10 de jul. de 2008

Cinzas do Vulcão

Oi Gente! Olha só essa nova aventura...



Autoria: Fernanda Blaya Figueiró

Co-autoria: Angelita Soares


Cinzas do vulcão
Linna Franco estava pronta para conhecer a Cordilheira dos Andes. Participaria da produção de um documentário sobre um vulcão que desapertara e estava em plena atividade.
Celular devidamente habilitado para funcionar em outro país, cartão de Crédito, mochila e muito otimismo faziam parte de sua bagagem - era o que Linna pensava, entusiasmada com a nova aventura.
Linna chegou ao aeroporto, às 3:30 h. Anelise, a repórter do grupo, falava sobre suas expectativas em relação a viagem: Quantas vezes, as pessoas também não expressavam seus sentimentos com a intensidade de um vulcão??Aliás, isso só acontecia, porque deixavam seu Vulcão interior, completamente fechado, enquanto, lá dentro, as lavas e o magma das emoções fervilhavam, borbulhavam, querendo extravasar, para poder, novamente, voltar ao seu estado de dormência e quietude...!Demonstrar sentimentos não era devastar tudo; era expressar e comunicar o que cada um tem em seus próprios Vulcões...!!! Tudo é movimento...!!! Tudo que começa, um dia, também, acaba!!!
Linna ouviu atentamente a amiga; era bom ver as coisas por esta perspectiva. Lembrou das cinzas sobre o capô dos carros. Imaginou os rios de lava correndo, no interior do planeta. Caminhamos sobre uma bola incandescente – pensou. Linna era fascinada pelo fogo, achava belo e misterioso.
O vôo transcorreu sem maiores problemas. Além de Anelise e Linna, a equipe era composta por Ronaldo, o cameraman, Daniela, colunista de um diário e de Tânia, que cuidaria de toda a parte administrativa e dirigiria o documentário.
Cinco horas de Jipe por estradas acidentadas, completaram a jornada. As cinzas voavam por toda a parte e um grande bloco de fumaça saia da abertura do vulcão, cobrindo o céu... A vista era um espetáculo! Estavam cansadíssimos, mas as fotos e gravações começaram imediatamente. Linna queria colher a primeira impressão que estava tendo. A vegetação rala coberta de cinzas, a fumaça deixando transparecer a vida interior da terra, seu suor, sua transpiração. Um ar de abandono e “susto”.
Muitas pessoas ainda estavam lá, orientadas por autoridades, mantinham uma distância segura. Linna estava explorando a paisagem quando uma lhama branca se aproximou dela.
- Atchim!
- Saúde – respondeu Linna – Você está bem?
O animalzinho espirrou, mais duas vezes, e lágrimas pareceram correr no canto de seus olhos.
- São as cinzas! Vocês estão chegando agora...! Protejam seus rostos, a poeira já está baixando, mas ainda é perigoso...!
Linna cobriu o nariz, com a gola da blusa. Os outros acabaram fazendo o mesmo por imitação. Não tinham pensado nisso, assim que chegassem a pousada procurariam lenços e mais informações.
- Como você se chama?
- Che-ma – Você é Linna Franco?
- Sim! – Como você sabe?
- Um passarinho soprou no meu ouvido.
Che-ma estava com o pêlo bem longo, o frio era intenso e uma garoa começava a cair, com mais intensidade.
- Uma nevasca! – disse a lhama - Isso vai ser ótimo. Assim as cinzas param de flutuar e caem no solo.
- Posso fotografá-la?
- Claro – respondeu vaidosa – Pega o vulcão?
- Sim!... – Linna tirou várias fotos da nova amiga...- Nós vamos para a pousada agora..Onde posso encontrar você?
- Eu trabalho na pousada. – respondeu. Não existem lhamas livres nesta região. Provavelmente, vou acompanhar o seu grupo... – Vocês vão se aproximar do Vulcão?
- Sim! Temos uma autorização para fazer um documentário...
As duas foram caminhando lado a lado, a equipe estava tão embevecida e cansada, que nem notou que Linna falava com um animalzinho.




Perdida na neve.
