Vó Herta cortou a torta, a campainha tocou. Eram Hydra e Sneed. Elas haviam ouvido o chamado de Leopoldo. Para bruxas e fadas, estar junto de alguém é muito fácil, basta  somente....Desejar.
O fascínio da maçã
Vó Herta serviu chá de camomila com as fatias de Strudel de Maçã. Leopoldo, Hydra e Sneed estavam maravilhados com o sabor e a textura do doce. Conversavam animadamente enquanto comiam. Hydra não deixou de notar o jardim da casa, havia uma paz e uma harmonia muito grande ali. Sneed sentia-se muito a vontade, a construção em formato de chalé lembrava as antigas moradias típicas das bruxas medievais.
Com uma faquinha bem afiada Vó Herta descascava as maçãs recém colhidas por Leopoldo, o sumo da fruta soltava um aroma delicioso.
Sneed lembrou de seus ensinamentos e do quanto à maça era reverenciada nos meios mágicos. Muitas histórias atribuíam a ela um significado ruim.... a fruta proibida que tirou o homem do paraíso; a maçã envenenada pela bruxa má na história de Branca de Neve... E muitas outras. Mas, nos ensinamentos mais antigos, ofertada com mel era o símbolo da sublimação do amor. Era usada para trair prosperidade e bonança. Na medicina era usada para limpar o organismo, cuidar da garganta, emagrecer e muito mais.
- A maçã é uma fruta que sempre fascinou as pessoas – disse Vó Herta, olhando na direção de Sneed – Acho que por sua beleza e sabor...
Hydra percebeu a troca de olhares entre as duas, as fadas são muito sensíveis, resolveu convidar Leopoldo para passear um pouco no jardim... Vó Herta queria conversar sozinha com Snned.
- Snned! – perguntou, um pouco sem convicção – Você trocou de mundo?
- Não! – respondeu espantada – Apenas aprendi a lidar com as pessoas, tenho um amigo, Francisco, que me ensinou a ler... Ele está sempre preocupado com a mata e conseguiu, junto com muita gente, criar uma reserva lá onde moro. Mas...
- Eu sou Ghuam!
- Vossa excelência me perdoe... Nunca imaginei...
Sneed baixou o olhar em sinal de respeito. Estava diante da bruxa mais poderosa do seu mundo. Era muito temida pelas bruxas más e por aqueles que usavam a feitiçaria de forma errada.
- Você não podia saber... Calma!...
- E Leopoldo? – perguntou – Ele sabe?
- Não! Ele não é bruxo, adotei sua mãe quando era muito pequenina. Estou aqui combatendo o envenenamento das águas e acompanhando o mau uso da antiga alquimia.
- Deve haver um bom motivo para que Leopoldo tenha nos chamado...
Sneed começava a entender que as sementes de Josefina estavam costurando relações, tramando e tecendo o bem.
- O homem está prestes a dar um grande salto de desenvolvimento cognitivo, social, planetário. Como se uma janela fosse se abrir, mostrando um jardim de coisas boas, novos entendimentos, novas formas de ver e agir. Mas, também novas formas de uns ganharem sobre os outros. Infelizmente!
Ghuam disse que Leopoldo e elas deveriam prepara-se para buscar o equilíbrio, como o fiel de uma balança. Registrar, narrar as mudanças e dominar as novas regras do jogo.
- Eles vão receber um aviso... Como vai ser isso?
-Não! As mudanças vão se instalando vagarosamente e muitos não tomam consciência delas. – ela fez um movimento suave com a mão – Passam a zanzar. Tontos... ficam sem saber para onde vão. Sentem-se como se estivessem a deriva. Só alguns vão perceber a grandeza do momento que o planeta vive. Destes, muitos saberão agir bem. E, muitos vão encontrar uma oportunidade de criar medo e confusão e com isso dominar e oprimir os outros.
Leopoldo e Hydra retornaram com uma cesta cheia de flores e chás.
- Atlântica! Hydra queria saber a origem de seu nome.
Sneed estava em apuros, não podia mentir. Mas, também não podia revelar que inventara este nome para aproximar-se de Francisco. Ela podia contar que era uma bruxinha, muitas pessoas estavam revitalizando antigos rituais. Mas, jamais podia revelar seu verdadeiro nome, para ninguém que não fosse de seu mundo. Ser advertida por Ghuam era terrível para qualquer ser mágico. Hydra, observando Vó Herta, logo percebeu quem era ela e fez uma reverencia soltando o perfume das flores de seu cabelo.
- Eu... tenho o nome da mata. – respondeu e logo mudou de assunto – Será que vai chover?
- Leopoldo! – disse Vó Herta – Atlântica me contou que é uma pequena bruxa e que Hydra é uma fada. Eu acredito no mundo mágico.
- Que bom! Eu não sabia qual seria sua reação. – respondeu aliviado – Agora que não temos mais segredos, vamos conhecer a cidade?
Vó Herta precisava terminar a torta e ficou em casa. Antes de ir para o centro, eles passaram no asilo e deixaram os produtos do jardim. Leopoldo foi contando um pouco da história da cidade, dos lugares que gostava de andar e das brincadeiras que fazia. Tudo corria muito bem até que encontraram com duas gangues rivais...
Eles estavam prontos para brigar pelo resultado de uma partida de futebol... Haviam combinado data e local pela internet. Leopoldo conhecia todos, mas, não queria se envolver. Ele era contra esse tipo de provocação estúpida.
Uma chuva se aproximava Hydra e Sneed resolveram interceder e evocaram as forças da natureza para “por água fria na fervura”. Dois rapazes, um de cada lado, gritavam palavras furiosas, os outros, na retaguarda, esperavam o início do enfrentamento.
Sneed mordeu uma maçã recheada com mel e evocou a força do amor. Hydra como um catalisador, puxou a energia elétrica do ar para um poste de madeira e um clarão seguido de um grande estrondo dispersou a garotada. A chuva caiu logo em seguida recolocando tudo no lugar. A cidade ficou completamente sem luz.

Blecaute


O estrondo provocado pela descarga elétrica retumbou pelos céus da cidade. Leopoldo ficou preocupado com Vó Herta. O barulho da mordida de Sneed na maçã provocou ondas no mundo mágico, chamando a atenção de muitos seres.
Aos poucos apareciam pequenos pontos de luz de emergência, velas e lanternas.
- O que vai acontecer agora? – indagou Leopoldo.
- Tanta coisa importante acontecendo no mundo e esses fedelhos iam brigar por um jogo? A falta de energia vai fazer com que se ocupem de outras coisas. Como por exemplo: não desperdiçar energia com bobagem.
- O feitiço da maça, realizado em lua nova, deve levar ao começo de bons projetos, baseados no amor, na amizade e no bem comum. Essa “turma” vai sentir uma enorme vontade de construir coisas boas... Acho que você pode ajudá-los Leopoldo, o susto que levaram vai fazer muitos sonharem esta noite... Eu preciso voltar para a mata - completou, olhando para a cidade na penumbra.
- E eu para o Cânion- disse Hydra – Fiquei muito tempo fora.
Hydra, a fada Hortência estava cansada, evocar forças da natureza podia ser estafante. Como num passe de mágica as duas sumiram... Leopoldo voltou a casa da avó e constatou que estava tudo bem. Depois foi para casa.
Poucas pessoas estavam na rua. A chuva foi ficando cada vez mais forte. Sem energia não havia televisão, computador, som... A impressão que dava era de que não tinha nada para fazer.
Leopoldo foi tomado por um sentimento de vazio. Mas, estava contente. Chegou em casa acendeu uma vela e pegou um livro para ler. Sentiu de subido um gostinho de maçã com mel... Acabou dormindo no sofá.













A energia criativa


A cidade passou a noite as escuras. A energia só foi restabelecida ao amanhecer. Leopoldo acordou com o pescoço torto de dormir no sofá. Tomou uma ducha, um café e tratou de trabalhar. Precisava cuidar da estufa, regulando a temperatura e a umidade. Ele acompanhava todo o processo de produção, anotando o desenvolvimento das plantinhas em planilhas. Tinha duas grandes preocupações, uma era a produção orgânica, sem uso de agrotóxicos e substâncias nocivas a saúde das plantas, da terra e das pessoas. Outra era a produtividade, já que precisava diminuir os custos para colocar no mercado um produto de qualidade e com bom preço. O sistema de produção cooperativo era importantíssimo para isso. Dez outros produtores trabalhavam no mesmo espaço, dividindo despesas, receita e a tomada de decisões. Toda a produção de hortaliças e frutas era vendida em Parobé e nas imediações, o que evitava que os produtos “viajassem” consumindo energia no transporte. Já as compotas e doces eram distribuídos em mercadinhos e vendidos na feira de sábado em Porto Alegre.
Surpreendentemente a sementinha que havia recebido já estava brotando. Leopoldo separou uma pequena porção de cogumelos para levar para sua avó ela gostava de consumi-los frescos. Quando viu já era meio dia... Boa hora para levar os cogumelos, pensou...
- Olá... ! – disse Vó Herta - Esses cogumelos serão ótimos para acompanhar a batata recheada que preparei. Almoça comigo?
- Se não for incomodo...
Ela pegou o pacotinho e colocou o conteúdo em uma bacia cheia de água. Logo em seguida pos uma panela de água a ferver com sal e algumas gotas de limão, onde ferveria os cogumelos.
- Imagina!... Gostei muito de suas amigas? Minha geladeira descongelou ainda bem que não tinha muita coisa armazenada.
- Foi um senhor raio que caiu...
- Mas, foi por uma coisa boa... Os garotos andam brigando muito... Hoje no centro era só no que se falava.
- Eu não soube de nada... Passei a manhã na estufa... Dividimos as tarefas e mesmo assim tem sobrado pouco tempo.
- O Ministério Público descobriu que a meninada anda se “prometendo” pela internet... O pai de uma menina foi quem fez a denúncia e, fez bem... Hoje uma comissão do Conselho Tutelar acompanhada de um promotor convocou uma reunião lá no ginásio, com pais, alunos e professores. Vão fazer uma ação preventiva.
- Essa eu quero ver...
- Você vai ser convocado... Disseram que estava lá na hora que o raio caiu, com duas amigas...
- Mas, eu só estava passando, não fazia parte da briga...
- Eu sei disso. Mas, como explicar onde suas amigas foram se não havia mais ônibus e elas não estavam de carro... O boato é de que simplesmente sumiram... Tem uma foto de Hydra tocando o poste de madeira, com os cabelos cacheados em pequenas flores azuis e rosa... E Atlântica ao lado dela mordendo uma maçã... A segunda foto mostra o poste torradinho e elas paradas. Depois só o poste.
- E essa agora? – Leopoldo ficou preocupado – O que digo?
- Que ficaram assustadas e pegaram uma carona... O que elas te disseram
- Que o susto que a galera levou com o raio ia despertar neles uma vontade de criar coisas boas.
- Uma energia criativa... – disse Vó Herta - Muito bem! No fundo acho que vai dar tudo certo... Não se preocupe.
Enquanto aos dois almoçaram Leopoldo recebeu uma ligação da escola convidando a fazer parte da reunião. Por sorte havia falado com Vó Herta e estava preparado. Precisava falar com Hydra e Sneed. Elas já sabiam de tudo.

Rusgas

Leopoldo e Vó Herta participaram da reunião convocada pelo Ministério Público, ficou combinada uma ação preventiva: “O Dia da Amizade” . Com atividades culturais, esportivas e sócio-educativas. Leopoldo ficou responsável por fazer uma reflexão sobre o uso da Internet. Usou como recurso uma história em que a Personagem Branca de Neve fazia uma paralelo entre esta ferramenta e o seu antigo e esquecido “Espelho Mágico”. O quanto o homem sonhou e projetou uma realidade que hoje temos ao nosso alcance.
Hydra e Sneed vieram participar das atividades, alegrando o encontro com a “experimentação” de ervas e plantas medicinais. Trouxeram muitas sementes e mudinhas de flores, árvores e ervas.
Vó Herta ensinou a sua famosa receita de Strudel de Maça.
Linna e sua turma vieram prestigiar o evento, ela aproveitou para fotografar tudo...
No fim as turminhas de brigões aprendeu a conviver e cooperar, a partida de futebol festiva acabou em um amistoso empate...
























Cinzas do vulcão
Linna Franco estava pronta para conhecer a Cordilheira dos Andes. Participaria da produção de um documentário sobre um vulcão que desapertara e estava em plena atividade.
Celular devidamente habilitado para funcionar em outro país, cartão de Crédito, mochila e muito otimismo faziam parte de sua bagagem - era o que Linna pensava, entusiasmada com a nova aventura.
Linna chegou ao aeroporto, às 3:30 h. Anelise, a repórter do grupo, falava sobre suas expectativas em relação a viagem: Quantas vezes, as pessoas também não expressavam seus sentimentos com a intensidade de um vulcão??Aliás, isso só acontecia, porque deixavam seu Vulcão interior, completamente fechado, enquanto, lá dentro, as lavas e o magma das emoções fervilhavam, borbulhavam, querendo extravasar, para poder, novamente, voltar ao seu estado de dormência e quietude...!Demonstrar sentimentos não era devastar tudo; era expressar e comunicar o que cada um tem em seus próprios Vulcões...!!! Tudo é movimento...!!! Tudo que começa, um dia, também, acaba!!!
Linna ouviu atentamente a amiga; era bom ver as coisas por esta perspectiva. Lembrou das cinzas sobre o capô dos carros. Imaginou os rios de lava correndo, no interior do planeta. Caminhamos sobre uma bola incandescente – pensou. Linna era fascinada pelo fogo, achava belo e misterioso.
O vôo transcorreu sem maiores problemas. Além de Anelise e Linna, a equipe era composta por Ronaldo, o cameraman, Daniela, colunista de um diário e de Tânia, que cuidaria de toda a parte administrativa e dirigiria o documentário.
Cinco horas de Jipe por estradas acidentadas, completaram a jornada. As cinzas voavam por toda a parte e um grande bloco de fumaça saia da abertura do vulcão, cobrindo o céu... A vista era um espetáculo! Estavam cansadíssimos, mas as fotos e gravações começaram imediatamente. Linna queria colher a primeira impressão que estava tendo. A vegetação rala coberta de cinzas, a fumaça deixando transparecer a vida interior da terra, seu suor, sua transpiração. Um ar de abandono e “susto”.
Muitas pessoas ainda estavam lá, orientadas por autoridades, mantinham uma distância segura. Linna estava explorando a paisagem quando uma lhama branca se aproximou dela.
- Atchim!
- Saúde – respondeu Linna – Você está bem?
O animalzinho espirrou, mais duas vezes, e lágrimas pareceram correr no canto de seus olhos.
- São as cinzas! Vocês estão chegando agora...! Protejam seus rostos, a poeira já está baixando, mas ainda é perigoso...!
Linna cobriu o nariz, com a gola da blusa. Os outros acabaram fazendo o mesmo por imitação. Não tinham pensado nisso, assim que chegassem a pousada procurariam lenços e mais informações.
- Como você se chama?
- Che-ma – Você é Linna Franco?
- Sim! – Como você sabe?
-  Um passarinho soprou no meu ouvido.
Che-ma estava com o pêlo bem longo, o frio era intenso e uma garoa começava a cair, com mais intensidade.
- Uma nevasca! – disse a lhama - Isso vai ser ótimo. Assim as cinzas param de flutuar e caem no solo.
- Posso fotografá-la?
- Claro – respondeu vaidosa – Pega o vulcão?
- Sim!... – Linna tirou várias fotos da nova amiga...- Nós vamos para a pousada agora..Onde posso encontrar você?
- Eu trabalho na pousada. – respondeu. Não existem lhamas livres nesta região. Provavelmente, vou acompanhar o seu grupo... – Vocês vão se aproximar do Vulcão?
- Sim! Temos uma autorização para fazer um documentário...
As duas foram caminhando lado a lado, a equipe estava tão embevecida e cansada, que nem notou que Linna falava com um animalzinho.


Perdida na neve.

