24 de mar. de 2013

Conto Douradito, o Sapo Rei



 

Foi num fim de tarde bem corriqueiro que essa história aconteceu. Os campos estavam cobertos de soja madura, deixando um amarelado no ar. O gado se recolhia placidamente e tudo caminhava para o início do outono, que trazia um friozinho junto com o vento vindo do sul. Bom, tudo parecia absolutamente dentro da normalidade: as pessoas faziam as atividade normais da estância como recolher as galinhas, guardar as máquinas, fechar o galpão, alimentar os cachorros e os cavalos e fazer sua própria comida...

Neste cenário Douradito o Sapo Rei precisou resolver um grande problema: como entrar no galpão sem ser descoberto? A essa altura você deve estar se perguntando: "Por que um sapo entraria no galpão?" Pois bem, eu respondo: para buscar a chave perdida do Baú de Couro. Agora você deve querer saber quem sou eu. Deixe-me me apresentar então - meu nome é Pepita de Ouro, sou uma velha relíquia dos tempos do garimpo e prisioneira do Baú de Couro.

Essa é uma história muito antiga que aconteceu no tempo do Império, imaginem só? Naquele tempo havia nessas terras muito ouro e muitos garimpeiros, o produto era carregado para a corte em carretas  puxadas por bois, mulas ou burros, dentro de baús de couro. Aqui precisamos fazer uma advertência aos historiadores: este é um conto de criança, não procurem nos livros escolares a veracidade dos fatos, pois não há. Pois foi nesse antigo tempo, que ficou perdido na memória, que as mãos hábeis de um garimpeiro me encontraram e fui removida polida e pesada. Para nós, seres minerais, o tempo é muito diferente que para os seres animais e vegetais. Há quem diga que não temos consciência, o que nos incomoda um pouco, os outros seres se acham superiores a nós. Só que sem nós onde eles morariam? Quem adubaria o solo alimentando as plantas? Na natureza cada reino tem a sua função e para que tudo de certo é preciso que haja muita harmonia. Voltando a nossa história, depois que fui encontrada e vendida seguiria para o Rio de Janeiro dentro do Baú, só que houve uma terrível tempestade e a carreta em que eu estava caiu em um desfiladeiro. As mulas conseguiram escapar e o garimpeiro também, mas a carga nunca mais foi encontrada, ficou adormecida no fundo do penhasco, a mata tomou conta de tudo e com o tempo ali se formou um charco.

Agora você já deve estar percebendo como Douradito entra nessa história. Um dia ele pulava de lá para cá e nos descobriu. Tamborilou no Baú achando que estava vazio. Com a barulheira acordei e chamei meus companheiros: um crucifixo de prata, um cálice de ouro, uma coroa de platina cravejada de esmeraldas, muitas moedas antigas e uma adaga esculpida. Douradito é um Sapo Rei muito culto e conseguiu entender que estávamos presos no Baú, da carreta sobraram só algumas peças do acento, os parafusos e hastes de ferro, a madeira foi incorporada ao lodo do fundo do charco. Comovido com nossa situação ele resolveu ajudar, só que juntos somos muito pesados. Por um antigo código conseguimos estabelecer uma longa conversa, sabíamos que um peão havia encontrado a chave do baú e levado consigo. Pedimos a ele que fosse até o galpão e recuperasse a chave e assim abrisse o cadeado e nos retirasse um por um, uma tarefa árdua para um só sapo realizar.

Douradito então mobilizou toda a saparia: seus súditos o adoram e prontamente se preparam para ajudar. Todos os dias os peões selam os cavalos e vão até perto do charco, que eles chamam de açude e cuidam das ovelhas e do gado. Douradito, que era muito esperto, esperou o fim do dia e na hora em que eles estavam passando pulou na garupa do cavalo mais ligeiro. Quando chegou no galpão apeou e se escondeu, bem no alto de uma prateleira encontrou a chave guardada de qualquer jeito. Com a língua deu um puxão e ela veio parar dentro da sua boca, foi nessa hora que um dos peões o pegou pelo pé. Disse para os outros humanos:
- Olhem só quem eu encontrei?
Uma turista que passava por ali perguntou se podia fotografá-lo... O peão achou estranho fotografar um sapo, mas os turistas tem essa mania de fotografia. Deu de ombros e disse:
- Tem que ser rápido pois ele está nervoso!

Nosso herói estava era furioso preso pelo pé com a chave na boca, isso não era pose de um rei. Apertou os olhos e saiu com cara de malvado na fotografia, o peão acabou soltando ele no campo. "Ufa!", pensou. "Que sorte que não havia nenhum cachorro na volta, eles estavam muito ocupados comendo". Douradito se escondeu nos galhos de uma árvore frondosa e dormiu. Pela manhã os peões selaram os cavalos e foram pro campo, com o sapo na garupa.

Chegando no charco a saparia fez a maior festa pelo retorno de seu rei. Esperaram os homens irem embora e depois conseguiram nos soltar, um por um. Vocês não imaginam a nossa felicidade em ver a luz do sol depois de tanto tempo. Para os sapos nós eramos de pouca valia e eles nos deixaram ali mesmo no pasto tomando sol e brilhando. Para os homens descobrimos que éramos muito preciosos e quando os peões voltaram fizeram um alarde, chamaram especialistas, fotógrafos, pesquisadores que queriam nos levar sabem para onde? Para o Rio de Janeiro! A antiga corte. Quem diria!

Só que no fim acabamos foi ficando perto da carreta, num lindo museu do garimpo. E toda essa história ficou gravada nas paredes em grandes painéis. Os turistas vinham de longe só para nos admirar. Douradito teve um longo e rico reinado. E assim foram todos felizes para sempre.

Fernanda Blaya Figueiró

Essas fotografias tirei em um passeio em Lavras do Sul e o conto surgiu inspirado neste belo personagem.



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