Che-ma andava seguindo os sulcos que formavam a trilha. O solo pedregoso das cordilheiras mal aparecia sob a pequena camada de neve. Um guia conduzia a equipe. Linna parou, alguns minutos, para fotografar um grande Condor que voava próximo a eles. Não percebeu que perdeu contato visual com o guia. A lhama resolveu esperar; Linna queria registrar a cor mágica do crepúsculo andino. Mas a noite escura desceu logo e as duas acabaram desviando a rota.
Che-ma sabia o que fazia. Linna Franco devia documentar outras coisas, não aquilo que era evidente. O Invisível, como ela gostava de chamar. Estava em segurança, mas não podia saber disso.
Os outros membros da equipe estavam tão cansados, ao chegarem a pousada, que não perceberam que Linna não estava no grupo. Comeram um caldo grosso, preparado a base de milho e servido com abacate, pão e um maravilhoso vinho, especialidade da casa. Depois, dormiram pesadamente.
Linna e Che-ma chegaram bem perto do Vulcão.
Flauta. Violão. Alegria.. Silêncio. Um profundo e raro silêncio !
Uma pequena de olhos vivos sorria. Olhando para o espanto de Linna. Pernas fortes e roliças, cabelo liso e uma certeza de verdade.
- Quem é você?
- Eu? Linna Franco, a pequena. Ela, apontando para uma velha senhora que cardava – Linna Franco, a mais antiga. Esta canção: Os sons do Silêncio.
Nessa hora, que parece tão tardia, seus amigos dormem, Linna! Dormem e fazem bem. Um dia, acordarão, como o vulcão. E voarão nas asas do Condor e sentirão a aridez do solo como a lhama. Tarde não existe. Você está pronta para: Amar! Incondicionalmente! Como disse o sábio Pelicano Solito.
Agora! Linna, tudo já foi guardado em seu coração! O universo inteiro cabe em você! E isso, não é nada! Simplesmente nada...!
Nada
Olhe o milagre do Vulcão, com suas cinzas e sua majestosa presença... O fogo que arde e fascina. Como se fosse poesia!
Quando voltar para casa, perceba que o vulcão é tão magnânimo, quanto a pequena flor amarela que traz os segredos do mundo, em seu nascer. Em seu viver. Ela acorda, neste momento, na sala de sua casa. Abre-se para a vida.. Ávida!
Com os lábios roxos de frio e as pontas dos dedos duras, Linna não sabia o que estava acontecendo..!Apenas sentia...Paz.E Plenitude.
Nada é extinto e tudo é recriado! Nesse exato momento, você também faz parte de um sonho. Na pousada, Anelise sorria, sonhando que Linna e ela, dançavam, abraçadas, dentro do Vulcão...
A menina chegou mais perto de Linna e puxou-a pela mão. Entraram em uma cabana, onde a avó da menina cardava a pele de uma lhama. Che-ma ficou no alpendre, próximo a porta, precisava descansar.
A senhora serviu um prato de creme de milho quentinho, para ela, e uma caneca de leite de cabra. A cabana era pequena e confortável. Um fogão aquecia o ambiente. Tudo era muito bonito e colorido; havia tapetes e cortinas, tecidas a mão, por todo o lado. Sentado, num banco tosco de madeira, um senhor tocava a flauta que Linna havia ouvido.
- Você errou a trilha!- Disse tranqüilamente – Não tenha medo.
- Obrigada! - Disse, fazendo um sinal de agradecimento - Onde estamos? Vocês moram aqui?
- Moramos! – respondeu a menina – O governo quer que a gente migre. Mas não queremos deixar nossa terra. Quase todo mundo foi embora e os animais ficara sozinhos: cães, gado, lhamas... Eles vivem na companhia das pessoas, há muito tempo; não sabem procurar comida, água.... As cinzas estão cobrindo os campos, junto com a neve! Eu sou Maria, esta é vó Consuelo. Aquele é Amaru.- disse olhando com muito respeito para o senhor.
- O que ele está fazendo? – Linna sussurrou para Maria ..
- Conectando-se com as forças do universo...!!!Você nunca tinha visto?