Che-ma andava seguindo os sulcos que formavam a trilha. O solo pedregoso das cordilheiras mal aparecia sob a pequena camada de neve. Um guia conduzia a equipe. Linna parou, alguns minutos, para fotografar um grande Condor que voava próximo a eles. Não percebeu que perdeu contato visual com o guia. A lhama resolveu esperar; Linna queria registrar a cor mágica do crepúsculo andino. Mas a noite escura desceu logo e as duas acabaram desviando a rota.
Che-ma sabia o que fazia. Linna Franco devia documentar outras coisas, não aquilo que era evidente. O Invisível, como ela gostava de chamar. Estava em segurança, mas não podia saber disso.
Os outros membros da equipe estavam tão cansados, ao chegarem a pousada, que não perceberam que Linna não estava no grupo. Comeram um caldo grosso, preparado a base de milho e servido com abacate, pão e um maravilhoso vinho, especialidade da casa. Depois, dormiram pesadamente.
Linna e Che-ma chegaram bem perto do Vulcão.
Flauta. Violão. Alegria.. Silêncio. Um profundo e raro silêncio !
Uma pequena de olhos vivos sorria. Olhando para o espanto de Linna. Pernas fortes e roliças, cabelo liso e uma certeza de verdade.
- Quem é você?
- Eu? Linna Franco, a pequena. Ela, apontando para uma velha senhora que cardava – Linna Franco, a mais antiga. Esta canção: Os sons do Silêncio.
Nessa hora, que parece tão tardia, seus amigos dormem, Linna! Dormem e fazem bem. Um dia, acordarão, como o vulcão. E voarão nas asas do Condor e sentirão a aridez do solo como a lhama. Tarde não existe. Você está pronta para: Amar! Incondicionalmente! Como disse o sábio Pelicano Solito.
Agora! Linna, tudo já foi guardado em seu coração! O universo inteiro cabe em você! E isso, não é nada! Simplesmente nada...!
Nada
Olhe o milagre do Vulcão, com suas cinzas e sua majestosa presença... O fogo que arde e fascina. Como se fosse poesia!
Quando voltar para casa, perceba que o vulcão é tão magnânimo, quanto a pequena flor amarela que traz os segredos do mundo, em seu nascer. Em seu viver. Ela acorda, neste momento, na sala de sua casa. Abre-se para a vida.. Ávida!
Com os lábios roxos de frio e as pontas dos dedos duras, Linna não sabia o que estava acontecendo..!Apenas sentia...Paz.E Plenitude.
Nada é extinto e tudo é recriado! Nesse exato momento, você também faz parte de um sonho. Na pousada, Anelise sorria, sonhando que Linna e ela, dançavam, abraçadas, dentro do Vulcão...
A menina chegou mais perto de Linna e puxou-a pela mão. Entraram em uma cabana, onde a avó da menina cardava a pele de uma lhama. Che-ma ficou no alpendre, próximo a porta, precisava descansar.
A senhora serviu um prato de creme de milho quentinho, para ela, e uma caneca de leite de cabra. A cabana era pequena e confortável. Um fogão aquecia o ambiente. Tudo era muito bonito e colorido; havia tapetes e cortinas, tecidas a mão, por todo o lado. Sentado, num banco tosco de madeira, um senhor tocava a flauta que Linna havia ouvido.
- Você errou a trilha!- Disse tranqüilamente – Não tenha medo.
- Obrigada! - Disse, fazendo um sinal de agradecimento - Onde estamos? Vocês moram aqui?
- Moramos! – respondeu a menina – O governo quer que a gente migre. Mas não queremos deixar nossa terra. Quase todo mundo foi embora e os animais ficara sozinhos: cães, gado, lhamas... Eles vivem na companhia das pessoas, há muito tempo; não sabem procurar comida, água.... As cinzas estão cobrindo os campos, junto com a neve! Eu sou Maria, esta é vó Consuelo. Aquele é Amaru.- disse olhando com muito respeito para o senhor.
- O que ele está fazendo? – Linna sussurrou para Maria ..
- Conectando-se com as forças do universo...!!!Você nunca tinha visto?
Amaru usava um colorido agasalho, enrolado ao corpo, e entoava uma cantiga, enquanto queimava ervas no fogo e movia o tronco para frente e para trás num ritmo constante. Linna entendeu que orava e, sem perceber, caiu no sono.
Consuelo acordou-a, assim que o sol nasceu, serviu um chá forte e biscoitos redondos. Maria ainda dormia e Amaru tratava de Che-ma.
- Você deve ir !– Basta seguir os sulcos; a neve foi fraca e a lhama vai conduzi-la, em segurança. Não conte a ninguém sobre nós. Não queremos ser encontrados! Cuide-se!! Nunca deixe o desalento tomar seu coração... Conte para os povos sobre a beleza dos Andes e a sabedoria renovadora do Vulcão. Sua amiga repórter disse que tudo se transforma... Palavras de muita sabedoria, para alguém ainda tão jovem!
- Mas não é perigoso ficar aqui?
- Amaru sabe o que faz; jamais colocaria Maria e eu em apuros. Nós confiamos em nosso líder. Em quem você confia, Linna?
- No amor! – respondeu sem pensar - Obrigada, Vó Consuelo!
Virando-se, chamou Che-ma, que já estava pronta.
- Não quero que notem minha ausência. – Linna queria falar com Amaru, mas entendeu que seu silencio era precioso e parte de sua pessoa, ela tinha aprendido a respeitar isso. – A senhora entrega isso para Maria? – Linna alcançou, para a senhora, a pequena flor que havia ganhado de seu namorado, Acauã, quando se conheceram. Era a única coisa significativa que tinha, mas soube que ela receberia com carinho e que não precisava mais daquele símbolo do amor de Acauã por ela, pois o sentia profundamente enraizado em seu coração.
Olhando-a, serena e carinhosamente, vó Consuelo abraçou-a e sorriu. Nos seus olhos Linna percebeu um profundo respeito pela vida. Estavam bem mais longe da pousada do que imaginavam, e muito longe do vulcão. Chegando ao topo da montanha Linna teve uma grata surpresa: estavam próximas de uma praia do Oceano Pacífico. A paisagem era simplesmente deslumbrante.
- Che-ma! Eu não esperava por isso – Como é lindo!
Próximo a praia aparecia a cidade abandonada, com as ruas vazias tomadas pelas cinzas e pela neve. Um estranho abandono, cheio de magia e ensinamento. A fumaça saia da boca do vulcão como se fosse de uma chaminé. Não havia rios de lavas, nem explosões como ela imaginava.
- A gente acha que ele está apenas “roncando”. – disse Che-ma - Não está totalmente desperto.
Linna retirou a máquina da mochila captava todas aquelas imagens espetaculares, quando um patrulheiro se aproximou. Pediu seus documentos e perguntou o que fazia ali. Ela explicou, num tipo de portunhol, que havia se perdido de sua equipe e que procurava a pousada. O policial não gostou muito de sua história. Ela e Che-ma foram conduzidas para a pousada, onde Tânia esperava aflita.
- Linna! – disse Tânia aliviada – Quem bom que você está bem... Quase morremos de susto. Onde você passou a noite, menina?
- Procurando a pousada.... Errei a trilha.- Ela percebeu que sua história não estava colando – Essa lhama ficou o tempo inteiro comigo.
- Ela é esperta – disse o dono da pousada, puxando-a para um galpão.– Não entendo como se perdeu, Che-ma. Você quer um chá.
- Sim! Estou morrendo de fome. - disse – Quando começam as gravações?
- Ronaldo e Anelise já foram preparar o equipamento e coletar alguns dados. Daniela está preparando uma coluna, hoje já quer mandar a primeira matéria para o jornal. O Vulcão está calmo, mas, acho que não poderemos chegar muito perto. As autoridades estão procurando “evitar acidentes”. Essa noite houve um pequeno tremor de terra.
- Eu fiz fotos fantásticas... Se ela quiser já posso editar.
- Será ótimo... No telejornal da noite faremos uma matéria ao vivo, se couber na pauta... Agora, preste atenção, não se separe mais do grupo. Você tem que ter responsabilidade, trabalho de equipe é uma coisa muito séria...
Linna sabia que merecia o sermão, ouviu e não retrucou. Era apenas uma estagiária, tinha sido uma grande conquista ser selecionada para aquela aventura, não queria ser “desligada”.
Tânia estava super brava até ver o material de Linna. Seus olhos brilharam, as fotos tinham vida. Tratou imediatamente de conseguir uma conexão e mandar tudo para a redação via e-mail...
Show!!! Foi a resposta. A TV Universitária faria história.

A matéria

Linna viu que Tânia estava nervosa, as coisas haviam fugido ao seu controle. Ela tinha planejado em detalhes sua ação e as metas que pretendia atingir. Coisas que Linna praticamente ignorava: Planejamento e objetivos, já que agia por impulso. O tremor de terra da noite tinha adiado os da equipe. Nenhum jornalista podia sair da pousada e talvez eles tivessem que retornar sem se aproximar do vulcão, como o planejado.
Enquanto esperavam autorização para sair ficam reunidos na sala batendo papo e se aquecendo próximos ao fogo. Linna viu que o quadro sobre a lareira estava torto. Uma rachadura perto da porta mostrava a força do tremor. Como ela não havia sentido nada na cabana de Vó Consuelo?
- Engraçado! – disse Anelise para ela– Eu sonhei que estávamos as duas dançando abraçadas dentro do vulcão, coisa doida.
- Será que tem como ver a boca do Vulcão? – perguntou Linna.
- Não! – respondeu Ronaldo- Eu perguntei para os guardas... Antes dele acordar ali era um solo pedregoso... Agora o calor e a fumaça não permitem que se veja nada, muito menos que entre e dance nele. Não há rios de lava, mas muito material sendo expelido. – concluiu.
- Esta parte do Planeta Terra está mudando – disse enfática Linna- Um grande bloco de gelo se desprendeu há poucos meses, alguns vulcões estão acordando... Parece que a Terra quer nos dizer algo. Como se estivesse reagindo.
- Que imaginação! – disse Ronaldo – Parece coisa de criança...
Tânia invadiu a sala gritando: Preparem-se! Consegui a autorização.
A equipe estava pronta Tânia não deixou que Linna fosse junto. Fariam a matéria, as imagens e voltariam antes do tempo previsto para Porto Alegre. A edição e montagem do documentário seriam feitas no estúdio.
Linna ficou hiper chateada, entendeu que havia pisado na bola. Mas, não tinha agido intencionalmente. Se bem que, com o tremor eles não poderiam chegar muito perto mesmo, não faria fotos melhores das que ela já tinha.
Resolveu ver como estava Che-ma, o Condor sobrevoou novamente a pousada. Fez fotos esplendidas dele e da pousada. Pegou pequenos detalhes e grandes imagens. O vulcão parecia estar presente em tudo. Na cinzas no chão, nas marcas de terremoto e no olhar de medo dos animais.
- Sua chefa ficou bem braba, né! – disse a lhama - Você está de castigo?
Linna riu, parecia mesmo que estava de castigo. Ficou pela pousada,conversando com o pessoal, descansando e bisbilhotando. Não esquecia a imagem do mar, o estrondo das ondas e o cheiro forte da areia. Bem diferente do que conhecia. Che-ma passou o tempo inteiro em sua companhia.
A equipe voltou frustrada, a densa fumaça e a nevasca não permitiram que fizessem grandes imagens. Reuniram todo o material e precisavam montar a primeira matéria para o telejornal da noite. Daniela sugeriu abrir a matéria assim: Falamos direto da cordilheira dos Andes, ao pé do Vulcão que despertou esta semana, como vemos na imagem, há uma densa fumaça saindo de seu interior. A sensação que fica é de que esta parte do Planeta está mudando. Parece que ela, a Terra, quer nos dizer algo. Como se estivesse reagindo!
- Adorei! - disse Tânia.
As “criancices” de Linna. Eles nem disfarçaram para usar suas idéias, ficou desapontada.
Entendeu mais ainda o silêncio de Amaru.
A Terra tremeu mais uma vez! Linna tomou um susto. Uma viga do galpão caiu provocando um estrondo.
Correu para ver Che-ma, mas ela estava bem. Depois ouviu um novo estrondo, seguido de uma grande golfada de cinzas... Ronaldo registrou o momento exato da golfada de lava. Linna fotografou o desespero dos animais fugindo em disparada: a luta pela sobrevivência. A lava caia longe do vulcão.
Pensou em Maria, vó Consuelo e Amaru. Estariam bem?


O espírito da natureza..
A expedição parecia que estava chegando ao fim...! Com o novo tremor e uma chuva de lava, as autoridades fecharam todo e qualquer acesso ao local...
Cinqüenta quilômetros de diâmetro seriam totalmente evacuados, para garantir a segurança. A equipe de Linna foi uma das últimas a deixar a pousada. Che-ma ficou para trás... Primeiro retirariam o resto da população e os jornalistas. Só num outro momento recolheriam animais de estimação e de criação. As novas amigas mal conseguiram se falar:
- Adeus ! – Disse a lhama, olhando para ela .- Não se preocupe, nós vamos ficar bem.
- Cuide-se! – respondeu Linna, acenando para ela.
O Condor sobrevoou a cidade deserta. Linna compreendeu que eles eram dali. Tinham grandes chances de sobreviver e de suportar o que estava por vir. Entendeu que era um privilégio viver uma época de grandes mudanças. Do interior da Terra., viriam as melhores e verdadeiras transformações...!! Amaru, Vó Consuelo e Maria haviam optado por ficar, numa aposta com o destino. Não eram comandados pelas autoridades e, sim, espíritos livres, que eram dali, como o Condor e Che-ma. O inverno seria longo e intenso para eles, mas não cabia, em suas vidas,outra forma de viver..
Uma parte da família de Vó Consuelo havia saído da Espanha, há mais de quatro séculos. A família de Amaru era de andarilhos da cordilheira. Sempre viveram nas montanhas, entre lagos, vulcões e o mar. Para eles, não havia mistério ali.
Maria era neta de vó Consuelo, filha de sua filha e bisneta de Amaru, filha de seu neto. Todos partiram, em busca de um sonho que eles mesmos não compreendiam.... Queriam uma língua estrangeira, roupas estranhas, carros e um conhecimento importado. Para depois, morarem, no cinturão da miséria das grandes metrópoles.
Amaru transmitia, para Maria, as tradições mais longinquas....Aquelas que não deixariam sua cultura ser enterrada, pelas areias do tempo, e pelos tempos modernos. Vó Consuelo, o gosto pela boa vida... Seria possível viver em paz?
Amaru, Che-ma e o Condor estavam felizes com este longo perímetro de Liberdade. Há muito tempo esperavam por um momento tão belo assim...!! Estavam prontos, para viver, intensamente, esta época...! Até o momento em que suas cinzas estiverem voando, junto com as cinzas do vulcão, na renovação da energia. Então, viverão, novamente, como pó, ou como pão, ou pasto.. E, novamente, como condor, ou lhama ou Amaru.
O jipe que levava a equipe da TV Universitária quebrou, a cinco quilômetros da pousada deserta e a vinte, de qualquer ajuda. O motorista entrou em pânico...!! Caía a noite e, com ela neve, frio e deserto. Sem abrigo e sem comunicação...! E, dessa vez, a culpa não foi da estagiária...!
Parecia que algo ou alguém estava querendo dar outro recado para eles...Qual seria, dessa vez???

Clarão na noite

Ronaldo assumiu o controle da situação, tentando acalmar a turma. Não podiam retornar, pois caminhar cinco quilômetros no deserto, com cinzas e neves, seria fatal para eles. Não podiam ficar ali, morreriam de frio. Lembrou-se de seus ensinamentos de escoteiro; a primeira coisa que precisavam era procurar abrigo e fazer uma fogueira.
Estava expondo sua opinião, quando o Condor cruzou o céu. Linna sabia que ele não falaria com ela, mas percebeu que estava disposto a ajudar.
- Ronaldo! Pode parecer uma idiotice, por favor, não ria, antes de eu completar... – Vamos seguir o Condor?
Ronaldo soltou os braços e uma grande gargalhada... – Fala Sério, Linna!
- Por que ? - perguntou,pragmática, Tânia.
- Por que a lhama me manteve segura... – Ponderou Linna – Esses animais são daqui, eles sabem o que fazer!
- Voar, por exemplo? – Indagou o rapaz –E se ele alçar vôo? Ficamos longe do jipe, sem contato, sem abrigo e sem comida e água...
- Eu soube.... – continuou. Enquanto vocês saíram, ontem, para gravar... Que existem cavernas, com águas termais próximas ao vulcão.
- Isso! – Interrompeu o motorista, já mais calmo -.. Mas é muito perigoso seguir, em direção ao vulcão...!
- E ficar aqui? – Perguntou Anelise .
- Pela Virgem..!- O homem estava com medo e tinha razão nisso. - Nem sei...
O Condor deu mais uma volta e seguiu em direção ao vulcão.
- Vamos ! – disse Ronaldo – Se todo mundo concordar! Agora, temos realmente que agir com união!
Eles pegaram só o que era necessário e puseram-se a caminhar.
Com o cair da noite, as descargas elétricas proporcionavam um espetáculo singular...! Entre a cratera e o céu, clarões de energia provocavam grandes explosões e uma dança de eletricidade. Era lindo e assustador...! Linna fez ótimas fotografias deste fenômeno. Ronaldo Gravou tudo, o documentário ganharia mais veracidade do que nunca com aquelas potentes imagens.
O Condor levou-os, em segurança, até a entrada de uma caverna vulcânica... Ronaldo foi logo acendendo uma fogueira. Tânia, Daniela e Anelise estavam em estado de choque e o motorista, aliviado. Um lago de águas termas aquecia o ambiente. Nas paredes da caverna, tudo estava limpo e intacto.
Linna ficou para trás; queria agradecer ao Condor, fez um aceno com a cabeça e não disse nada.
Ele apenas voou, silenciosamente, sabedor de sua gratidão.
Mesmo com a fogueira e com o vapor da água termal, a temperatura era muito baixa...! Eles dividiram os biscoitos que o motorista havia trazido e alguns goles de água mineral.. Não sabiam se a água do lago era potável.
Para manter o calor, tiveram de se abraçar e cobrir o corpo com seus agasalhos.. Não podiam fazer mais nada.Linna sentia-se, como um urso hibernando. Pensava em Che-ma sozinha. Amaru deve ter recolhido os animais...! Pensou.
Anelise disse que, amontoados assim, eles pareciam os pingüins de um filme que havia visto.
- Podemos imaginar que estamos no filme...!Brincou Daniela.
Eu já acho que parecemos uma baleia. Disse Ronaldo.
Todos riram e acharam estranha a idéia. Mas, pareciam, sim, um só ser. Aos poucos, movidos pelo cansaço, caíram num profundo sono... Menos Linna que resolveu explorar a caverna...! Seguiu um som familiar e lá estavam Amaru, Maria e vó Consuelo...! Che- ma, sentadinha, na porta da cabana. Lá fora, a Cordilheira, os raios e o Vulcão. E, novamente um profundo silêncio.


Unidade

Vó Consuelo sorriu, ao ver Linna bem.. Seus olhos brilharam de alegria...! Maria correu ao seu encontro, com a pequena flor, confeccionada em folhas de bananeira, pelas hábeis mãos de Acauã, transformada em um lindo e colorido colar.
Che-ma saltava de alegria. Amaru permaneceu silencioso.
- Estamos no interior do Planeta Terra.... – Deixou escapar Linna- Como se fosse no útero dela...
- Mas ainda estamos na superfície... – Brincou vó Consuelo – Para irmos mais fundo, devemos ir, em pensamento, como faz Amaru. Linna, o silêncio nunca deve ser quebrado com bobagens... O Vulcão estava adormecido, há mais ou menos nove mil anos... !
- Nove mil anos! – Repetiu Linna – É muito tempo...!!
- O que você veio buscar aqui? – Indagou vó Consuelo.
- Informações, talvez... – Respondeu, um pouco insegura – Aventura, conhecimento... Aproveitar uma oportunidade; na minha terra tem um ditado que diz que o cavalo selado só passa, uma vez, na nossa frente.Então, precisamos aproveitar a montaria ou vamos seguir a pé... Acho que, apenas, segui a minha intuição, vó Consuelo.
- O que você acha que o vulcão está nos dizendo, com sua atividade?
- Que as coisas estão mudando... Que a natureza está viva, em constante transformação e movimento. Hoje, acho que compreendo melhor a unidade entre todas as coisas e a individualidade também. A história é sempre a mesma: vulcão, pessoa, animal, não tem diferença.
- Isso, garota! – Sonho e realidade tem a mesma composição...!
- Linna! –Interrompeu Maria- Che-ma me deu um pouco de sua lã e eu fiz essa mantinha para você levar para Acauã...Maria tinha, nas mãos, uma comprida manta colorida. Os olhos de Linna não contiveram as lágrimas de alegria.
- Que linda! – Exclamou – Ele vai adorar... !
Amaru fez um sinal, pedindo silêncio. Vó Consuelo pediu a Linna que voltasse, para seu grupo, e mantivesse, com eles, uma verdadeira união, entendendo que cada um tinha seus defeitos e suas qualidades. Sua ignorância e sua sabedoria. E que, para retornarem,em segurança, deveriam ter muito respeito e amizade.
O condor entrou na caverna, sobrevoou a entrada da cabana e sentou ao lado de Amaru. Che-ma, Maria e Vó Consuelo sorriram. Linna regressou ao seu grupo, não sabia bem o quanto era real aquela imagem: Uma família vivendo em uma cabana, dentro de uma caverna. Onde estavam?
Recordando a imponência majestosa daquele lugar, pôde entender, profundamente, a verdade da máxima popular que tanto usava: Todos somos um.
Pela manhã, a equipe de resgate encontrou-os, assustados, mas seguros.
Partiram da Cordilheira dos Andes, trazendo, em seus olhos, um belo espetáculo. E um profundo respeito pela força da natureza.
O documentário fez muito sucesso! E toda a equipe foi recompensada, com uma nova sabedoria, além de muita alegria e paz...! Poucos meses depois, as pessoas retornaram para suas casas, enquanto o vulcão voltava a sonhar por mais um longo período de tempo...!! Acauã adorou o artefato que Linna trouxe de presente para ele, uma linda manta colorida.












Amaru


Nada foi em vão...
Amaru andava silencioso sobre as cinzas do vulcão.
Do alto podia ver, ser e sentir a cordilheira. Que segredo seu silêncio continha? A longa cadeia de montanhas nada respondia.
A fumaça dançava no céu limpo e claro. O condor voava livre. A lhama buscava pasto entre cinzas e pedras.
Sozinho tocava! Sua música percorria vales e montanhas... Contornava e transpassava os corpos... Ecoava!
Amar!
Cada pedra, cada cinza, cada grão sabia.
As palavras contêm todos segredos do Universo.
Amaru sabia...
Quando as asas do condor movem o ar e as patas da lhama pisam o solo, não há limites, nem fronteiras. Vida e morte. Verso e reverso da mesma palavra.
Antes de o vulcão acordar não havia cinzas no chão. Agora há.
Amaru pisou sobre elas com alegria e respeito. Não há o que temer...
As cinzas agora são parte da paisagem. Não há mistério.
As cinzas são vulcão... São Terra!
Quando Amaru caminhava a vida continuava... Quando Amaru tocava a morte continuava. Quando o vento soprava Amaru desaparecia... Encontrando o vento com a montanha, Amaru retornava...
Foram tantos caminhos e descaminhos que as cinzas...
Mulher forte Consuelo! Bela menina... Maria.
A cordilheira nada respondia... O condor no céu voava...
Amaru compreendia...






















Nuvens no céu.

Linna e Acauã chegaram de Florianópolis trazendo muitas coisas boas na bagagem. O curso de fotografias que Linna fez tinha sido fantástico. Acauã aprendeu muita coisa sobre o “Sambaqui” e a cultura dos primeiros habitantes do litoral. Assim que chegou foi para Maquiné, estava louco de saudades de sua família.
Linna foi direto para seu apartamento. Desfez as malas e olhou a correspondência. Por uma incrível coincidência havia várias notícias sobre as sementes de Josefina. Lembrou do dia em que ela distribuiu os envelopes: “ Josefina, a Feiticeira Centenária, distribuiu, criteriosamente, os pequenos pacotinhos contendo as sementes. Ela conhecia a mata e seus segredos. Cada semente guardava em si aquilo que era. Seus dias, junto a turma, estavam chegando ao fim e  ela queria que cada um encontrasse sua própria essência. Como as sementes, todos somos dotados de um conhecimento empírico e devemos recorrer a esse conhecimento, nas horas boas e ruins.”19 Josefina havia espalhado paz e esperança em pequenos envelopes e essa boa energia circulava renovando várias partes do mundo.
Linna abriu bem a janela e da sua pequena sacada viu o parque. Como sentiu falta daquela paisagem. Adorou Florianópolis, mas não tinha sensação melhor do que a de voltar para casa. O sino da Igreja tocou e uma enorme alegria invadiu seu coração. O céu estava claro as nuvens pareciam desenhar uma mão carinhosa e fofa, como a que Josefina viu num memorável fim de tarde: “Assim que o sol se pôs, uma alegria infinita invadiu seus corações; as nuvens do céu de Porto Alegre ganharam um tom de rosa claro...O mesmo do granito das pedras de Itapuã. Uma mão parecia esculpir imagens nos flocos de nuvem... “ - Vi a mão! - Indagou Josefina – E vocês viram?
- Que mão? – indagou Tadeu.
- Eu estou vendo – disse Acauã – Uma mão desenhando uma pessoa e um inseto.
- Princesa Li e nós – indagou Linna – Mas por que uma pessoa?
- Por que é um símbolo. - Disse Muray.- E nós achando que viraríamos pedra.
- Um símbolo de união entre pessoas e animais. – disse Josefina – Olhem! Agora está aparecendo uma flor, como a que Acauã deu para Linna, lá em Maquiné. Deve simbolizar as plantas.
A turma sentou para conversar, fizeram uma pequena fogueira. E riram, cantaram e dançaram até tarde... Estavam com saudades uns dos outros.”20 Linna lembrou de Maria, pensou o quanto foi bom conhecê-la e o quanto aprendeu sobre a alegrai de viver.
A Mão de Deus, parecia desenhar símbolos e sinais no céu de Porto Alegre. Era suave e bela, por que Deus é bom e nos ama muito. Sua energia é infinita e constante, seja ele quem for. Estava pronta para sair, quando viu um pequeno envelope caído no canto do armário. Um pacotinho das sementes de Josefina, com um pequeno bilhete...
“ Para Anelise!
Nunca perca a esperança!
Josefina ”

Linna sentiu um forte aperto no coração. Não sabia que Josefina conhecia Anelise. Como nunca tinha encontrado este pequeno envelope???
Tratou de ligar imediatamente para ela marcando um encontro na feirinha de sábado. A imagem de Josefina apareceu nas nuvens do céu: “ Linna! A força Branca. É a energia da Paz, não esqueça, criança!!!”. O vento fazia espirais e brincava com as folhas secas do parque. Fadas, gnomos e duendes enfeitavam a avenida, borboletas, pássaros e cachorros passeavam entre pessoas e objetos. A vida do parque, a vida da cidade. Linna assistiu a uma peça de teatro de rua, ouviu poemas de um jovem artista, comeu tapioca. No meio da multidão viu Anelise sorrindo, o sol batia nela e embaralhava sua imagem, Linna achou que viu Josefina, a Feiticeira Centenária ao seu lado.










































ITAIMBEZINHO: O DESAFIO. 21
Linna estava cansada, muito cansada. A Aventura no Lago Tarumã tinha lhe tirado as forças, precisa recarregar as energias.Estava em férias da faculdade, porém mantinha o estágio na rádio universitária.
Ela pintou o apartamento de azul claro, usou uma faixa de papel de parede com conchas e outros objetos do mar, na altura dos móveis. Quando terminou havia uma carta na sua caixa de correspondência. O que seria?
Linna abriu o pequeno envelope azul, não havia remetente. O selo e o carimbo de postagem indicavam que a carta era de Cambará do Sul.
Estava curiosa, um cartão branco e delicado trazia a inscrição: Carta Convite. Convidamos você Linna Franco e seus amigos para visitarem o Parque Nacional do Itaimbezinho. Esperamos por vocês, no próximo fim-de-semana. Estranho, não havia uma assinatura. Um cartão anônimo, enviado pelo correio ao seu endereço. Linna ficou preocupada. E se fosse uma armadilha?
No outro dia Linna chamou sua turma e perguntou o que eles achavam do convite. Deveriam ou não aceitar? O grupo estava reunido no meio do parque da redenção.
Sentados no chão conversavam e curtiam a natureza e a energia da cidade. Com a chegada das férias escolares cada um tinha um destino. Acauã precisava retornar para Maquiné, seu pai, o cacique Tibiriçá, queria que ele ajudasse a receber os visitantes. Já que o movimento na aldeia e na reserva aumentava muito. Era ótimo para a população de lá, pois conseguiam movimentar a economia e juntar dinheiro para os meses frios, quando o número de turistas caia pela metade.
Josefina ficaria em Porto Alegre, os seus familiares não queriam mais que ela acompanhasse as aventuras, achavam que não era bom para uma pessoa de cem anos estar envolvida com problemas, mesmo que fossem relativos ao meio ambiente.
Os Tamoios não podiam sair de Viamão, estavam ocupadíssimos com o treinamento das categorias de base, a gurizada, como eles gostavam de dizer.
Armando estava de malas prontas para ir para Caçapava, faria um trabalho exclusivo para uma grande campanha publicitária.
Tadeu, Oscar e Janete estavam com viagem marcada para a serra, visitariam uns amigos e assistiriam ao Natal Luz.
Gi estava indo para as Missões, participaria de um grande encontro de conscientização cultural, ela e seu grupo lançariam um livro só sobre grandes personalidades negras e seus feitos.
Andressa estava indo para a fronteira, adorava freqüentar free shopping e faria todas as compras de Natal, que no seu caso seriam muitas.
Logo só Linna Franco iria ao Itaimbezinho, seria estranho ir sozinha. Acauã achava que ela não deveria ir, convidou-a para passar o fim de semana com ele em maquiné. Mas alguma coisa dizia a Linna que precisava enfrentar o desafio, mesmo que sozinha....AIMBEZINHO: O DESAFIO.
Assim decidiu ir. Escolheu um abrigo azul celeste, um tênis branco,,uma calça jeans, blusas e um biquíni. A Magrela já estava pronta, Linna tinha conseguido uma oficina especializada em recuperar bicicletas, como ela havia sido jogada no Lago Tarumã estava muito danificada. O mecânico teve que mudar os aros, o banco, a correia. Só a essência continuava dela. Linna tinha planos de passar o fim-de-semana em casa e curtir o retorno da magrela. Mas, o bilhete tinha chamado sua atenção. O que estaria acontecendo?
Pegou o ônibus às 18:00 de sexta-feira, chegaria à noite. Ela havia feito reserva em um albergue da juventude de Cambara do Sul. Vários estudantes estariam lá, segundo a informação de Fabrício Leandro, o assistente social responsável pelo albergue. As coisas começavam a fazer um pouco mais de sentido, talvez fosse apenas um encontro de estudantes. Linna estava cadastrada em várias entidades ambientalistas, logo, o bilhete azul não tinha nada de mais. No ônibus ela pegou no sono profundamente. O ar condicionado estava super frio, por sorte levava a mochila na mão. Linna acordou no meio do campo. O ônibus estava estacionado e não havia ninguém!
O céu estava coberto de estrelas, uma lua maravilhosa iluminava o campo. Linna não fazia a menor idéia do que podia estar acontecendo. Por sorte a porta do ônibus abriu quando ela mexeu em uma manivela. Não havia rastro nenhum dos outros passageiros e nem do motorista. Ela estava sozinha, desorientada e lógico, com medo. O seu celular não tinha sinal. Resolveu caminhar, achou mais fácil seguir na direção que a frente do ônibus apontava.Linna achava que o motorista não tinha visto que ela dormia e tinha ido embora com os outros passageiros, mas o estranho era que não encontrava sinais da estrada. O ônibus havia andado quilômetros. Linna saiu caminhando sem rumo, o campo era plano e coberto por uma vegetação rasteira. Havia poucos animais ao longo do caminho e um silêncio quase absoluto. Totalmente diferente dos outros lugares onde ela tinha estado. Estava com medo, mas curiosa.
Quando o sol despontou no horizonte, Linna caminhava sem rumo, o campo começava a ser mesclado com capões de mata nativa e belas Araucárias. Ela lembrou de Maquiné, da Grande Araucária, de Acauã e todos os amigos, como queria que eles estivessem ali.
De repente estava em frente ao cânion! Magnífico!
Uma fenda rompia o chão. Paredes de pedras cobertas por árvores, flores e uma queda d'água se estendiam como um longo caminho.Seu coração disparou diante de tanta beleza... O sol timidamente avançava e Linna estava tomada pela emoção.
Lágrimas inundaram seus olhos, rolaram pelo seu rosto e caíram naquela terra abençoada.
A Gralha Azul veio falara com Linna, pousou a poucos passos dela, fez um gesto com a ponta da asa, indicando a imensidão.
- Linna, ela disse, aqui tudo está resolvido. Aqui não vamos encontrar problemas, disputas, conflitos. Este é o Cânion Fortaleza!
- Que bom que você está aqui, senti uma alegria imensa ao ver a fenda, mas uma profunda solidão... Fiquei confuso.
- Qual foi a primeira coisa que você sentiu?
- Eu queria que Acauã e meus amigos estivessem aqui.
- Isso é o amor. Lembra o que Tibiriçá falou a vocês lá em Maquiné?
-Que eu levaria um pedaço do coração de Acauã comigo e que ele ficaria com um pedaço do meu coração... Agora eu entendo - Linna tirou do bolso da jaqueta uma pequena flor feita de folhas de bananeira - Essa flor foi ele quem fez e me deu. Eu trago sempre comigo.
-Você está cansada?
- Estou! Também com fome e sede...
- Água tem nas folhas das plantas e comida, tem nos galhos, há frutas, sementes... Basta procurar.
Linna e a Gralha Azul caminharam pelo cânion. Uma trilha bastante acentuada levava até o fim. A Gralha Azul disse que aquele era um caminho desconhecido até para os guias mais experientes da região. Linna teve que ter muito cuidado, pois estava andando quase na vertical, havia alguns pontos onde ela podia se apoiar, um cipó longo e emaranhado na vegetação acompanhava a trilha, e a Gralha Azul voava ao seu lado. Procurava não olhar para baixo, a paisagem era linda, mas assustadora, se perdesse a concentração cairia, sem a menor chance de sobreviver.
O céu estava claro e o Cânion parecia infinito, mas de uma hora para a outra, uma forte neblina encobriu tudo. A Gralha Azul informou que era um fenômeno típico da região: a Viração. Um choque de massas de ar.
Linna gostou, pois assim a decida ficou parecendo menos perigosa, mas também um frio repentino veio junto com a cerração. Linna sabia que não corria perigo, a Gralha Azul dava a ela uma sensação de segurança. Mas jamais teria decido se ela não estivesse ali.
O que será que havia no fundo do Cânion?
20/12/06 ( data da postagem no weblogger)
A descida do cânion fortaleza foi longa e demorada. Linna chegou ao fundo do precipício exausta, já anoitecia. O lugar estava totalmente escuro, a Gralha Azul a acompanhou durante toda a descida.
Linna passou por várias espécies de animais: insetos, répteis, aves... Muita diversidade de plantas ... Mas a medida em que descia predominavam as pedras e pequenas correntes de água. Um vento frio e assustador soprava. Não havia luz, Linna tinha uma lanterna consigo na mochila, encontrou também uma barra de cereais... Foi um alívio...
- Nossa, quanto nós caminhamos!- disse Linna.
- Muitos quilômetros - disse a Gralha Azul - você notou que andamos em zigue-zague?
- Notei. Acho que para facilitar o equilíbrio, não é?
- Exatamente. Essa trilha foi feita pela natureza mesmo.
-A gente não vê nada daqui, a fenda vai afunilando?
- Sim e não. - A gralha respondeu - Em alguns pontos a fenda afunila em outros alarga. Aqui existem vários Cânions, agora nós vamos desvendar um segredo*, todos eles são ligados por cavernas e túneis naturais...
-Eu imaginei que deveria ter algo assim, pois o envelope azul que eu recebi, falava que eu deveria ir até o Itaimbezinho e não o Cânion Fortaleza. Você sabe quem me mandou o convite?
- Sei. Mas não posso revelar.
- Imagino que o motivo de eu estar aqui também?
-Isso, Linna. Eu preciso voltar a superfície, mas não tenha medo, todos os seres vivos daqui conhecem você. E o tempo lá em cima parou. O ônibus vai estar andando, saindo de Porto Alegre. Então do mundo que você chama de real ninguém vai sentir sua falta. Adeus, Linna.
- Adeus e obrigada.
A gralha Azul voou em direção ao topo e Linna ficou só, no escuro e sem saber o que aconteceria. Pisou em um objeto pontiagudo, quando focou a luz da lanterna viu uma guampa de boi encravada na lama: .... "Mesmo que eu atravesse um vale de sombra e morte... Nada temerei... O senhor meu Deus estará comigo"... Linna lembrou de um salmo que dizia mais ou menos isso, lembrou de Josefina recitando para ela, numa feira de sábado. Lembrou do sorriso dela, de seu perfume, de sua sabedoria... A imagem da amiga centenária inundou sua mente... Não tenha medo Linna disse para si mesma, em alto e bom som...
O som que predominava no fundo do Cânion era o da água correndo e do vento... Linna caminhava sem saber bem para onde... Estava cansada, escolheu um lugar mais alto e seco para deitar. Iluminou as paredes de pedra e vislumbrou um pouco do que parecia ser o céu. Dormiu por algumas horas, quando acordou uma topeira olhava para ela.
- Olá , disse Linna, quem é você?
- Eu sou uma topeira, vim levar você até a entrada da caverna, olha! – o animalzinho mostrou para ela algumas nozes - São para você!
- Obrigada, sabe que eu tenho um amigo chamado Topeira... Ele é jogador de futebol...
- Eu conheço! - disse o animalzinho - Ele joga no Tamoio, não é?
- Isso... - respondeu Linna - Ele é gente fina, como todos do time... Mas de que caverna você está falando?
- A Caverna Azul, um lugar muito bonito – a topeira parou e olhou para Linna, com a voz bem baixa disse a ela – Linna eu vou junto até a entrada da caverna, depois você segue sozinha. Lá dentro você vai percorrer um túnel, até um ponto, onde existem três caminhos que levam até a caverna, mas você deve escolher sozinha por qual seguir.
- Qual a diferença entre eles?
- Basicamente não tem diferença, é só uma questão de escolha. Cada caminho vai ter uma mensagem, a que você achar melhor deve seguir.
- Nossa você está me assustando...
- Não se preocupe, você está gostando do passeio?
- Sim, só perdi a noção do tempo... Como aqui é sempre escuro... Há pouco achei que estava chovendo.
- Mas estava, só que aqui em baixo caem só uns pingos. Chegamos. Boa sorte, Linna!
- Obrigada, Topeira. Acho que eu vou precisar.
Linna se despediu do animalzinho que subiu apressado. A entrada da caverna era bastante estreita, ela teve que se encolher, as paredes eram de uma rocha escura, logo havia um túnel de poucos metros. Linna viu que havia várias estalactites emoldurando o caminho, avançou com cuidado. Estava quase no final do túnel, quando deixou a mochila cair e vários morcegos saíram voando assustados com o barulho. Ela entendeu porque a topeira falava baixinho, seu coração estava acelerado, parecia ouvir um zunido, sentia uma pressão na testa. Chegou a pensar em voltar, mas manteve a calma e seguiu em frente.
O Túnel terminava em um buraco, não havia degraus, Linna teve que saltar para dentro. O Chão estava muito úmido, coberto de lodo e pedras. Logo ela viu os caminhos que a topeira havia mencionado: eram três aberturas na pedra, uma ao lado da outra e em cada uma havia uma palavra grafada.
Então, quem teria escrito na pedra? Linna não era a primeira pessoa a estar ali.
A primeira palavra era Aquitã, havia junto um desenho de um caminho curto. A segunda palavra era Ita Ai’be, o desenho correspondente era o de um caminho mais largo e um pouco mais longo. A terceira palavra era Pauã e o desenho correspondente era de um caminho bem mais largo e longo.
Linna tinha que decidir! Parou em frente as três entradas e observou principalmente os desenhos, já que não sabia em que idioma as palavras estavam escritas, parecia Tupi-guarani.
Aquitã, Ita Ai’be, Pauã. Linna era pelo equilíbrio, estava inclinada a escolher o caminho do meio, nem muito longo , nem muito curto. Ita Ai’be recitou em voz alta: Itaimbé. O caminho para o Itaimbezinho, será?
Ela lembrou que o nome Itaimbezinho significava pedra afiada, os índios achavam que a fenda tinha sido feita por uma faca, de tão perfeita que era.
Linna imaginou Deus com uma faca na mão esculpindo a terra.Ou descendo um machado afiado, rompendo o chão com fúria! Não! Os índios tinham razão, ela pensou, aquele lugar era abençoado.
Escolheu o caminho do meio. Um corredor levava a um lugar deslumbrante: a Caverna Azul. Exatamente como a toupeira tinha falado, estalactites apareciam em quase todo o teto, tinham a coloração azulada, como se fossem turquesas. Ela andou mais um pouco e viu um lago de águas claras, Linna se aproximou e colocou a mão no lago, a água estava morna , ela provou um pouco. Parecia a água mineral vendida em garrafas, ela bebeu mais um pouco, estava com sede.
A garota viu refletida na água uma imagem fascinante, ficou surpresa. Virou-se e uma fada olhava para ela. Seus olhos eram muito claros, quase translúcidos, seu cabelo era coberto de pequenas flores que hora pareciam azuis, hora rosa. Linna abriu e fechou os olhos várias vezes, a fada riu dela.
- Que foi Linna? – ela disse - não vai dizer que não acredita em fadas? Seu blog é cheio de imagens nossas.
- Eu sei! Mas nunca imaginei que,que... que fosse ver uma... – Linna gaguejou. Esse lugar é lindo, essas pedras são turquesas?
- Não. São selenitas, elas são muito poderosas, atuam sobre as pessoas, fazendo com que enxerguem melhor a realidade. Se você notar são transparentes como os cristais, aqui estão azuis pela cor da água e pela energia desta caverna.
- Foi você?
- Quem enviou o convite? Sim. Só esqueci de assinar... A Gralha Azul, veio de Maquiné, que se você olhar no mapa vai notar que não é muito longe daqui. Ela falou em você e sua turma. Contou às aventuras que vocês vinham passando, mostrou suas fotografias e resolvemos convida-la para vir aqui... O bilhete foi postado no correio pelo Macaco Tobias, o carteiro deu um corridão nele, por sorte caiu entre as outras cartas e foi enviado. Você está gostando?
- Claro! Como você se chama? E que flores lindas são estas no seu cabelo?
- Meu nome é Hydra e essas flores são hortênsias... Na verdade eu sou uma Hortênsia, só que ganhei este corpo de fada, por mérito... Foi a própria Mãe quem me elevou... Numa cerimônia linda. Por que eu sozinha povoei os Campos de Cima da Serra, acredite...
- Como?
- Eu fui a primeira Hortênsia cultivada, por uma pessoa maravilhosa que um dia morou aqui: Dona Alvidiana.
-A Mãe Natureza???
_ A Mãe Natureza, respondeu Hydra, fazendo uma reverência com a cabeça. Você não quer sair da água, vai acabar criando raízes...
- Bom aqui tudo é possível, imagina um monte de mudinhas de Linna Franco.
-Você é realmente muito inteligente... É isso que a Mãe quer... – disse Hydra.
Linna estava encantada com a suavidade da fala de Hydra, a fada era meiga e alegre. As duas estavam diante do lago, dentro da caverna azul, uma ligação subterrânea entre os Cânions Fortaleza e Itaimbezinho. Hydra falava sobre a importância das ações de Linna e de seus amigos. Sobre a dedicação e a lealdade que tiveram com a Grande Araucária e o Conselho dos Anciãos, a atuação brilhante na Limpeza do Lago Tarumã... E as pequenas ações que cada um fazia: Acauã educando as pessoas sobre a importância da reserva da Serra Geral. Josefina, circulando pela feira de sábado no parque da Redenção e soltando sementinhas de conhecimento e respeito pela natureza. Gi, atuando como uma guerreira na valorização da sua cultura e na batalha contra os preconceitos de qualquer tipo. Armando, fotografando e registrando coisas boas e ruins, denunciando o que não concordava, um homem livre. Oscar, Janete e Tadeu, uma família unida e trabalhando junta na formação de um novo pensamento, otimista e principalmente modificador da realidade. Andressa, uma consumidora contumas, mas consciente e altruísta, sempre pronta para ajudar, sempre disposta e alegre. Os Tamoios, sempre voltados para as crianças e utilizando o futebol como uma forma de conscientização. Além é claro dos animais: Briel, Gabi, Dona Cordélia, a Gralha Azul, o Caracol, a Serpente, Princesa e os filhotes .... Conversaram horas sentadas na beira do lago.
O tempo não passava. Hydra falava com calma e queria ouvir Linna, queria saber o que levava ela a ser assim: dedicada e consciente.
- Não sei! Eu vou fazendo as coisas – disse Linna – Tem uma força que parece atuar em mim. Como um dia de inverno que fui visitar o Jardim Botânico, na volta, fazia muito frio, eu vinha com a Magrela pela Ipiranga e vi várias famílias abrigadas às margens do arroio. Senti uma vontade enorme de ajudar, de fazer alguma coisa. Dai fui encontrar com o pessoal da ronda e eles me deixaram ajudar a recolher as pessoas e servir sopa. Mas alguns não queriam sair da rua. Sabe porque?
- Não. – disse Hydra – Você sabe?
- Sei, eles diziam que tinham medo de sair e não poder voltar para lá no dia seguinte. Agora imagina passar uma noite inteira na rua, com um frio de cortar e correndo todos os riscos que a gente sabe que eles correm.
- É horrível mesmo. Mas foram os homens que criaram isso. A Mãe Natureza sempre provê... Ela põe as sementes onde o solo permite... Ela deixa o joio e o trigo crescerem juntos, em equilíbrio...
- Eu sei. Mas e agora que o mundo já é assim? O que podemos fazer?
- Restabelecer as coisas. Como Acauã sempre diz...
- “Guarda no Coração Linna !”... – seu olhos se encheram de lágrimas, estava morrendo de saudades dele – Como assim?
- Os homens devem guardar a Mãe Natureza no coração....