Amaru usava um colorido agasalho, enrolado ao corpo, e entoava uma cantiga, enquanto queimava ervas no fogo e movia o tronco para frente e para trás num ritmo constante. Linna entendeu que orava e, sem perceber, caiu no sono.
Consuelo acordou-a, assim que o sol nasceu, serviu um chá forte e biscoitos redondos. Maria ainda dormia e Amaru tratava de Che-ma.
- Você deve ir !– Basta seguir os sulcos; a neve foi fraca e a lhama vai conduzi-la, em segurança. Não conte a ninguém sobre nós. Não queremos ser encontrados! Cuide-se!! Nunca deixe o desalento tomar seu coração... Conte para os povos sobre a beleza dos Andes e a sabedoria renovadora do Vulcão. Sua amiga repórter disse que tudo se transforma... Palavras de muita sabedoria, para alguém ainda tão jovem!
- Mas não é perigoso ficar aqui?
- Amaru sabe o que faz; jamais colocaria Maria e eu em apuros. Nós confiamos em nosso líder. Em quem você confia, Linna?
- No amor! – respondeu sem pensar - Obrigada, Vó Consuelo!
Virando-se, chamou Che-ma, que já estava pronta.
- Não quero que notem minha ausência. – Linna queria falar com Amaru, mas entendeu que seu silencio era precioso e parte de sua pessoa, ela tinha aprendido a respeitar isso. – A senhora entrega isso para Maria? – Linna alcançou, para a senhora, a pequena flor que havia ganhado de seu namorado, Acauã, quando se conheceram. Era a única coisa significativa que tinha, mas soube que ela receberia com carinho e que não precisava mais daquele símbolo do amor de Acauã por ela, pois o sentia profundamente enraizado em seu coração.
Olhando-a, serena e carinhosamente, vó Consuelo abraçou-a e sorriu. Nos seus olhos Linna percebeu um profundo respeito pela vida. Estavam bem mais longe da pousada do que imaginavam, e muito longe do vulcão. Chegando ao topo da montanha Linna teve uma grata surpresa: estavam próximas de uma praia do Oceano Pacífico. A paisagem era simplesmente deslumbrante.
- Che-ma! Eu não esperava por isso – Como é lindo!
Próximo a praia aparecia a cidade abandonada, com as ruas vazias tomadas pelas cinzas e pela neve. Um estranho abandono, cheio de magia e ensinamento. A fumaça saia da boca do vulcão como se fosse de uma chaminé. Não havia rios de lavas, nem explosões como ela imaginava.
- A gente acha que ele está apenas “roncando”. – disse Che-ma - Não está totalmente desperto.
Linna retirou a máquina da mochila captava todas aquelas imagens espetaculares, quando um patrulheiro se aproximou. Pediu seus documentos e perguntou o que fazia ali. Ela explicou, num tipo de portunhol, que havia se perdido de sua equipe e que procurava a pousada. O policial não gostou muito de sua história. Ela e Che-ma foram conduzidas para a pousada, onde Tânia esperava aflita.
- Linna! – disse Tânia aliviada – Quem bom que você está bem... Quase morremos de susto. Onde você passou a noite, menina?
- Procurando a pousada.... Errei a trilha.- Ela percebeu que sua história não estava colando – Essa lhama ficou o tempo inteiro comigo.
- Ela é esperta – disse o dono da pousada, puxando-a para um galpão.– Não entendo como se perdeu, Che-ma. Você quer um chá.
- Sim! Estou morrendo de fome. - disse – Quando começam as gravações?
- Ronaldo e Anelise já foram preparar o equipamento e coletar alguns dados. Daniela está preparando uma coluna, hoje já quer mandar a primeira matéria para o jornal. O Vulcão está calmo, mas, acho que não poderemos chegar muito perto. As autoridades estão procurando “evitar acidentes”. Essa noite houve um pequeno tremor de terra.
- Eu fiz fotos fantásticas... Se ela quiser já posso editar.
- Será ótimo... No telejornal da noite faremos uma matéria ao vivo, se couber na pauta... Agora, preste atenção, não se separe mais do grupo. Você tem que ter responsabilidade, trabalho de equipe é uma coisa muito séria...