 
sábado, 23 de dezembro de 2006
Hydra conduziu Linna até a margem lateral do lago, havia uma pequena canoa, esculpida no tronco de uma Araucária, dois remos feitos da mesma madeira estavam presos com cordas de cipó nas laterais.
Linna ficou chocada: usarem madeira de araucária para fazer a canoa parecia tenebroso, mas Hydra explicou que a morte fazia parte da vida de todos os seres e que esta araucária, tinha sido transformada e os seus restos tinham cumprido a sua missão: adubar a terra. Muitas outras plantas e árvores nasceram de sua energia. Logo ela havia completado magistralmente seu ciclo de existência. E a canoa havia sido talhada pelas hábeis mãos de um Pajé, era cheia de bons fluídos. A morte,disse Hydra, é parte da vida, o que importa mesmo é a maneira como uma pessoa vive, as decisão que toma, as sementes que deixa, o bem ou o mal que faz...
- O mal? Como?
- A gente só conhece a alegria por que existe a tristeza, a bonança por que existe a tempestade. Mas eu fico aqui Linna Franco... Você segue... Este é o Lago da Existência, ou o Rio da Vida. Adeus!
- Adeus! Obrigada, adorei conhecer você Hydra... Quando nos revemos?
- Um dia Linna. Um dia!
A fada voou e seus cabelos trocavam de cor entre azul, lilás e rosa. Ela subiu até o teto da Caverna e se dissolveu entre os cristais de selenita. Linna ficou admirada, olhando para cima viu a imagem de Hydra refletida em cada pedacinho de pedra.
Linna estava só, entrou na pequena canoa e usando os dois remos em sincronia avançou no Lago da Existência.
* É uma bela manhã de Sábado em Viamão... Vou ao comércio... Um beijo
FELIZ NATAL!!!( postado no weblogger)
Linna não sabia o que iria encontrar. A canoa era pequena e bem talhada, havia um banco junto aos remos, a madeira parecia coberta por um tipo de resina, como uma parafina. Ela ajudava a canoa a deslizar com suavidade pela água do lago. A água ficava mais quente a medida que avançava em direção ao centro do lago. As paredes e o teto da caverna permaneciam azulados e cobertos de pedras. A imagem de Hydra havia desaparecido, assim como os sons. Predominava um silêncio que Linna ainda não conhecia, os remos tocavam a água sem produzir som.
Linna parou de remar, se agachou e colocou a mão na água, que estava quente e muito limpa, sacudiu a mão contra a canoa e não ouviu nada. Ficou preocupada, fechou os olhos e lembrou o que Hydra havia dito: guarda no coração Linna.
A canoa balançava levemente... Linna cruzou as pernas e pensou com intensidade na flor que Acauã havia lhe dado. Mentalizou as cores, o formato e principalmente o significado. A imagem dele foi aos poucos se formando em sua mente.Linna viu o amigo atravessando a mata atlântica, ele estava ajudando a combater um foco de incêndio iniciado por turistas desastrados. Chamou, mas ele não podia vê-la. Ela abriu os olhos e viu refletida nas pedras a cena que havia imaginado...
Acauã vestia a calça de algodão e a bata branca que usara para salvar a Grande Araucária. Estava determinado e ativo, aplicava todo o seu conhecimento da mata para controlar o fogo... Linna notou que ele parecia ter parado para ouvir alguma coisa... Seria seu chamado? Pensou em chamá-lo novamente, mas a Mata precisava mais dele do que ela.
Neste momento um pingo de água caiu bem onde ela estava, direto na água, produzindo um estalo. Ficou super aliviada, pois não havia perdido o sentido da audição. Ao cair o pingo produziu algumas ondas, ela olhou ao redor e viu que estava no meio do lago. Olhou para trás e viu que a canoa havia deixado um rastro por onde havia passado, um caminho com a cor da resina. Linna havia remado muito. Nas paredes da caverna estavam refletidas várias imagens suas: bebê, criança e jovem. Aparecia brincando com os pais e os irmãos, com amigos de quem nem lembrava mais. Estudando, brincando, brigando, comendo, namorando... Os amigos das aventuras apareciam todos, em vários momentos, como num filme.
Teria morrido? Teve medo de olhar para a frente, sua audição retornara, mas também uma forte sensação de fim, sentia perfumes e odores, gosto amargo e doce.
- Calma, Linna!
- Hydra? É Você?
- Sim, estou aqui... – Linna reconheceu a imagem da nova amiga refletida nas ondas provocadas pelo pingo.- Foi você quem produziu este pensamento, lembra que você recitou um salmo?
- Sim, Josefina me ensinou... Mesmo que eu atravesse o vale da sombra da morte, nada temerei... porque o senhor Deus estará comigo... Esse é o vale da morte?
- A morte é parte do lago da existência, mas o que está tomando conta de você é o medo. A sua mente está produzindo medo...
- Eu tive medo e chamei Acauã. Acabei vendo ele lá na Mata, em Maquiné. Mas não tenho certeza do que vi e nem do que tenho ouvido.
- Mas você ouviu o pingo. Por que acalmou o coração e viu que Acauã está onde deveria, onde é necessário. Você venceu o medo. Eu sempre estarei aqui, mas o importante é que você siga sozinha.
- Obrigada Hydra.
Linna resolveu fechar os olhos e remar sempre para o mesmo lado, em círculo. Esperou a canoa parar e fez o movimento inverso. Abriu os olhos e todas as imagens haviam desaparecido. Novamente teria que escolher um rumo. Soltou um grito bem alto: Haaaaa. A caverna respondeu: aaaaum. Linna proferiu: aum. Estava ouvindo e sentindo as vibrações da energia.
O Lago da Existência estava calmo e sereno. Linna havia encontrado uma forma de se expressar, usava os remos para avançar, mesmo sem saber bem para onde, confiava que fazia a coisa certa. A margem do lago apareceu novamente.
Linna conduziu a canoa sem pressa, quando já estava quase chegando na margem um banco de areia prendeu o fundo da embarcação.
Sem pensar duas vezes, saltou da canoa e mergulhou no lago, nunca havia sentido uma paz tão grande. Imersa na água Linna sentiu vontade de ficar ali mesmo, mas sabia que precisa completar a jornada. Nadou com confiança, estava se sentido leve e feliz. No fundo do lago havia uma camada de arreia que aos poucos ia se tornando a própria margem. Um foco de luz iluminava uma das pedras da caverna. Linna foi até a luz, estava saindo da caverna azul, mas levava consigo a energia mágica daquele lugar: Ita Ai’be. Pedra afiada. Linna saiu da caverna pela fenda e ouviu o som de pessoas, um grupo caminhava em fila indiana. O guia falava que eles estavam diante do Rio do Boi, no interior do Cânion Itaimbezinho... Linna olhou para trás e a fenda havia desaparecido...
Ela chamou por eles, mas pareciam não lhe ouvir... Fabrício Leandro, o guia, falava que no outro dia receberiam a visita de Linna Franco, uma estudante de jornalismo que vinha atuando muito como ambientalista... O lugar era deslumbrante.
Linna entendeu que ainda estava sob o efeito da mágica. O grupo foi embora e sentada sobre uma rocha Linna viu a imagem mais bela de todas: a Mãe Natureza sorria. De seus lábios saíam os sons dos animais: o canto dos pássaros, o cricrilar dos grilos, a música das cigarras e até o som do pingo que ela havia ouvido... Em seu colo descansavam as plantas e as flores. Á água, o vento, a vida emanava dela. Linna se aproximou e ficou quieta diante de tanta magnitude.
- Linna!
Ela não sabia o que deveria fazer, quando se deu conta estava apoiada sobre os joelhos, com a cabeça baixa e em posição de reverência.
- Aproxime-se - disse ela para Linna – precisamos conversar.
- A senhora é linda - disse Linna.
Ela não conseguia focar os olhos diretamente em sua interlocutora, pois uma luz de um amarelo muito intenso a iluminava. A Mãe Natureza assumiu a forma de uma mulher mais velha para poder conversar com Linna. Explicou que isso era apenas um truque, uma imagem bastante comum na cultura humana.
- Eu estou vivendo uma experiência muito renovadora aqui. – disse Linna.
- Na verdade este caminho que você acabou de percorrer é bem conhecido pelos homens. Em várias culturas ele aparece, o lugar em si não faz muita diferença, pois o caminho é interior. Você encontrou consigo. O silêncio, a reclusão, a solidão, são artifícios que aceleraram um pouco este processo, como uma fruta que amadurece em uma estufa.
- Eu tive medo... Um medo opressor, mas que depois se tornou importante para que eu decidisse continuar.
- Linna, Hydra já falou com você sobre o medo. O que eu quero enfatizar é que você encontre esta energia lá no mundo, esta capacidade de refazer, de reconstruir. O Homem declarou guerra a mim.
- Alguns homens, Mãe, não todos. –Respondeu ela – Não sei como devo chamá-la?
- Eu sei, e sei de pessoas que lutam por me defender, como você, Acauã, Josefina, Hydra e todos seus amigos. Você pode me chamar Vida, como muitos costumam.
- Como posso ajudar?
- Boa pergunta... O homem sempre teve uma grande capacidade de adaptação e de transformação. Pois hoje vocês precisam usar esta ferramenta, por exemplo, em vez de temer a luz do sol, transformá-la em energia. Usar os raios para o benefício de todos inclusive meu... Transformando as coisas ruins em boas.
- Como?
- Bom. Pesquisando, planejando, administrando, usando as faculdades que vocês receberam de Deus. Mas sem terrorismo, sem um discurso de fim de tudo... Vencendo o medo. Vocês têm que virar o jogo... O que você fez com a canoa?
- Eu remei, avancei no lago, fui ficando com medo, parei de ouvir, fechei meus olhos e lembrei dos meus amigos, dos meus pais. Cheguei a ver imagens, sentir aromas e quando eu ouvi o pingo a realidade voltou. Eu girei a canoa deixei que ela parasse e procurei um novo rumo, eu estava confiante novamente... Achei que estava perdida, mas encontrei o caminho.
- Qual? Você sabe?
- Eu diria que o da iluminação... Mas eu ainda me sinto igual, com todos os meus defeitos.
- E eles estão todos com você, mas suas qualidades também... Hydra usou uma imagem muito interessante, imaginou mudinhas de Linna espalhadas pelo mundo. Eu gostei da idéia. Não desejo guerra aos homens, eu sou pela paz... Mas uma lei é inviolável: para toda ação há uma reação. Logo quem acha que destrói a natureza está destruindo a Vida. A melhor forma de mudar isso é pelo coração.
- Na caverna eu voltei a ouvir quando ouvi com o coração.- disse Linna.
O sol já havia desaparecido, a Mãe Natureza se recolheria e Linna havia completado sua jornada no Cânion. Estava afiada como a pedra que Deus usara para lapidar a fenda. Tinha argumentos, conhecimento e energia para continuar o seu caminho... Precisava voltar... O paraíso é a Terra e está ao alcance de qualquer um. A Paz era um longa caminhada ao encontro de si.
Acordou no ônibus, sacudida por uma menininha que olhava intensamente para ela. Trazia uma boneca em forma de morango arrastada pela mão e perguntou se ela não ia descer com todo mundo em Cambará do Sul. Ela se chamava Diana, em homenagem a uma bisavó sua: Dona Alvidiana. Tinha os cabelos encaracolados e o sorriso igual ao de Hydra. Linna ficou sem reação.

















































O Cometa
Uma borboleta branca invadiu o estúdio da Rádio Universitária, no momento em que Linna Franco, a jovem estagiária do curso de jornalismo, falava sobre a passagem do Cometa McNaught próximo ao Planeta Terra. A garota não conseguiu entender como a borboleta entrou, já que o estúdio era hermeticamente fechado. Continuou lendo as notícias, mas não conseguia ignorar a presença do pequeno inseto que pousou sobre o papel que ela lia.
As duas sentiam-se perturbadas; a borboleta batia freneticamente as asas e Linna tentava não perder a concentração, pois sabia que seu supervisor ouvia todos os programas. Ele estava no seu pé, pois vinha desenvolvendo vários programas, nos quais abordava a importância dos cuidados com a natureza para a preservação da vida no planeta. E havia sido repreendida, já que o objetivo do seu estágio era praticar a locução e não formar opinião.
Encerrou o programa, informando a temperatura: 39 graus Celsius. Ou seja, muito quente, quase ao mesmo tempo, a borboleta desmaiou. Linna conseguiu pegá-la na mão e viu que estava se mexendo, foi até o bebedor e soltou alguns pingos de água em sua cabeça. Ela acordou e disse:
- Linna, você não me viu?
- Sim, mas quem é você? – perguntou, curiosa, a jovem.
- Sou prima da Gabi, a borboleta rosa, lembra dela?
- Claro. – Linna lembrava perfeitamente da turma do Lago Tarumã, ela e seus amigos haviam ajudado os habitantes do lago a combater a poluição que vinha atrapalhando as suas vidas - Como você se chama?
- Dora. Mas eu queria saber porque você parou de falar sobre a natureza.
- Você ouve o meu programa? – Linna estava curiosa.
- Claro, eu moro no Jardim Botânico e lá todos ouvem a Rádio Universitária. Estávamos muito orgulhosos de você...!!
- Acontece que este estágio é supervisionado, e o meu professor disse que eu estava manipulando as informações, então estou seguindo as orientações dele.
- E ele é contra a natureza? – perguntou a borboleta, com os olhos apertados e batendo a patinha contra a mão de Linna.
- Não, mas é a favor de diversificar as notícias. Até por que existem outras pessoas que fazem o programa, então eu não posso mudar ou incluir coisas sem a autorização deles, entende?
- Mas você continua do nosso lado?
- Claro! – respondeu Linna, um pouco desapontada com o comentário. – Como é morar no Jardim Botânico?
- É muito legal! Lá as pessoas, os animais e as plantas vivem em harmonia. Nós recebemos muitas visitas, principalmente na primavera, quando tudo o mundo quer ver as flores...