Linna sabia que merecia o sermão, ouviu e não retrucou. Era apenas uma estagiária, tinha sido uma grande conquista ser selecionada para aquela aventura, não queria ser “desligada”.
Tânia estava super brava até ver o material de Linna. Seus olhos brilharam, as fotos tinham vida. Tratou imediatamente de conseguir uma conexão e mandar tudo para a redação via e-mail...Show!!! Foi a resposta. A TV Universitária faria história.



A matéria
Linna viu que Tânia estava nervosa, as coisas haviam fugido ao seu controle. Ela tinha planejado em detalhes sua ação e as metas que pretendia atingir. Coisas que Linna praticamente ignorava: Planejamento e objetivos, já que agia por impulso. O tremor de terra da noite tinha adiado os da equipe. Nenhum jornalista podia sair da pousada e talvez eles tivessem que retornar sem se aproximar do vulcão, como o planejado.
Enquanto esperavam autorização para sair ficam reunidos na sala batendo papo e se aquecendo próximos ao fogo. Linna viu que o quadro sobre a lareira estava torto. Uma rachadura perto da porta mostrava a força do tremor. Como ela não havia sentido nada na cabana de Vó Consuelo?
- Engraçado! – disse Anelise para ela– Eu sonhei que estávamos as duas dançando abraçadas dentro do vulcão, coisa doida.
- Será que tem como ver a boca do Vulcão? – perguntou Linna.
- Não! – respondeu Ronaldo- Eu perguntei para os guardas... Antes dele acordar ali era um solo pedregoso... Agora o calor e a fumaça não permitem que se veja nada, muito menos que entre e dance nele. Não há rios de lava, mas muito material sendo expelido. – concluiu.
- Esta parte do Planeta Terra está mudando – disse enfática Linna- Um grande bloco de gelo se desprendeu há poucos meses, alguns vulcões estão acordando... Parece que a Terra quer nos dizer algo. Como se estivesse reagindo.
- Que imaginação! – disse Ronaldo – Parece coisa de criança...
Tânia invadiu a sala gritando: Preparem-se! Consegui a autorização.
A equipe estava pronta Tânia não deixou que Linna fosse junto. Fariam a matéria, as imagens e voltariam antes do tempo previsto para Porto Alegre. A edição e montagem do documentário seriam feitas no estúdio.
Linna ficou hiper chateada, entendeu que havia pisado na bola. Mas, não tinha agido intencionalmente. Se bem que, com o tremor eles não poderiam chegar muito perto mesmo, não faria fotos melhores das que ela já tinha.
Resolveu ver como estava Che-ma, o Condor sobrevoou novamente a pousada. Fez fotos esplendidas dele e da pousada. Pegou pequenos detalhes e grandes imagens. O vulcão parecia estar presente em tudo. Na cinzas no chão, nas marcas de terremoto e no olhar de medo dos animais.
- Sua chefa ficou bem braba, né! – disse a lhama - Você está de castigo?
Linna riu, parecia mesmo que estava de castigo. Ficou pela pousada,conversando com o pessoal, descansando e bisbilhotando. Não esquecia a imagem do mar, o estrondo das ondas e o cheiro forte da areia. Bem diferente do que conhecia. Che-ma passou o tempo inteiro em sua companhia.
A equipe voltou frustrada, a densa fumaça e a nevasca não permitiram que fizessem grandes imagens. Reuniram todo o material e precisavam montar a primeira matéria para o telejornal da noite. Daniela sugeriu abrir a matéria assim: Falamos direto da cordilheira dos Andes, ao pé do Vulcão que despertou esta semana, como vemos na imagem, há uma densa fumaça saindo de seu interior. A sensação que fica é de que esta parte do Planeta está mudando. Parece que ela, a Terra, quer nos dizer algo. Como se estivesse reagindo!- Adorei! - disse Tânia.
As “criancices” de Linna. Eles nem disfarçaram para usar suas idéias, ficou desapontada.
Entendeu mais ainda o silêncio de Amaru.
A Terra tremeu mais uma vez! Linna tomou um susto. Uma viga do galpão caiu provocando um estrondo.