Linna saiu da rádio, levando Dora. A borboleta estava exausta. As duas foram até a Usina do gasômetro. Ela havia marcado com sua turma um encontro para tentar ver o Cometa. O dia estava perfeito, sem nuvens, e claro.
Ao chegarem lá, Linna apresentou a nova amiga para todos. Oscar, seu professor de produção textual, a esposa dele, Janete, e o filho deles, Tadeu. Durante as aventuras da turma, Tadeu ficou conhecido como o Jovem Guerreiro Tamoio, já que era bastante parecido com a mascote do time de Viamão, no qual ele havia treinado. Andresa e Gi, colegas de Linna na faculdade, estavam sempre por perto, atentas e prestativas. Gi era mais conhecida como A Força dos Lanceiros Negros, já que seus ancestrais haviam defendido estas terras em outros tempos. Armando, fotógrafo, era um dos melhores amigos de Linna e super querido. Com ele, Linna tinha aprendido a lidar com muitos dos seus preconceitos e discriminações, entendendo as diferenças e aceitando o amigo como ele era. Estava lá também Josefina, ou A Feiticeira Centenária, como era conhecida entre eles.
Dora brincou com Linna, disse que já sabia de tudo isso, pois lia os capítulos de seu blog, sem perder um. Acabou por perguntar:
- E onde está Acauã: A ave que Ataca a Serpente?
- Ele já vem - disse Tadeu – Foi buscar um protetor solar, para nossa amiga Linna Franco, A Força Branca, já que ela nunca usa... E é branca como o leite.
- Eu gosto do sol. – disse Linna – E já está quase anoitecendo.


- Mas você não deve descuidar da pele – disse Josefina – Para não se arrepender depois.
- Olha! – disse Tadeu apontando para o horizonte – o sol está começando a se pôr.
- Que lindo! - exclamou Dora – eu sempre ouvi falar do pôr do sol no Guaíba, mas nunca achei que fosse tão emocionante.
Os amigos ficaram admirando o espetáculo. Acauã chegou em silêncio, abraçou e beijou Linna. O namoro dos dois já era de conhecimento de todos, que torciam para que ficassem juntos.
Dora já estava recuperada, voava de um lado para o outro, pousando nas poucas flores que haviam por ali.
A esperada hora de ver o Cometa estava chegando, a ansiedade do grupo aumentava a cada minuto.
- O que será que aconteceu, aqui na terra, desde a outra vez que o cometa passou? – perguntou Andresa.
- Dizem que não havia registro de passagem suas, mas certamente em alguma época ele esteve por aqui. Deve ter ido muito longe... Deve conhecer grande parte dos mistérios do universo este McNaught – sentenciou Josefina.
- Imagina se ele falasse... – indagou Linna.
- Essa não, Linna... – disse Acauã – Você não quer falar com o Cometa?
- Não... Acabei de passar um aperto no Itaimbezinho – Disse Linna – Já estou afiada.

Ela se referia ao desafio que enfrentou no Cânion. Ita Ai’be, ou pedra afiada, era a origem do nome do cânion na língua Tupi-guarani. Lá, ela tinha percorrido um longo caminho por dentro da terra e conhecido a Mãe Natureza. O desafio de Linna era conhecer melhor a si mesma e transformar seus bons pensamentos em boas atitudes, ajudando a semear o amor pela natureza, o amor pela Vida.
Apesar das condições ideais, o grupo não conseguiu visualizar o Cometa. Mas Dora convidou todos para que a acompanhassem até o Jardim Botânico. Lá havia uma exposição de fotos feita de vários observatórios, além de informações sobre as mudanças de que Linna tinha falado. Afinal, o nosso planeta estava em constante evolução, transformação, sendo algumas naturais, outras com uma ajudinha do homem, umas benéficas, outras nem tanto. Quando Dora falava, Linna recordava sua conversa com a Mãe Natureza, Vida, como ela gostava de ser chamada: “Logo, quem acha que destrói a natureza está destruindo a Vida. A melhor forma de mudar isso é pelo coração... O homem deve guardar a natureza no coração”...
- Vamos? - perguntou Dora.
- Mas agora o Jardim Botânico já está fechado - falou Josefina.
- O Jardim Botânico não fecha – respondeu Dora.
- Para vocês que moram lá, para nós, visitantes, ele fecha às cinco horas – informou Oscar. - Mas nós podemos levar você até lá agora e amanhã voltamos para visitá-la.
- Será ótimo.
O grupo se dividiu: Oscar, Janete e Tadeu levaram Dora até o portão principal do Jardim Botânico. Depois, foram para o clube, no qual Tadeu fazia natação. Gi e Andresa acompanharam Josefina até sua casa e Armando voltou frustrado para o estúdio, queria muito fotografar a passagem do cometa. Mas acabou fazendo fotos extraordinárias do pôr do sol e do imenso céu azul.
Linna e Acauã aproveitaram para assistir a uma peça de teatro, comer alguma coisa e namorar. O calor não dava trégua, a cidade estava lotada de pessoas passeando em grupos. Quando eles chegaram no apartamento de Linna, já era madrugada, o céu estava tomado de estrelas e a lua resplandecia de brilho. Da pequena sacada, viram passar uma estrela cadente, correndo pelo firmamento. Acauã disse que cada um deveria fazer um pedido. Linna lembrou da aventura no Cânion e de seu encontro com a Mãe Natureza, pediu que a humanidade encontrasse o melhor caminho para preservar a vida no planeta. Acauã pediu que as pessoas cuidassem melhor da Mata Atlântica, seu lar. E também que aquele momento mágico se eternizasse em seus corações...
- Eu pedi... – começou a dizer Linna, mas foi interrompida por ele.
- Não fale, o pedido é um segredo. Se você falar não acontece. – disse ele colocando o dedo indicador em seus lábios e fazendo um sinal para que ela ouvisse. Vários pássaros já cantavam no parque, e ao som deles a vida parecia mais bela. Um suave vento amenizava enfim o calor. Adormeceram juntinhos e em paz.









Dora e Luca.
As duas da tarde, de sábado, os amigos se reuniram no Jardim Botânico. Eles foram recebidos por Dora, a borboleta branca estava muito alegre na companhia de seu amigo Luca, um beija flor. Feitas todas as apresentações, Dora convidou-os, para fazerem um passeio externo, pois conhecia cada cantinho do parque.
Luca explicou que eles nunca tinham entrada nas dependências do Museu, mas sabiam que uma equipe de biólogos, engenheiros e outros profissionais ligados à ciência do meio ambiente cuidava de tudo.
Uma parte do acervo do museu era permanente e outra itinerante. Assim as pessoas sempre tinham novidades para pesquisar e aprender. Alguns visitantes apareciam, de vez em quando, como Linna. Outros eram assíduos, como Josefina. E a grande maioria vinha com excursões de escolas ou simplesmente para conhecer.
Muray, a estagiária de biologia, vendo a animação do grupo resolveu se aproximar, ela já conhecia Linna e Josefina. Perguntou se eles queriam alguma ajuda, estava de plantão monitorando as visitas ao museu naquele sábado. Eles agradeceram e disseram que primeiro iriam aproveitar a parte externa. Dora e Luca cumprimentaram a estagiária, ela sempre trazia água doce para os dois. Eles ficaram em sua volta, fazendo gracinhas.
- Esses dois estão sempre aprontando!! - disse a estagiária – Adoram água da fonte, sempre que eu posso vou até a Gruta da Glória e trago um pouco para eles. São mal acostumados... Bem, eu vou estar no museu e não vou perdoá-los se não aparecerem. Hoje, termina a exposição das fotos do cometa, está muito legal. Até já!
- Nós vamos sim, - respondeu Josefina.
Linna perguntou a Dora e Luca por que não haviam dito nada na frente de Muray.
- Por que nem todo o mundo fala com animais como vocês. – explicou Dora – Agora, venham por aqui.
O grupo andou por todo o Jardim Botânico, conheceram inúmeras espécies de plantas, animais e minerais. Dora e Luca sabiam o nome e a função de cada parte daquele eco sistema. Muitas coisas aconteciam que não podiam ser percebidas pelo homem. A interação entre a fauna e a flora era constante. No meio da tarde, os dois amigos deixaram o grupo, na porta do museu. Combinaram de esperá-los na saída. Dora aproveitou para tirar um cochilo nas folhas de um arbusto. Luca não queria parar nem um minuto, saiu nervoso à procura de flores.
Muray estava mostrando as fotografias para um grupo de imigrantes japoneses que vinha de Maringá. Eles ouviam todas as explicações com muita atenção. O guia de sua excursão explicou que eles tinham um dom para cultivar a terra. Eram muito conhecidos por seus jardins e comércio de flores e hortaliças... Josefina se aproximou e buscou fazer amizade com eles, era muito curiosa e gostava de saber sempre mais. Estavam em Porto Alegre para fazer um curso de Permacultura, além de visitar alguns parentes.
- O que é Permacultura? - Indagou Acauã.

- É um novo conceito de manejo do meio ambiente.- explicou Muray – Vocês podem fazer o curso. Começa amanhã, aqui mesmo. Mas e o Cometa? O que acharam?
- Deslumbrante! – disse Armando – Dá para imaginar que um objeto deste tamanho anda passeando no espaço?
- Na verdade, todos estamos viajando. – disse Muray – Só que ficamos tão absorvidos na rotina que raramente paramos para pensar nisso.
- Nós existimos. – sentenciou Acauã.
Linna lembrou de sua experiência no Lago da Existência e passou a admirar mais ainda Acauã. Ele era dotado de um conhecimento profundo e antigo, mas filosófico e coerente. Existir, para ele, significava viver em harmonia com a natureza, com as pessoas e animais. Acauã não desperdiçava palavras, era certeiro como uma ave de rapina.
Muray achou sua intervenção um pouco abrupta, como se quisesse encerrar o assunto. Ficou quieta, mas logo notou que o silêncio era importante para a riqueza daquele momento. Com o fim da tarde, os pássaros faziam uma belíssima serenata ao sol, que por longas horas desapareceria com a promessa de retornar...
Dora e Luca esperavam por eles, o aroma no ar era de felicidade. As cores do céu lembravam a palheta do Criador.
Acauã absorvia aquele instante, com a cabeça erguida, os olhos atentos e o peito estufado. Sua respiração havia mudado, tinha uma cadência diferente, pausada e consciente. Linna explicou, para Muray, que ele sempre agia assim, era um hábito seu. Acauã morava na Mata Atlântica; ele vivia intensamente a mata e lutava por ela, como um verdadeiro guerreiro.
- Não fique triste, Acauã, amanhã ele volta. – brincou Luca.
- Eu sei, - ele respondeu – O Sol é o melhor amigo da Terra. Ele nos dá energia e força, para continuar viajando, como dizia Muray, a filha da Deusa Ciência.
- Nossa! Agora vocês viajaram... – falou rindo Muray - Gostaria de conhecer a sua aldeia, Acauã.
- Amanhã, eu estarei lá. Linna também. Venha conhecer a mata, acho que vai ser super bom para você. Lá, as coisas são um pouco diferente, não tem todas estas explicações. A natureza existe. É bela, farta e o povo sabe que precisa cuidar dela.
- Quem sabe vamos todos a Maquiné? – sugeriu Armando - Agora deve ser bem melhor de fazer a trilha do que no inverno.
- Acho uma ótima idéia !- disse Linna - Quando eu chegar em casa ligo para reservar transporte.
- Eu não posso ir – explicou Josefina – Meus parentes estão pegando no meu pé. Querem que eu fique mais quieta. Só por que tenho cem anos! Não acho isso muito justo...
O grupo combinou de se encontrar no mesmo lugar de sempre, em frente à Igreja Santa Terezinha. Às seis horas, contanto que Linna não se atrasasse. Dora e Luca ficariam em casa, esperando com a condição que, na segunda-feira, todos aparecessem para o curso.
Linna sentiu uma pontinha de ciúmes. Muray era muito bonita e olhava para Acauã, com admiração e uma certa malícia. Quando se despediram, deu um beijo em seu rosto que lhe rendeu um beliscão e um olhar de reprovação. Ele entendeu muito bem o recado, ficaria esperto. Sorriu e abraçou Linna, mas ficou com a pele roxa. Injusto, mas preventivo.
Maquiné.
Moema recebeu o grupo com festa, estava morrendo se saudades do irmão. Eles eram muito ligados, conheciam a Mata como ninguém e tinham um código secreto; uma linguagem que só os dois entendiam. Logo notou que Linna e Acauã estavam namorando. Advertiu-os de que primeiro deveriam pedir a aprovação do Cacique.
- Eu já falei longamente com o Cacique – explicou Acauã.
- E quando é o casamento? – perguntou Moema.
Todos se olharam espantados. Casamento?
- Nós vamos seguir o ritmo da cultura de Linna. – explicou Acauã – Na cidade, as pessoas demoram a casar.
- E o que o Cacique achou disso? – perguntou Moema.
- Que é um problema meu.- disse ele – Que devo estar pronto para essas regras.
- Que bom, não gostaria que você e papai brigassem.
- Nem eu. – interrompeu Linna – Gosto muito do Cacique Tibiriçá e sei o quanto ele é importante.
A tribo estava cheia de visitantes, havia pessoas de várias partes do Brasil e alguns argentinos e uruguaios. Acauã teria que trabalhar e não poderia dar atenção ao grupo. Eles resolveram ficar na pousada de Pauline, já que não queriam atrapalhar.
Muray ficou encantada com o lugar; a beleza e a vitalidade da floresta pareciam ainda maiores no verão. A diversidade da fauna e da flora bastava, teria muita coisa para fazer.
Armando e Linna aproveitaram a luz da manhã para fotografar as mudanças que a estação havia causado nas imediações da pousada.
- A Gralha Azul! – indicou Linna – Olá?
- Linna, Armando, que bom que estão aqui! - respondeu a Gralha - Venham comigo!
A ave levou os dois até uma jovem araucária e orgulhosa apresentou seus filhotes, já estavam quase voando sozinhos. Mas ainda eram pequenos e frágeis.
- Como são lindos! – exclamou Armando enquanto fazia belas fotos deles.
- Crianças, comportem-se!!!E ajeitem-se!!. – dizia ela._ Armando é um ótimo fotógrafo, mas vocês tem de fazer a sua parte.
Os filhotes fizeram piruetas e gracinhas. A mamãe trouxe os pinhões que havia enterrado no inverno. Algumas sementes não podiam ser consumidas, pois haviam brotado. As mudinhas estavam espalhadas pela mata, eram fracas e desprotegidas. A Gralha Azul disse que sobreviveriam as mais fortes, mas que era assim mesmo. Nesta época, os pássaros comiam bananas, pitangas, butiás e outras frutas.
Linna percebeu o quanto tinha sido infantil, em ter ciúmes de Muray, com tanta coisa bonita e importante acontecendo. Achou que estava sendo egoísta e tola.
Armando estava encantado com a paisagem, a luz e as cores que haviam captado. Quando retornaram para o almoço, ele perguntou a Linna o que tinha achado de Muray.
- Achei bem legal! – disse ela sem muita convicção - E você?
- Achei linda, bem posicionada. Eu gostaria de fotografá-la, será que ela aceitaria?
- Talvez... – respondeu Linna – Mas você não costuma fotografar pessoas, sempre preferiu as paisagens...!
- Eu sei. Mas eu queria fotografá-la enquanto está falando sobre as plantas, explanando suas convicções e saberes.
- Por quê?
- Pela segurança que ela passa, a certeza que parece ter.
- Sabe de uma coisa... Essa garota veio me desacomodar.
- Como assim, Linna? – questionou Armando sabendo do que se tratava.
- Ontem, eu não gostei do jeito que ela olhou para Acauã. Confesso que senti ciúmes. Agora, você fala dela como se realmente fosse uma pessoa diferente, atraente... Ela tem um tipo de magnetismo?
- Deixa de ser boba, Linna, eu fiz para te provocar... – disse Armando rindo e cutucando a amiga – Você está dando a maior bandeira! O ciúmes está estampado na sua testa... Mas o que eu disse sobre ela é verdade, mesmo assim...
- Idiota! – Linna abraçou Armando aliviada. Era bom desabafar – Vai fotografar a sua nova pupila... Eu sou mais eu!
- Isso. Até que enfim esta é a Linna Franco que eu conheço... E tem mais se você insistir nesta bobagem, Acauã vai acabar notando ela... Entende?
- Entendo... Vamos mudar de assunto! Que será que Janete e Oscar prepararam para o almoço. Estou morrendo de fome!!!
O cheiro do peixe ensopado podia ser sentido de longe. Muray estava com os olhos inchados, o sumo da cebola provocava uma irritação, que fez com que chorasse. Linna brincou com Armando, dizendo que a hora era apropriada para a fotografia. Depois, tratou de aproximar-se dela e tentar mudar a má impressão que havia formado sobre ela.
- Qual a origem do seu nome?– perguntou para puxar assunto.
- Você não vai acreditar... A minha mãe era louca por um fotógrafo americano, adorava o trabalho dele... Então me deu o seu sobrenome ... Vê se pode? Na escola, eu era motivo de chacota de todo mundo... Muralha, mureta, mural...
- É um nome bonito, só diferente... – disse Linna.
- Muray Silva? Não combina. Mas hoje eu gosto... – Ela cortava tempero verde enquanto falava – Alcança um prato, Linna?
- Claro! Precisa de ajuda com o almoço?
- Está quase pronto – interrompeu Oscar – Tadeu foi buscar o pão.
- Eu conheço o trabalho de Muray – disse Armando – Foi uma revolução no século passado... Visitei uma exposição de suas fotos em NY, impressionante.
O almoço estava ótimo, com um clima descontraído e amigável. Pauline convidou o grupo para fazer uma pequena expedição até a Grande Araucária, seus pais tomariam conta da pousada. Logo, após o farto almoço, todos estavam prontos. Levaram água, lanterna, cereais em barra e o rádio transmissor, equipamento obrigatório na mata. Acauã encontraria com eles no fim da tarde. O grupo que ele estava acompanhando já estava chegando à fonte do rio Maquiné.
Ao longo da caminhada, Muray ficou arrependida de não ter ido até a fonte, pois a água do rio estava muito limpa e parecia pura. Era gratificante saber que alguns lugares permaneciam assim, como santuários.
Tadeu estava um pouco mais quieto do que o normal, Janete disse que achava que era um comportamento típico da idade. Oscar puxava assunto com o filho e nada, só ouvia resmungos, quase incompreensíveis. Resolveram deixá-lo sozinho. Linna se aproximou dele e perguntou o que Muray havia feito.
- Nada!- exclamou ele - Por que, Linna?
- Não sei. Um palpite. Parece que tudo neste passeio tem a ver com ela.
- Só porque ela é muito legal, atenciosa e inteligente? – respondeu Tadeu, rindo de Linna.
- Bobagem, deixa pra lá!. Aqui não parece tão quente, né?
- Esse ventinho e a copa das árvores ameniza o calor. – disse Tadeu._ Eu li numa revista científica que as árvores ajudam a combater o aquecimento global.
- Eu tenho pena dos animais. - disse Linna - Na viagem, eu vi quatro vacas espremidas ...
- Na sombra de um outdoor? – interrompeu Tadeu – Eu também vi!
- Imagina o que deve ser ficar no sol, com esse calor e todo aquele pêlo?
- Não tinha “uma” árvore no campo. Acho que era uma lavoura em período de entre safra.
Linna encontrou um assunto, do qual Tadeu gostav;, acabaram conversando ao longo de toda a trilha. A vegetação estava esplendorosa, a chuva freqüente associada ao calor fazia as plantas crescerem mais rápido.
Os turistas estavam super barulhentos, o vento trazia as gargalhadas e conversas.
Quando chegaram na clareia, onde ficava “A Grande Araucária”, um arco-íris marcava o horizonte, uma imagem alegre e mágica. Como se a natureza fizesse festa para eles...!!
Linna cumprimentou a velha amiga. Sozinha, no meio da clareira, a árvore expunha toda a sua majestade.
Muray não escondeu o seu encantamento. A Grande Araucária era mesmo especial, algo nela trazia paz e serenidade. Para a estudante de biologia, era como encontrar um tesouro.
O grupo se dispersou. Janete e Oscar sentaram-se num patamar formado por algumas pedras, a vista dali era fabulosa.
Muray coletou várias amostras de folhas, flores e sementes. Pauline informou que não era permitido retirar nada da reserva, mas Muray disse que recolheria somente pequenas amostras da flora, nada da fauna. Ela conhecia bem estas regras, pois eram as mesmas do Jardim Botânico. Explicou que havia um código de ética entre os cientistas, bem como um procedimento padrão entre as Reservas da Biodiversidade Brasileira. Linna conhecia bem a clareira e a Mata. Perguntou se ela queria companhia, poderia fotografar a paisagem. As duas acabaram unindo esforços e trabalhando juntas.
Armando tratou de dormir, Gi e Andresa usaram o tempo para discutir planos e metas para o semestre, já que as aulas começariam em poucas semanas e eram bolsistas do mesmo projeto. Estavam trabalhando no impacto causado pelos noticiários na população. Tinham escolhido a seguinte frase chave: PAZ! UMA OPÇÃO. Queriam detectar a função dos meios de comunicação na construção das relações sociais, políticas, econômicas, etc... Uma tarefa e tanto!