Correu para ver Che-ma, mas ela estava bem. Depois ouviu um novo estrondo, seguido de uma grande golfada de cinzas... Ronaldo registrou o momento exato da golfada de lava. Linna fotografou o desespero dos animais fugindo em disparada: a luta pela sobrevivência. A lava caia longe do vulcão.
Pensou em Maria, vó Consuelo e Amaru. Estariam bem?





O espírito da natureza..
A expedição parecia que estava chegando ao fim...! Com o novo tremor e uma chuva de lava, as autoridades fecharam todo e qualquer acesso ao local...
Cinqüenta quilômetros de diâmetro seriam totalmente evacuados, para garantir a segurança. A equipe de Linna foi uma das últimas a deixar a pousada. Che-ma ficou para trás... Primeiro retirariam o resto da população e os jornalistas. Só num outro momento recolheriam animais de estimação e de criação. As novas amigas mal conseguiram se falar:
- Adeus ! – Disse a lhama, olhando para ela .- Não se preocupe, nós vamos ficar bem.
- Cuide-se! – respondeu Linna, acenando para ela.
O Condor sobrevoou a cidade deserta. Linna compreendeu que eles eram dali. Tinham grandes chances de sobreviver e de suportar o que estava por vir. Entendeu que era um privilégio viver uma época de grandes mudanças. Do interior da Terra., viriam as melhores e verdadeiras transformações...!! Amaru, Vó Consuelo e Maria haviam optado por ficar, numa aposta com o destino. Não eram comandados pelas autoridades e, sim, espíritos livres, que eram dali, como o Condor e Che-ma. O inverno seria longo e intenso para eles, mas não cabia, em suas vidas,outra forma de viver..
Uma parte da família de Vó Consuelo havia saído da Espanha, há mais de quatro séculos. A família de Amaru era de andarilhos da cordilheira. Sempre viveram nas montanhas, entre lagos, vulcões e o mar. Para eles, não havia mistério ali.
Maria era neta de vó Consuelo, filha de sua filha e bisneta de Amaru, filha de seu neto. Todos partiram, em busca de um sonho que eles mesmos não compreendiam.... Queriam uma língua estrangeira, roupas estranhas, carros e um conhecimento importado. Para depois, morarem, no cinturão da miséria das grandes metrópoles.
Amaru transmitia, para Maria, as tradições mais longinquas....Aquelas que não deixariam sua cultura ser enterrada, pelas areias do tempo, e pelos tempos modernos. Vó Consuelo, o gosto pela boa vida... Seria possível viver em paz?
Amaru, Che-ma e o Condor estavam felizes com este longo perímetro de Liberdade. Há muito tempo esperavam por um momento tão belo assim...!! Estavam prontos, para viver, intensamente, esta época...! Até o momento em que suas cinzas estiverem voando, junto com as cinzas do vulcão, na renovação da energia. Então, viverão, novamente, como pó, ou como pão, ou pasto.. E, novamente, como condor, ou lhama ou Amaru.
O jipe que levava a equipe da TV Universitária quebrou, a cinco quilômetros da pousada deserta e a vinte, de qualquer ajuda. O motorista entrou em pânico...!! Caía a noite e, com ela neve, frio e deserto. Sem abrigo e sem comunicação...! E, dessa vez, a culpa não foi da estagiária...!
Parecia que algo ou alguém estava querendo dar outro recado para eles...Qual seria, dessa vez???


Clarão na noite
Ronaldo assumiu o controle da situação, tentando acalmar a turma. Não podiam retornar, pois caminhar cinco quilômetros no deserto, com cinzas e neves, seria fatal para eles. Não podiam ficar ali, morreriam de frio. Lembrou-se de seus ensinamentos de escoteiro; a primeira coisa que precisavam era procurar abrigo e fazer uma fogueira.Estava expondo sua opinião, quando o Condor cruzou o céu. Linna sabia que ele não falaria com ela, mas percebeu que estava disposto a ajudar.
- Ronaldo! Pode parecer uma idiotice, por favor, não ria, antes de eu completar... – Vamos seguir o Condor?