Enquanto fotografava a mata, Linna lembrou de Josefina, do quanto a sua presença era importante. Ela sempre tinha uma história com um final feliz e cheio de esperança..! De alguma forma, ela estava junto com o grupo, num sorriso, numa piada, numa brincadeira.
- Que perfume bom! - exclamou Muray- Parece que Josefina está por perto.
- Ela usa uma essência parecida, sabe que eu estava pensando nela?
- Pena que ela não pode vir.Teria adorado este lugar!- disse Muray.
- Josefina esteve aqui conosco no inverno – explicou Linna – Vivemos uma experiência muito doida aqui.
O tempo praticamente voou, Linna percebeu como os interesses de Muray eram diferentes dos seus. Ela procurava observar cada parte da mata e para que servia. Tentava o tempo todo estabelecer relações entre as plantas, os animais, buscando detalhes como: a localização, a quantidade de luz, de água, até a presença de pedras e de musgos nas pedras... Uma loucura! Pedia zoom de tudo, queria particularidades e notava diferenças mínimas. O que, para Linna, era beleza para ela eram dados, catálogos, planilhas...
Acauã chegou sorridente e acompanhado.
- Um Bugio com filhotes! – exclamou Muray apontando para ele - Olhem!
- Essa é a Princesa – apresentou Acauã – Ela não é um Bugio qualquer, é minha amiga.
- Olá! – disse Linna – Como estão grandes e fortes os filhotes.
- Depois daquele susto que levaram no inverno - disse Acauã, referindo-se a ao ataque de caçadores que eles sofreram – Ela não saiu mais da aldeia e a criançada acabou adotando os três... Dividiam sua comida com eles, até que o Cacique descobriu e proibiu.
- Por quê? – Perguntou Andresa.
- Por que devem aprender a buscar a sua comida, ou não podem mais voltar para a mata. Quando os filhotes crescerem, precisam ser aceitos na família novamente. Princesa já está velhinha... Os outros macacos não vão permitir que ela retorne.
- O que vai acontecer com ela? – perguntou Linna.
- Vai ficar comigo! – disse Acauã, emocionado – Ela deve ter pouco tempo... Mas mudando de assunto, como foi à tarde?
- Ótima! – responderam quase em coro.
O sol estava se pondo, Acauã convidou todos para ver o espetáculo do patamar de pedras. Quando menos esperavam, surgiu um ponto escuro no firmamento. Era rápido e brilhante: O Cometa McNaught!
O silêncio imperou entre eles. Ao fundo o som da mata, no horizonte, uma parte dos mistérios de nossa existência. Linna, Muray e todo o grupo compreenderam enfim a profundidade da afirmação de Acauã: “- Nós Existimos!”.










O ROTEIRO DE LINNA FRANCO22

As férias escolares estavam chegando ao fim, chovia em Porto Alegre e a temperatura estava amena, uma raridade nos dias tórridos de verão. Linna Franco estava ansiosa, precisava escrever o roteiro de um filme de curta metragem. Como estudante do curso de jornalismo já havia estagiado em jornal, rádio, televisão, adorava fotografia, mas, de cinema tudo o que sabia era sentar e assistir. Segundo seu professor, isso já era uma das partes mais importantes do processo de aprendizagem. O problema era que nem sabia por onde começar.
A chuva diminuiu um pouco, ela aproveitou e correu para casa. O estágio na emissora de televisão educativa ocupava praticamente todo o seu tempo, antes de subir para seu apartamento passou na fruteira. Quando foi pagar as compras encontrou, junto com a carteira, um ticket de ingresso do Jardim Botânico.
O pequeno pedaço de papel serviu de inspiração para sua criatividade: faria um curta sobre o Jardim Botânico!
A idéia fluiu em sua mente, ela adorava estar lá, entre todas aquelas árvores, flores e animaizinhos. Agora, que tipo de história propor? Um documentário parecia muito impessoal, mais estilo TV do que Cinema. Quando pensava na telona lembrava filmes de ação, ficção, dramas, comédias. O processo de criação é muito estranho, a idéia gerou nela uma vontade enorme de sentar no computador e escrever.
Primeiro pesquisou um pouco sobre a história do jardim e acabou descobrindo que neste ano a instituição completava seu cinqüentenário, uma data super importante. Linna pensou em aproveitar e fazer a história girar em torno do evento.
Fez um lanche, tomou uma ducha e mergulhou no trabalho. Precisava aproveitar essa animação toda. Sentiu um frio na espinha ao digitar as primeiras palavras, o projeto tomava forma:




“O POEMA DO JARDIM”

Um Roteiro
de
Linna Franco
(Personagem da Escritora Fernanda Blaya Figueiró)




1-EXT - PORTÃO DO JARDIM BOTÂNICO DE P. A. – MANHÃ - SOL

Areta( jovem senhora, vestindo abrigo esportivo em tons azuis, tênis, sacola de algodão) e Yani(menina,aproximadamente 5 anos, vestindo roupa confortável, cabelos cacheados presos,mochila, carrega Roca: um preá de pelúcia). As duas personagens compram ingressos e entram no parque.

SEU MARCO

Bom Passeio! Dona Areta!

ARETA

Obrigada, seu MARCO! Esta é minha netinha, Yani... É a primeira vez que ela vem visitar o Jardim Botânico.


SEU MARCO

Então, seja bem vinda!

O senhor entrega um cata-vento azul para a menina.

YANI

Obrigada! Que dia lindo!

ARETA

Acho que escolhemos o dia perfeito. Sabe Yani, quando eu entro aqui gosto de aquietar meu coração.


YANI

Aquietar o coração? Como?

ARETA

Assim: Ouvindo atentamente os sons, respirando bem fundo e soltando o ar bem devagar. Então olhe para as plantas e sinta como seu coração vai ficando mais calmo. Tente!

As duas caminham pelo parque, Yani segue as orientações e olha para Roca.


YANI


Você também pode tenta Roca!... Vó! Há quanto tempo você visita o Jardim Botânico?


ARETA

Desde que inaugurou, em dez de setembro de mil novecentos e cinqüenta e oito...

YANI

Mas isso faz muuuuito tempo.

ARETA

Este ano o Jardim Botânico completa cinqüenta anos. Eu tinha a sua idade a primeira vez que estive aqui. Vim com meu pai, minha mãe e meus dois irmãos.

YANI
Posso correr com Roca?

ARETA

Pode. Eu trouxe um livro, que preciso ler para um trabalho até o fim da tarde, mas, vocês não sumam. Combinado?

YANI

Combinado, vamos Roca!

Areta senta em um dos bancos e abre o livro. Yani brinca com o preá de pelúcia e ele transforma-se em um bichinho de verdade, fugindo da menina.

YANI
Roca! Volta aqui, aonde você vai?

O preá corre entre os arbustos e ganha uma voz, um jogo simbólico característico das brincadeiras infantis. A menina segue o bichinho e entra num mundo mágico.
YANI
Que lugar bonito! Roca! Roca!
ROCA

Aqui Yani!

YANI
Por que você fugiu?

ROCA
Eu não fugi, apenas ouvi o pessoal que mora aqui chamando.
Você não ouviu?

YANI
Chamando para brincar?

ROCA
Não! Eles estão trabalhando para deixar tudo mais bonito para a festa de aniversário.

YANI
Ah! Mas, já está tudo bonito!

ROCA
Olhe! As borboletas, as abelhas, o beija-flor, estão polinizando as flores. As minhocas estão fazendo seus túneis...

CLOUSEUP nos animais enquanto Roca fala.

YANI

Eu sei! Para afofar a terra e trazer mais ar para a raiz das plantas. Minha professora já falou sobre isso.

ROCA
Isso! Convide Areta para ir até o anfiteatro.
Lá um coral está ensaiando o: Poema do Jardim!

Yani
E nós podemos ensaiar junto?

ROCA
Acho que sim!


Yani corre até onde Areta está sentada e sinaliza que quer ir até o anfiteatro. As duas dirigem-se para lá, Yani com Roca nos braços, vai correndo na frente brincando com o cata-vento.


Fim da primeira parte. Linna estava exausta, mas, sua história começava a ganhar forma. Ela nem notou que já estava no meio da noite, a lua brilhava no céu e a chuva havia parado...

Depois de uma boa noite de sono e um longo passeio de bicicleta, Linna estava pronta para reiniciar o trabalho no roteiro. Acauã estava em Maquiné, nesta época do ano muitos grupos visitavam o parque onde ele trabalhava como guia turístico. Então, ela aproveitou para continuar o projeto.

EXT. ANFITEATRO.
Continuação

Areta e Yani chegam até o anfiteatro. Para decepção da menina não há coral algum. Um rapaz trabalha nos jardins.

YANI
Vó! O que é um poema lírico?

ARETA
Um poema lírico?... Deixe me ver... É um sentimento com melodia... Palavras entoadas ao som da lira, um antigo instrumento de cordas.

YANI
Cordas?

ARETA
O violão, o piano, a lira... São instrumentos de cordas. Por que você quer saber isso?

YANI
Roca quer saber como se faz um poema.

ARETA
Um poema?... Com o coração, com a alma... É assim, eu acho! Engraçado Yani, ensino literatura e não sei responder o que você me pergunta.

YANI
Se você fosse fazer um poema sobre o Jardim Botânico, como seria?

Roca foge para os fundos do palco do anfiteatro.


ARETA
Seria um idílio, uma forma de poesia lírica voltada para as coisas da natureza, mas, eu não sou poeta. Posso ler alguns bons poemas para você...

YANI
Como é bonito esse palco!

Yani sobe no palco do anfiteatro e brinca, correndo com o cata-vento. Roca chama por ela nos fundos do palco. A menina desce as escadas e Areta conversa com o jardineiro.

ROCA
Yani! Venha! Estão todos aqui...

YANY
Mas, por que não usam o palco?

ROCA
Palcos são lugares de pessoas... Aqui tem pouco movimento de gente...

YANI

Ah! Quem é aquele?
Sr. Tempo( adulto,maestro, usando bombachas preta, camisa preta, chapéu, uma mistura de gaúcho com pirata, ver texto Rota Náutica Cultural)Aparece com a batuta nas mãos, faz um sinal pedindo silêncio.

ROCA (sussurrando)
Este é o Sr. Tempo, o Maestro da Natureza.Ele conduz e alinha os sons.É
muito exigente!... Ouça Yani!

Yani e Roca ouvem os sons da natureza, um canto de pássaros, água correndo, vento, cricrilar, coachar, etc...

YANI
Mas, são os barulhinhos do mato. Sr... Olá! Seu Tempo!

ROCA
O que você está fazendo? Tá maluca, ele vai ficar zangado...

Roca foge e Sr. Tempo responde ao chamado.

Sr. TEMPO
Hei menina bonita! Estamos ensaiando, o que você quer?

YANI
Ajudar no poema, Roca me contou tudo...

Sr. TEMPO
Os homens perderam o lugar na orquestra... Não conseguem mais harmonizar sua voz com a dos outros seres.
YANI
E esse Jardim... Tão bonito e bem cuidado.

Sr. TEMPO
HUM!!! É como um oásis...

YANI
Como nos filmes do deserto, aqueles laguinhos com árvores, comida e pessoas bonitas?

Sr. TEMPO
Isso!Você sabe cantar?

YANI
Mais ou menos... Minha avó me disse que um poema lírico pode ser cantado com a ajuda de um instrumento de cordas...

Sr. TEMPO
Como as cordas vocais... Ficam dentro da sua garganta... Vamos lá, então! Só que antes você vai sentar e ouvir. O cardeal... O bem-te-vi, o sabiá, o quero-quero... Feche os olhos menina... Um latido, um relincho, o vento nas folhas, um trinado, um gorjeio... A tartaruga entrando na água...
Enquanto o ator fala os sons correspondem. Yani e Roca sentadas lado a lado vão sentir os sons. Uma voz humana é ouvida.
YANI
Que linda voz!

Sr. TEMPO
Iara!
YANI
Não! meu nome é Yani...

Sr. TEMPO
Essa é Iara, uma sereia de voz encantadora... Ela vive nas águas doces... Um perigo para um pirata...
Yani! Areta pode ensiná-la a cantar, ela fazia parte da orquestra quando inauguramos o Jardim. Parecia muito com você e também tinha um cata-vento. Agora você precisa voltar... Leve Roca, e deixe que fuja... Conheça o Jardim... Converse com as árvores, brinque com as carpas... E pense no poema... Assim, quando você menos esperar ela vai brotar, como uma sementinha...

ROCA
Yani!Yani! Areta nos chama... Vamos!

YANI
Tchau, Tempo!

O maestro vira-se sem responder e volta a reger. Areta apresenta o jardineiro a Yani e ele vai mostrando as diferentes partes do Jardim.
(Aqui vamos ter que pesquisar, acho que as alas são divididas por coleções, há o orquidário, a horta, o museu, o ofidiário, mata atlântica, serrado, etc, no site não fala muito, mas lembro de alguma coisa).

YANI
Vó! Me ensina a cantar?

ARETA
Faz muitos anos que não canto... Pelo jeito esta visita está mexendo com você?

YANI
Eu queria cantar como os passarinhos...

ARETA
Agora que você falou nisso... Lembrei que eu adorava imitar os sons da natureza... Na inauguração do jardim encontrei um maestro misterioso...
Os passarinhos cantavam e eu imitava. Ele ouviu atento e no final aplaudiu e foi embora...

As duas imitam os sons da natureza, em forma de brincadeira. Sr. Tempo escondido entre as árvores pisca para Yani.


Continuação:
Interior – Lanchonete.
Areta e Yani almoçam.
ARETA
Nossa que pratão! Será que você vai comer tudo isso?

YANI
Correr me deixou com muita fome... Eu quero um suco de laranja.

ARETA
Depois do almoço vamos visitar o museu... Sua mãe ligou há pouco, disse que virá nos buscar só no fim da tarde.

YANI
Oba! Assim podemos aproveitar bastante... Olha quem chegou!

SEU MARCO
Oi! Esse almoço está bom?

YANI
Está ótimo... O feijão tem um gostinho diferente...

ARETA
È manjerona... Um tempero...

SEU MARCO
É produzido aqui mesmo, na nossa horta. Vocês estão gostando do passeio?

YANI
Muito! Roca descobriu que os animaizinhos estão fazendo um poema para o jardim, o senhor sabia?

SEU MARCO
Não!... Mas, todo o final de tarde e início de manhã parece que o jardim inteiro entra em harmonia e se a gente prestar bem atenção é quase como se fosse uma sinfonia, uma poesia... Eu vou aproveitar e almoçar... Estou verde de fome!

Seu Marco olha para Yani e ela fica curiosa... Como se ele fosse outra pessoa. Mais tarde no roteiro percebemos que é o próprio Sr. Tempo.

ARETA
Quer um doce Yani?

YANI
Agora não... Vó a senhora conhece o seu Marco há muito tempo?

ARETA
Acho que desde a inauguração do parque... Ele já devia ter se aposentado... Vai ver que gosta de trabalhar aqui... Engraçado, ele mudou muito pouco. Agora chega de perguntas... Eu já estou ficando tonta.

Interior - Museu.
Yani toma um susto com o tamanho dos dentes do réptil exposto na entrada. As duas circulam pelo museu. Alguém ( poderia ser um estagiário) fala um pouco sobre os ambiente reconstituídos.

YANI
Roca! Olha! Parecem com você!

ROCA
Viu! Nós somos tão importantes que estamos na vitrine...

YANI
Por que os preás atravessam a estrada?

ROCA
Tá maluquinha? Que estrada, onde tem estrada?

YANI
Não aqui! É que lembrei que o papai sempre fica reclamando quando vê um preá tentando atravessar a estrada.

ROCA
Sei lá! O que os homens foram fazer na Lua?

YANI
Conhecer, ver se dava pra morar lá! Bisbilhotar! Sei lá!

ROCA
Mesma coisa. Os preás vão procurar comida, um lugar legal pra morar...

Interior – Ofidiário
YANI ESCONDE ROCA, a preá é uma das presas das cobras. A visita pode ser acompanhada pela mesma estagiária. Roca e Yani ficam aliviadas ao saírem da sala.

Exterior – Orquidário.
ARETA
Cansei! Vamos sentar um pouco?

YANI
Quantas borboletas! Como são coloridas! As borboletas não fazem barulho...
ARETA
Só quando batem as asas...

O cata-vento de Yani começa a mover-se, ela observa o movimento e passa a ver e ouvir melhor... Como num estado hipnótico. Ela corre até o lago e vê Iara sentada numa das pedras cantando uma canção... Sr. Tempo está ao seu lado.
YANI
Como é bonita!

Sr. TEMPO
Os índios a chamavam de Iara, a Mãe da água, mas, temiam ficar enfeitiçados por seu canto.

YANI
Se eu fosse escrever um poema seria assim: “Ame o Jardim!”

Sr. TEMPO
Um belo poema! Esqueça um pouquinho isso e preste atenção só nos sons produzidos pelas pessoas. O que você ouve?

YANI
Deixa ver... Uma sirene... Um carro... Uma furadeira... Um estouro...
outro carro... alguém martelando... outra sirene...

Sr. TEMPO
Ruídos, ruídos, ruídos... Isso que estamos aqui... Agora imagina no centro da cidade? Claro que tem também música, e boa! Tem gente socorrendo, gente embalando... Mas, também destruindo. Qual é a voz do homem?

YANI
É... Um barulhinho de construção e destruição?

Sr. TEMPO
Bem pensado! Agora como harmonizar isso na sinfonia da natureza? No poema? Quer ver uma coisa? Está quase na hora... Olhe para o horizonte e ouça atentamente...

YANI
O sol está começando a descer... Os passarinhos... A natureza parece alegre...

O poema é esse som de fim de tarde ( Problema da produção).
Sr. TEMPO

Eis o poema!

YANI
Lindo!

Os dois ouvem a melodia e Areta chama Yani.Ela corre, entra no carro e acena para Sr. Tempo. Quando estão saindo do Jardim Botânico Yani percebe que seu Marco é o maestro e abana para ele de dentro do carro.
Seu Marco escreve numa partitura: “ Ame o Jardim!”.

Fim.

Linna estava apavorada. Um frio na barriga. Será que o professor iria gostar?












As locações


Faltava uma semana para o início das aulas e Linna já estava com seu roteiro pronto. Releu o texto antes de passar para seu professor. Modificou algumas coisas e não sabia exatamente como solucionar outras, por exemplo: na cena em que o cata-vento amplia os sentidos de Yani, achou que estava curta, pouco explorada, mas, não conseguia visualizar as correções. Precisava discutir com alguém as possibilidades do roteiro. Pesquisa! Sem sombra de dúvidas precisaria ir ao Jardim Botânico e conhecer melhor os locais onde o roteiro aconteceria.
Pensou em fazer uma série de fotografias do parque, até para ilustrar melhor as suas idéias, quem sabe não organizaria uma grande exposição de fotografias. Um de seus colegas leu o roteiro e lembro imediatamente da música: “Peace on Earth” Do grupo U2. Linna ganhou o dia, o roteiro podia ter problemas, mas, em linhas gerais funcionava.
Apresentou ao professor e o retorno foi surpreendente: “ – Vamos montar uma equipe!” . Suor frio! Palpitações!... Você fez o roteiro para ser filmado ou não? Pode ser seu trabalho de conclusão... Conclusão! Nossa as coisas andavam rápidas nesse mundo. Linna entrava num novo campo, cheio de incertezas.
Daí para frente o roteiro passou por inúmeras alterações. Cada pessoa que lia dava uma idéia, uma nova perspectiva... Mas, aprendeu uma coisa: o roteiro tinha uma unidade, a história, isso não podia ser mudado. Aprimorado sim, mas modificado não.





























Gaia e o Jardim Botânico 23
 
No começo, Gaia era uma energia viva viajando, com seu pai, o Universo, pelo Infinito. Mas, mesmo assim,  sentia-se solitária. Não tinha nenhum lugar, onde pudesse repousar e brincar. E onde tivesse Amigos.  Então  desejou não ser mais só. E desejando não ser mais só, tornou-se uma Energia de Ágape, que unindo tudo o que existia, dentro do Caos, deu origem a todas as formas vivas: plantas e animais, do micro ao macrocosmo... Do organismo mais simples ao mais complexo. Juntando e reajuntando. Escolhendo o  que era mais útil e reelaborando o que, aparentemente, não tinha nenhuma utilidade.Porque tinha se reconhecido, se identificado, Gaia não era mais uma força seletiva, mas agrupadora. Desejando não ser mais só, não queria  excluir, mas incluir. Não queria mais escolher para eliminar, mas adequar tudo ao todo.Tinha compreendido que cada coisa tinha sua razão de existir; e só por isso, TUDO E TODOS deviam ser respeitados.Dessa nova consciência de Gaia, nasceu toda a Diversidade possível e até inimaginável.Porque Gaia soube valorizar essa Diversidade, o Universo presenteou-a com aquele Planeta azul, tão bem feito e colorido por ela.
Mas, um dia, Gaia começou a perceber que os seres humanos estavam maltratando todas as suas criaturas, inclusive, eles mesmos. Gaia chorou muito e até pensou em criar um novo planeta, mas, seu pai, o Universo, disse que ela devia criar um abrigo para todas as suas criaturas, onde pudessem ser  preservadas de todo o perigo que os seres humanos começavam a representar e amadas por tudo aquilo que representavam:o desejo de PARTILHA.
Então, Gaia assoprou uma brisa, sobre aqueles que amavam sua Diversidade, e eles tiveram uma brilhante idéia: construir um jardim, repleto da Diversidade que Ela tinha criado, onde aqueles que amavam-na e a  suas criaturas pudessem admirar e contemplar toda aquela Beleza.E puseram o nome do lugar de Jardim Botânico, numa cidade cujo nome Gaia gostava:Porto Alegre, dentro de um estado cujo nome também era diferente:Rio Grande do Sul, e dentro de um país,  onde a Diversidade humana, também proliferava e que era chamado:Brasil.
Já em meados de agosto, Gaia ficava ansiosa e eufórica...!!!Logo, logo, iria ser festejado o aniversário do Jardim; aquele jardim tão especial que tinham criado para ela...!!!
A Mãe Natureza, sabendo o quanto aquela celebração era importante para ela, já no início de setembro, começava a espargir sementes de Vida, por toda a parte. Milhões de minúsculos flocos coloridos voejavam sobre a cidade, espalhando criação e recriação, florescimento e reflorescimento.As plantas mortas entregavam-se ao solo, para lá fertilizarem novas plantas. As sementes adormecidas, no fundo da terra, começavam a acordar, buscando o Ar. As flores murchas caiam, felizes, por fecundar novas flores, através de sua morte.Zilhoes de sementes poliédricas e multicoloridas faziam sua viagem de renovação, á procura de um lugar, para ancorar e viver.
As borboletas sentiam intensamente essa passagem, por isso, Bibi, uma borboleta dourada , também estava animada...!!!
    _Que linda aquela semente em forma de estrela!!!!!E aquela em forma de espiral...!!!!Ali, ali, que flor avermelhada e linda está se abrindo!!!!_Dizia Bibi para Géa,a menina azul ( descobri um personagem chamado menino azul, não sei se não vai dar problemas, é bem trabalhado)  extasiada e embriagada com aquela Renovação.
    Géa sorria e ria. Bibi era tão alegre e esperta!!!Uma verdadeira companheira!!!Géa também estava entusiasmada com toda aquela Mudança...!!!Alguma coisa dentro dela mesma já pressentia todo aquele Colorido. E sentia que Alguém muito especial estava fazendo tudo aquilo... Para ela!
    Nos arvoredos verdejantes, os passarinhos começavam seu cortejo de primavera, ansiosos, também, pela perpetuação de sua espécie. As borboletas já teciam seus casulos aveludados, para que quando a Primavera chegasse, seus filhotes pintassem os céus, com suas asas transparentes e coloridas.
 Tudo ia acontecendo, como a Mãe Natureza desejava, a chegada da Primavera seria exuberante e festejada. Mas Géa e Bibi queriam sensibilizar as pessoas sobre a importância daquele lugar mágico.
- Vamos aproveitar que vem um monte de gente aqui e distribuir sementinhas de Paz? – sugeriu Géa.
- Sementinhas de Paz?? – perguntou Bibi – Onde encontramos? Eu não conheço isso!
- Lembra que, lá, no Farol de Itapuã, nós fizemos um cartaz? Com a Pombinha da Paz trazendo no bico uma folha?
- Claro!Este é um dos símbolos mais antigos da Paz!!Usamos por que todo mundo reconhece.
- Vamos fazer fitinhas brancas para as pessoas usarem . Cada fitinha vai lembrar a importância de vivermos em Paz. Como uma sementinha! Que tal, BiBi??
 
 








Trânsito24
 
             Bibi voejava, tranqüilamente,á noite, quando ouviu um som estrondeante.Assustada, voou, em direção, aquele  estranho  som.
            No meio da rua, um carro atravessado em uma árvore; ferragens retorcidas, feito um quadro surrealista...Macabro.
            Bibi observa, aturdida, os bombeiros tentando tirar alguém daquele estranho veículo, enquanto ouviu um gemido soluçante.
            Mais tarde, ela ouviu as conversas:
            Que pena!!!Era uma moça tão jovem!Só 21 anos.
            Pois é!!!Parece que ela andava cansada, tomando remédios para conseguir trabalhar.
            Um parente disse que ela estava indo viajar pra casa dos avós, no campo. Disse que ela sempre tinha gostado do campo, da natureza. Mas com os estudos e o trabalho, não tinha mais tempo...
            Bibi entendia...A moça tinha estado desconectada da Energia vital.
            Também ouvi isso... Ela estava sobrecarregada; os pais estavam cobrando muito que ela estudasse, pois a faculdade era particular.
            Por isso, ela tinha começado a trabalhar. Mas parece que, freqüentemente, pediam que fizesse horas  extras, e com medo de perder o emprego, ela ficava trabalhando até mais tarde...
            Que pena, mesmo!!!Uma vida inteira pela frente!!!
            Bibi não entendia!!!Se ela era jovem, e tinha tanto tempo pela frente, porque tinha corrido tanto??? E trabalhando tanto??? Porque tinha teimado em desconectar-se da Energia vital?As borboletas tinham um curto tempo de vida, mas aproveitavam ao máximo, vivendo!!
Anderson caminhava pelo parque. Bibi estava assombrada com a imagem de destruição. Questionando valores e o meio de vida da sociedade atual.
Para ele, era só mais um capítulo triste das ruas. A jovem motorista aparentava calma. Seu sofrimento estava aliviado; de longe, Anderson viu um níveo raio de luz observando o corpo inerte. O desespero de amigos, familiares e da própria cidade, era comovente.
Aos poucos, sua energia retornava ao universo... Seu sorriso, estampado em fotografias lembraria aos seus a importância da vida: “ È preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Por que se você parar para pensar na verdade, não há” como já tinha cantado  o saudoso  Renato Russo.
Anderson se aproximou de Bibi, que refeita, abandonou aquele triste lugar, voltando a voar, leve e feliz.
Por um longo tempo, aquela  energia estagnada ficaria impregnada naquele canto do parque. Apenas, com muita oração e renovação, as coisas fluiriam bem, novamente... A árvore estava triste. Seu tronco profundamente marcado e suas raízes abaladas.
Depois que todo o movimento passou, Anderson acendeu um pequeno toco de vela, sentou ao pé da árvore e esperou que o sol nascesse. Carros apressados transitavam, novamente, pelas ruas, ônibus repletos de pessoas em busca de sonhos, transeuntes sonolentos e sinais para parar e seguir.
A energia da moça transitava, verticalmente,  livre, sobre a cidade;  já não pertencia mais aquele lugar...
Sorrindo, silenciosamente, Anderson  despediu-se:
_Fique em paz!!! Sua missão aqui está terminada...Mas a minha, ainda não...














O Crime da Composteira

Nem tudo são flores no jardim... O famoso “Crime da Composteira”, como ficou internacionalmente conhecido, aconteceu, num verdadeiro paraíso, ás margens da Lagoa dos Patos: O Sítio do Tércio.
Eu, como fui uma das principais testemunhas, gostaria de contar para vocês como tudo aconteceu. Meu nome? - Pi-ju, o cardeal cantador, amigo de Linna Franco, a jovem estagiária de jornalismo, conhecida de todos.
Pois bem! Vamos aos fatos: Local do crime: A composteira. Horário: Logo após o café da Manhã. Motivo: as disputadas “Casquinhas de Mamão”. Envolvidos: Os dois sabiás: Jack e Mad. O crime: Uma acirrada briga, fora das normas de boa convivência do sítio, criadas por nada mais, nada menos, de que: A Mãe Natureza.
Era um lindo dia, lembro bem. Tudo começou exatamente como sempre...O galo cantou, o sol nasceu. A luz da cozinha acendeu. Pássaros, galinhas, gado, ovelhas, todo o mundo já estava acordado, fazendo alongamentos, xixi, tomando água... Na maior Paz!
Um aroma de café no ar, barulhinho de pão crocante sendo mastigado, cadeira arrastada. Dente escovado, banho tomado. Tércio, Melissa e Júnior saindo correndo, como sempre...!
Eudora! Prestem bastante atenção: - Ela prefere suco, no desjejum. Naquela manhã: mamão. - Todo mundo já sabia o que iria acontecer... Eudora sempre raspava pouco as cascas, Tércio sempre dizia: - É um desperdício. Novo suco! E ela sempre deixa um pouquinho na casca. Aquela polpa laranja, saborosa, perfumada... Tudo de bom...!! O que acontecia? O resto - ela jogava na composteira. Um de nós ia, lá, dava uma bicada, tirava um bocadinho. Depois ia outro, e assim era festa, o dia inteiro.
Só que, naquela fatídica manhã, Jack e Mad resolveram ir comer, exatamente, no mesmo momento. Pronto! Começou toda a confusão!
Eudora abriu a porta da cozinha... Caminhou até a composteira... Jogou as casquinhas... Conversou com os cachorros e virou-se, para ver se a água deles estava limpa.
Jack deu um rasante na composteira, identificou a iguaria. Mad fez o mesmo e os dois sabiás ficaram frente a frente. Eu? Estava no telhado do alpendre esperando um momento bom, não que eu seja covarde, só pacifista, entenderam, não é???
Peito estufado, músculos a mostra, cara amarrada, dos dois lados. Eudora ainda brincou com eles: - Bom dia! Vieram comer as sobrinhas... Que bonitinhos!!
Bonitinhos?? Os caras estavam, ali, no maior clima, e ela achando bonitinho!! Os bons passarinhos: Jack e Mad??? TT

Tá Louco, meu!! Os pássaros mais durões do sítio!! Eudora não tinha maldade no coração... E o Clima foi ficando feio...!! Ninguém se aproximava, ninguém se afastava. Nem um Piu. O pátio foi ficando quieto. Os cachorros botaram o olho. Isso é ruim, pensei comigo. Um vôo ameaçador de Mad e começou a perseguição, em pleno ar. Eu??? Voei para uma laranjeira e fiquei só olhando, aproveitei e fotografei para minha amiga Linna. Quando Jack pousou na composteira e bicou as casquinhas, Mad atacou... Coisa muito feia!! Acha que ele se mixou??? Que nada !! Foi bicada pra tudo que é lado, garras nas asas, golpe baixo, perto do olho e tudo..... Até que Eudora foi lá e acabou com a briga... Enterrou as casquinhas e fechou a cara. Gente!!! Ficou furiosa! – Que vergonha!! Disse ela com as mãos na cintura. – Brigar por tão pouco e bla,bla, bla, bla... MaMM Mior sermão.
Punição: Não tem mais casquinha. A composteira vai ser fechada. Eudora contou tudo para Tércio, Melissa e Junior. A família resolveu que isso não podia voltar a acontecer. Tércio aproveitou para falar que Eudora sempre deixava...
Comida aqui no sítio é o que não falta... Agora, as casquinhas eram um ritual, sabe? Uma coisa meio “sagrada”, um momento de interação da gente com a Eudora... Aquele clima de amizade, de respeito e cuidado. A gente sentiu falta.
Resolvemos, então, levar ao conhecimento de quem???
Mãe Natureza. Ela, é claro, já sabia de tudo.
Em sua sabedoria, disse que deveríamos esperar. Pois Eudora esqueceria o fato, logo, voltaria a comprar mamão, já que os do sítio estavam verdes ainda. E lógico que continuaria deixando um pouquinho de polpa na casca...
Agora, quanto a Jack e Mad???
Foram mandados para a Sabiá Terapia. Onde estão discutindo seus impulsos e sua necessidade de extravasar as emoções mais agressivas. Para resolver isso, Mãe Natureza instituiu os Jogos Olímpicos. Onde eles poderão medir sua força,sem brigar...!
Linna vai publicar minhas fotos,em seu blog...
Tô louco pra ver... Acho que minha reportagem também...
Direto do Sítio do Tércio para vocês: Pi-ju o cardeal cantador





























O exílio

O vento trouxe sons e odores longínquos que fizeram com que o Pelicano Solito recordasse do seu bando. Morando em Itapuã há muitos anos ele já havia perdido o sotaque castelhano. Deu um pequeno vôo até o topo do farol, queria aproveitar esse ar do sul.
Os pelicanos costumam viver em bandos, em comunidade. Solito era um desterrado. A entrada da primavera o entristecia. Foi num dia calmo e aquecido que tudo aconteceu. Jovem e sonhador, ele cuidava do ninho, enquanto sua parceira se alimentava. Um dos ovos quebrou e um belo filhote veio ao mundo. Ele transbordava de emoção. Tudo corria muito bem. A comunidade sorria para ele, o pequenino era forte e vigoroso. Mas, algo aconteceu... E o filhote caiu, sem explicação... Solito, desesperado rasgou o peito com o bico, arrancando suas penas e dando seu sangue para reanimá-lo. Os outros filhotes começaram a nascer e ele ficou perturbado. O pequeno sobreviveu, graças a sua coragem.
Mas, ele partiu! Para sempre!
Dedicou-se a arte da Poesia e adotou o recanto do Farol de Itapuã como morada.
Solito ficou ali com as asas ao vento, o coração curado. A alma de poeta enternecida.
O sol se punha nas águas cristalinas, trazendo lágrimas renovadoras, lágrimas do belo.
Uma fotografia no álbum de Linna Franco revelando o mistério do mundo.





Quem disse?

O Pelicano Solito

Itapuã? Um refúgio?
Não! É muito mais...
É.
Itapuã É...

Uma realidade.

Aqui os sonhos deixam de ser sonho...
Aqui os projetos saíram do papel e as idéias da inércia...
O grito retumbou, a natureza respondeu.

Todas as perguntas tolas encontraram respostas sábias e tangíveis.

Há um futuro e ele é majestoso e sólido como o granito
A Natureza nunca perde nada.

Basta ouvir sem medo
Ver sem limites
Tocar com cuidado
Inalar a mata
Provar a água pura

A verdadeira homenagem que Viamão pode
fazer ao Lutz é
Amar incondicionalmente a "Criação"
 
 

Para o Sarau da Semana do Meio Ambiente
Fernanda Blaya Figueiró













O Reino de Li

“Princesa Li mora na antiga salga, lugar onde os pescadores salgavam os peixes para conservar e trocar por alimentos e outros artigos...
...Uma palafita em ruínas, assim era a antiga salga. A água batia levemente nos pés da construção, o mato havia derrubado o piso e a fachada. O mobiliário do palácio era todo construído com espinhas de peixe e conchinhas da lagoa.
O espelho de um camafeu europeu do início da colonização do Brasil servia para Princesa Li enxergar a história. A peça rara havia sido encontrada há muito tempo, nas areias grossas da Prainha. Li explicou que fazia parte de um tesouro, guardado a sete chaves, pelos espíritos do corsário inglês e do escravo jamaicano.”25
A libélula estava encantada com a beleza da praia de Itapuã. Com o frio e a chuva os animaizinhos estavam encolhidos. De seu Palácio ela via a água batendo na laguna, o vento parecia deitar os pingos, tornado a noite ainda mais bonita.
Itapuã era habitada por inúmeras espécies de animais, que viviam em perfeita harmonia. Cada um desempenhando seu papel na importante tarefa da manutenção da vida.
O sossego da praia foi quebrado por um raio que atingiu uma embarcação que atravessava a laguna... A luz, o estrondo e o naufrágio trouxeram o caos... Homens nadavam desesperados para alcançar a areia.
Li soou uma concha avisando a todos. O bugio Faroleiro chamou os guardas, emitindo sinais com a luz do farol. E o pelicano Solito fez um longo vôo de reconhecimento, para avaliar os estragos.
A natureza em uma prova de força mostrava que não podia ser dominada. A energia não podia ser contida, explodiu de forma violenta e luminosa. O estrondo abalou a terra. Mas, logo tudo retornou ao normal. A chuva ficou ainda mais intensa e em poucos minutos a praia estava cheia de gente.
As pessoas foram socorridas. Do barco restaram apenas pedaços flutuando na água...
Li só sossegou depois que tudo estava tranqüilo. A natureza sabia o que fazia... Às vezes uma pequena explosão servia para renovar as energias. Revitalizar as forças e colocar tudo no lugar certo.
Li e os animais teriam muito trabalho para limpar a praia e muito assunto para por em dia .









































O tapete encantador

Linna Franco estava “matando tempo”, tinha concluído seu estágio, na TV Educativa, e estava de férias na faculdade. Seu curso ia muito bem, mais um semestre e seria uma Jornalista. Já tinha planos para o futuro, faria especialização em fotografia.
Com tempo sobrando, resolveu ir ao centro, caminhar um pouco e “ver” as novidades. Visitou os museus. Comeu sanduíche na padaria do mercado. Viu as vitrines e as tendências da moda. Fotografou o cotidiano, pessoas e imagens do centro.
Caminhava, distraída, quando viu uma pequena tabuleta: “Antiguidades. Liquidação. 50% de desconto em todos os artigos.” Ela adorava antiguidades, resolveu entrar na loja e bisbilhotar um pouco.
Uma antiga portinhola de madeira esculpida a mão dava para o interior de uma loja muito especial. Linna teve que baixar a cabeça para entra: a portinha acompanhava os Arcos do Viaduto.
O assoalho de madeira rangeu, reagindo a suas pisadas, fazendo com que tomasse consciência do seu andar e pisasse com mais leveza. À primeira vista, a loja parecia sem ninguém. Estava repleta de produtos, dos mais variados: livros, Cds, móveis, vinis, porcelanas, bijuterias. Tudo muito colorido e variado.
Sobre o balcão havia um sininho e um bilhete: “Toque para chamar o atendente.”
Um aroma de bolor, naftalina e alfazema traziam ao lugar uma aura de coisa antiga. Pequenas etiquetas amarelas continham o valor de cada objeto: o preço antigo riscado com caneta vermelha e o atual, já calculado o desconto.

Um lustre de cristal estava pendurado, num dos cantos da loja. Linna achou o objeto muito parecido com o cristal rosa que usava como uma lente... Assim que estendeu a mão para tocar na peça, ouviu a voz severa de um senhor:
- Não toque! Você procura alguma coisa, menina?
Um homem baixinho, magro e mal humorado olhava, desconfiado, para ela. Usava óculos quadradinhos e um volumoso bigode . Tinha olhos negros e sobrancelhas finas, um vozeirão parecido com os dos antigos locutores de rádio... Estava parado atrás do balcão, e tinha, nas mãos uma cadernetinha de apontamento. Só então a garota ouviu o tango que tocava, dando um ar de mistério ao lugar...
- Eu estava só olhando! - disse um pouco assustada - Uma vez, eu comprei, no brique uma peça muito semelhante a esse abajur... Um cristal rosa...
- Esse lustre pertenceu a uma princesa. - respondeu o senhor – você ainda tem a peça?
- Sim! Outro dia posso trazê-la... O senhor tem muitas coisas especiais aqui.
O homem sorriu, seu rosto se iluminou e Linna percebeu que era um bom sujeito. Aos poucos foi falando sobre os objetos, como tinha adquirido cada um. O quanto havia investido e o que cada um significava para ele.
Linna viu num cantinho enrolado, um tapete colorido. O senhor logo notou seu encantamento.
- Como você se chama, menina?
- Linna Franco. - Respondeu estendendo a mão para ele.- E o senhor?
- Zahir Caled! – Respondeu, segurando sua mão, com gentileza, como se segura a mão de uma dama. Linna estranhou, não estava acostumada com isso, sem sentir flexionou os joelhos e fez uma reverencia com a cabeça levemente inclinada. – Este tapete chamou sua atenção?
-Sim! Achei lindo, posso dar uma olhadinha??
- Mas, é lógico- respondeu Caled – Mas, preste bem atenção... Este é um tapete encantador...
Seus olhos estavam alerta, observando a reação de Linna. Ele segurou o objeto, com muito cuidado e estendeu sobre uma antiga bancada de madeira. Um pozinho brilhante ficou em suas mãos. Com todo o cuidado foi desenrolando o objeto, aos poucos a música mudou completamente, lembrando os antigos castelos medievais e um perfume de rosas invadiu o recinto.
Linna estava encantada! Um belo jardim, uma fonte de pedra e a figura de uma jovem apareciam tecidos em um fio muito fino e delicado. Tudo em meio a um belo jardim ensolarado e florido, com o céu e o mar, no fundo. Muitas cores, emolduradas por um paspatu vermelho com ramos dourados... O tapete era realmente belo... Frente e verso perfeitos e franjas delicadas contornavam a peça.
- Que lindo!- Linna deixou escapar- Acho que nunca tinha visto uma peça tão bela...
- Pois veja bem... Este é o retrato da princesa que era dona do lustre do Cristal Rosa: Haniffe , a bela das flores.
Linna notou a admiração nos olhos de Caled. Uma coisa chamou sua atenção, não havia nenhuma etiqueta no tapete. Nem cogitou em perguntar o preço, já que ele parecia estar num outro mundo.
- Tim! Tim! – Alguém tocava o pequeno sino no balcão.
Linna entendeu que Caled precisava trabalhar, olhou no relógio e ficou surpresa, já era tarde. Haviam conversado por horas... !!
Um garotinho brincava, com a campainha, era Mustafá o neto de Caled...
- Vô! – Disse, olhando para ele – Vamos, estou morrendo de fome.
Antes de sair, ela comprou vários incensos. Estavam muito baratos e seu dinheiro andava curto.
- E o Tapete? – indagou Caled.- Não vais levar?
- Eu ando um pouco sem dinheiro... – Respondeu – Notei que não havia etiqueta, então acredito que deva ser muito caro!
- Sim! – disse olhando para ela- Mas, podemos parcelar, negociar.
- Outro dia! – disse Linna- Seria... Mais ou menos ???
- Dez mil! – disse com convicção, Caled sabia pelo perfil da menina que este valor estava fora de seu poder de consumo.- Mas, podemos negociar...
Linna riu, dez mil para ela era praticamente impossível! Se tivesse toda essa grana daria entrada em um apartamento, jamais, em um tapete.
- Acho que, para mim, os incensos estão de bom tamanho... Nem mil eu poderia pagar, quanto mais dez mil...
Caled ficou orgulhoso dela, sabia pechinchar...
- Mil! É um desaforo... Nem pensar, mas,nove mil, parceladinho??
Linna agradeceu a bela tarde que passou em sua companhia e saiu feliz, com seus incensos. Caled sabia que ela voltaria. Ficou muito feliz em encontrar com ela.
Assim que Linna saiu, ele fechou o estabelecimento, com um ar de satisfação. Mustafá ajudou a guardar a tabuleta. Era o fim do dia, mas o início de uma nova história...


O encanto de Haniffe

Mustafá, Caled e o tapete não saiam do pensamento de Linna. Assim que chegou em casa, resolveu pesquisar sobre a arte da tapeçaria. Descobriu que era uma tradição muito antiga, praticada por persas, gregos, romanos e muitas outras culturas.
Lembrou de Caled dizendo que aquele era um tapete que havia sido tecido, no interior da França, no século quinze.
A princesa Haniffe era, realmente, muito bonita. Suas feições eram alongadas e a pele levemente escura, tinha longos cabelos castanhos, caindo sobre os ombros. Linna lembrou que, no retrato, ela usava um vestido verde escuro, com detalhes em branco. Aparecia, em meio a um belo jardim, com muitas flores, e seu sorriso era muito pacificador.
Enquanto pesquisava, Linna acendeu um incenso e tentou se imaginar naquele ambiente. A delicadeza dos detalhes e a perfeição do desenho indicavam muita habilidade e paciência.
Caled contou que a princesa havia saído muito jovem, de sua terra natal, por causa de uma terrível guerra. Mas acabou deixando, lá, um grande amor. Para passar o tempo e evitar o sofrimento da separação, teceu o tapete, com a ajuda de suas tias e primas. Ele deveria ser um presente para seu bem amado.
A confecção levou muito tempo. Haniffe escolhia a urdidura, tingia cada fio e tramava com paciência e dedicação. Sempre, imaginando que um dia o tapete levaria seu encanto para junto de seu bem amado.
As notícias de sua tribo não eram as melhores, guerras, saques, dominação. Haniffe conclui a bela obra e confiou a um bom mensageiro. Mas os tempos eram muito turbulentos e o artefato acabou caindo, nas mãos de um pirata ambicioso.
A princesa esperou, em vão, saber o que seu amado havia achado do tapete. O tempo passou e ela, desiludida, achou que havia sido esquecida. Perdendo seu encanto...
Ninguém soube dizer o que aconteceu com a bela princesa. Uns dizem que retornou para sua tribo, outros, que morreu de tristeza. Caled preferia a estória que dizia que, um dia, encontrou seu grande amor, num belo jardim.
O tapete? Seguiu enrolado, no porão de um navio, levando o encanto e o amor da bela Haniffe. Em terras muito distantes, foi trocado por ouro e prata. Serviu de ornamento e de agasalho. Passou por palácios e sacristias. Hoje, aguarda na loja de Caled.
Linna estava cansada, mas muito feliz. No dia seguinte, levaria a lente de cristal até a loja, para ver se era do lustre. Mas, como Caled sabia que as duas peças eram da mesma princesa?


O Cristal
 
Linna vasculhou suas gavetas, em busca da peça de cristal rosa. Estava guardada, junto com sua correspondência e alguns documentos. Retirou, com cuidado, o pó, e levou, até a janela,para conferir se estava bem limpa.
Os raios do sol da manhã passaram pelo cristal, sendo refratados em vários feixes de luz. O apartamento ficou repentinamente  iluminado. Linna sempre achou que a peça era uma lente, pois olhando, por ela, as coisas ficavam bem mais bonitas. Mas seu formato indicava que era parte de um outro objeto. Ela sempre imaginou um abajur, destes de cabeceira. Só que, quando viu o lustre pendurado na loja de Caled, ficou com a impressão imediata de que o cristal rosa fazia parte dele.
O lustre não era muito grande: quatro braços de prata sustentavam os bojos de cristal rosa; dentro dos bojos, havia um lugar para fixar velas, uma corrente, também, de prata, suspendia o objeto. Na parte inferior, havia uma lacuna, exatamente do tamanho da peça que Linna chamava de Lente de Cristal.
O lustre devia ser muito caro; ela precisava saber o que pretendia. Não teria condições de comprar a peça, mas, também não queria se desfazer da lente... Que estava jogada numa gaveta, isso era bem verdade...!
Parou. Devia ou não ir até a loja??
O que era mais importante?  Seus desejos ou a reconstituição de um objeto que tinha, no mínimo, quinhentos anos? Que pergunta sem sentindo! Pensou. Pegou sua bicicleta, colocou a lente, na mochila, e não pensou em mais nada...
Chegando lá, a pequena tabuleta estava no mesmo lugar. Mustafá vendia livros para um casal e Caled não estava por ali. Nem o tapete, nem o lustre.
- Bom dia, Mustafá !!- disse Linna- Seu avô está aí??
- Bom dia! – respondeu o garoto – Que bom que você voltou! Quer mais incensos??
- Não! – respondeu, estranhando a pergunta - Eu trouxe o cristal rosa... Lembra, combinei com o senhor Zahir Caled...
Do fundo da loja, veio uma senhora rechonchuda, olhou meio assustada para Linna e disse:
- Zahir  Caled???- Do que você está falando???
Mustafá fez um sinal para ela. Concluiu a venda de livros que estava fazendo e disse que havia contado para Linna a história do Tapete Encantador e do Lustre de Cristal Rosa. A senhora ficou satisfeita e voltou para o fundo da loja, resmungando:
... Lendas! Lendas de piratas e princesas... !!
A princípio, Linna não entendeu nada. Mustafá encostou, levemente, a porta de madeira e sussurrou para ela:
- Zahir Caled! Era o mensageiro...
- O Mensageiro...? Da princesa Haniffe?
- Sua alma anda perdida... Por que...
Linna interrompeu a fala de Mustafá
- A encomenda nunca chegou! – Linna estava arrepiada- Mas, ontem eu vi ele...
Mustafá acendeu um incenso de rosas  e a atmosfera mudou, completamente. A mesma música tocava, com suavidade. Caled apareceu, com o pozinho do tapete nas mãos.
- Tudo o que eu preciso, para descansar, é unir o lustre e o tapete e entregá-lo, no seu destino. Foi assim  que tudo aconteceu: Haniffe era a mais bela princesa do mundo, naquele tempo. Seu amado, o mais corajoso guerreiro. Eu, o mais confiável mensageiro. Porém, um ganancioso pirata, que nem o nome deixou na história, assaltou-me assim que parti. Eu nunca havia perdido uma encomenda, passei o resto de meus dias procurando...
- O lustre estava bem enrolado no tapete. Quando atravessou o mar, chegando a este continente, um marchand os separou. Vendeu o tapete para o norte; o lustre para o sul. Segui o tapete, pois, nele, estava a imagem da bela princesa, a quem eu servia. De que adiantaria um tapete, sem luz para admirá-lo?
O tapete e o lustre estavam sobre o balcão. Mas, só Mustafá e Linna viam. Caled parecia uma visão. Linna retirou, da mochila, a lente e aproximou-se, com cuidado, do lustre. Com a ajuda de Mustafá, encaixou, com toda a delicadeza, a lente, na base do lustre.
Neste instante, as paredes da loja tomaram o contorno da moldura do paspatu do tapete. Linna e Mustafá estavam nos jardins encantados de Paris... Haniffe entregava a encomenda para Caled...
- Tim!Tim! – A campainha tocou. Linna estava surpresa. A mãe de Mustafá olhava desconfiada para ela.
No sorriso da princesa, Mustafá e Linna encontraram a Paz. Caled havia cumprido sua missão.
A loja estava, novamente, com cheiro de bolor e alfazema. O lustre o e o tapete haviam desaparecido, junto com a lente.
- A final, o que você procura?– perguntou, irritada, a mãe de Mustafá.
- Aqui está sua encomenda. – Interrompeu Mustafá – São cinco reais.
Linna pagou o que o menino pediu, despediu-se e pegou a encomenda. Pegou sua bicicleta e sumiu...
Quando chegou em casa, abriu o pequeno envelope, dentro,  havia um cartão muito amarelado, no qual estava escrito: “ O amor sempre vence! Princesa Haniffe!” A inscrição tinha o mesmo paspatu vermelho do tapete e as letras estavam escritas em tinta dourada. Descoberta Arqueológica.
Linna encontrou no jornal da manhã uma notícia muito inesperada, o Tapete da Princesa Haniffe havia sido encontrado num sítio arqueológico no Iraque. A nota informava que em meio à guerra e os inúmeros problemas que a região vinha enfrentando, a descoberta arqueológica era muito importante, pois trazia esperança para a população. Junto ao tapete estava um belíssimo lustre de cristal rosa. Sorriu imaginando que Caled havia concluído sua missão. Pensou em entrar em contato com o repórter do jornal e contar da carta que estava com ela. Seria difícil explicar a sua origem. Resolveu então, enviá-la para o museu que guardaria o patrimônio cultural recém descoberto.
Lembrando da história de Caled mandou a encomenda como carta registrada. Aquela bela mensagem não pertencia a ela, era parte do Encanto do Tapete. Era como se a princesa tivesse levendo um pouco de paz, para o meio da guerra.
Linna passaria uns dias na casa dos pais, depois em Maquiné com Acauã. Suas férias estavam no fim, precisava guardar energia para o trabalho de conclusão do curso. Já vinha preparando sua monografia: O papel da Imprensa na Construção da Paz. Um assunto realmente difícil.
Seria um semestre de muito trabalho para ela.
O Fim do Ciclo é também o Início.
Queridos leitores!

Escolhi o mês em que o blog completa dois anos para terminar um ciclo de produção: As Aventuras de Linna Franco.
Agradeço a Angelita Soares, por sua valiosa colaboração, como leitora, revisora e co-autora e a todos os amigos que acompanharam estes dois anos de jornada.
Escolhi para finalizar a produção um dos primeiro textos das Aventuras de Linna Franco. Publicado no Site da Revista Viamão e inaugurando o blog, em 19 de agosto de 2006.
Um grande Abraço
Fernanda Blaya Figueiró


Como é belo o mundo!

Linna acordou inspirada. Domingo, onze horas da manhã, o parque cheio de gente. O terno sol de inverno convidando para sair de casa. Sua mãe queria que ela fosse almoçar com a família. Pegou a “magrela” e foi direto para o parque, o almoço teria que esperar. Armando já estava lá, com a máquina em punho. Uma legião vestia branco e pedia Paz.
Paz no mundo.
Linna usou uma bandeira, comprada de um ambulante, para aderir, incondicionalmente, ao movimento.
Um movimento de reação. Uma verdadeira estratégia de guerra. Contra a onda de medo e ódio. Contra a manipulação dos fatos e o pânico que estava se instaurando nas comunidades. O parque foi tomado por pessoas de todas as idades. De todas as culturas. De todos os partidos.
O grupo caminhou, cantou, pensou: “Vamos reagir enquanto é tempo!”
Armando e Linna estavam agitados, a sociedade brasileira esta passando por um momento crítico.
O terrorismo que antes estava restrito ao Oriente Médio, Europa e USA. Agora estava batendo a porta dos brasileiros, com mais intensidade do que nunca. E o que era pior, promovido por um grupo de excluídos do próprio sistema social brasileiro. Um produto da nossa sociedade.
Linna estava tomada de um sentimento de medo, misturado com revolta. Como a sociedade poderia reagir?
Armando estava fotografando a manifestação quando um grupo começou o arrastão. Levaram tudo, bolsas, carteiras, óculos, bonés. Tudo o que tivesse valor.
O batalhão de choque da polícia militar que acompanhava a manifestação entrou em ação.
Uma fileira de soldados batia o cacete contra o escudo. O barulho era amedrontador. Eles marcharam enfileirados para conter o tumulto. Os cavalos galopando avançaram dissipando a multidão. As espadas tiniam o solo soltando faíscas, Linna foi atropelada pelas patas de um cavalo. Caiu e Armando puxou-a para baixo de uma barraca. Os dois ficaram ali até que as coisas se acalmassem.
Essa paz te serve? Perguntou a ela Armando
Por enquanto ainda me serva. Respondeu Linna.
Perdeu a bicicleta, a carteira. Estava com o corpo todo dolorido, mas ainda achava que o caminho era esse. Reagir pacificamente.
As fotos de Armando ficaram maravilhosas. Pois o tumulto, as agressões, a violência não apagaram a bela cor do dia, não destruíram as imagens serenas dos rostos dos manifestantes. Não calaram a voz da cidade.
PAZ!


Último texto postado.
Viamão, 01/08/2008
Fernanda Blaya Figueiró

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