Ronaldo soltou os braços e uma grande gargalhada... – Fala Sério, Linna!
- Por que ? - perguntou,pragmática, Tânia.
- Por que a lhama me manteve segura... – Ponderou Linna – Esses animais são daqui, eles sabem o que fazer!
- Voar, por exemplo? – Indagou o rapaz –E se ele alçar vôo? Ficamos longe do jipe, sem contato, sem abrigo e sem comida e água...
- Eu soube.... – continuou. Enquanto vocês saíram, ontem, para gravar... Que existem cavernas, com águas termais próximas ao vulcão.
- Isso! – Interrompeu o motorista, já mais calmo -.. Mas é muito perigoso seguir, em direção ao vulcão...!
- E ficar aqui? – Perguntou Anelise .
- Pela Virgem..!- O homem estava com medo e tinha razão nisso. - Nem sei...
O Condor deu mais uma volta e seguiu em direção ao vulcão.
- Vamos ! – disse Ronaldo – Se todo mundo concordar! Agora, temos realmente que agir com união!
Eles pegaram só o que era necessário e puseram-se a caminhar.
Com o cair da noite, as descargas elétricas proporcionavam um espetáculo singular...! Entre a cratera e o céu, clarões de energia provocavam grandes explosões e uma dança de eletricidade. Era lindo e assustador...! Linna fez ótimas fotografias deste fenômeno. Ronaldo Gravou tudo, o documentário ganharia mais veracidade do que nunca com aquelas potentes imagens.
O Condor levou-os, em segurança, até a entrada de uma caverna vulcânica... Ronaldo foi logo acendendo uma fogueira. Tânia, Daniela e Anelise estavam em estado de choque e o motorista, aliviado. Um lago de águas termas aquecia o ambiente. Nas paredes da caverna, tudo estava limpo e intacto.
Linna ficou para trás; queria agradecer ao Condor, fez um aceno com a cabeça e não disse nada.
Ele apenas voou, silenciosamente, sabedor de sua gratidão.
Mesmo com a fogueira e com o vapor da água termal, a temperatura era muito baixa...! Eles dividiram os biscoitos que o motorista havia trazido e alguns goles de água mineral.. Não sabiam se a água do lago era potável.
Para manter o calor, tiveram de se abraçar e cobrir o corpo com seus agasalhos.. Não podiam fazer mais nada.Linna sentia-se, como um urso hibernando. Pensava em Che-ma sozinha. Amaru deve ter recolhido os animais...! Pensou.
Anelise disse que, amontoados assim, eles pareciam os pingüins de um filme que havia visto.
- Podemos imaginar que estamos no filme...!Brincou Daniela.
Eu já acho que parecemos uma baleia. Disse Ronaldo.
Todos riram e acharam estranha a idéia. Mas, pareciam, sim, um só ser. Aos poucos, movidos pelo cansaço, caíram num profundo sono... Menos Linna que resolveu explorar a caverna...! Seguiu um som familiar e lá estavam Amaru, Maria e vó Consuelo...! Che- ma, sentadinha, na porta da cabana. Lá fora, a Cordilheira, os raios e o Vulcão. E, novamente um profundo silêncio.



Unidade
Vó Consuelo sorriu, ao ver Linna bem.. Seus olhos brilharam de alegria...! Maria correu ao seu encontro, com a pequena flor, confeccionada em folhas de bananeira, pelas hábeis mãos de Acauã, transformada em um lindo e colorido colar.
Che-ma saltava de alegria. Amaru permaneceu silencioso.
- Estamos no interior do Planeta Terra.... – Deixou escapar Linna- Como se fosse no útero dela...
- Mas ainda estamos na superfície... – Brincou vó Consuelo – Para irmos mais fundo, devemos ir, em pensamento, como faz Amaru. Linna, o silêncio nunca deve ser quebrado com bobagens... O Vulcão estava adormecido, há mais ou menos nove mil anos... !
- Nove mil anos! – Repetiu Linna – É muito tempo...!!
- O que você veio buscar aqui? – Indagou vó Consuelo.
- Informações, talvez... – Respondeu, um pouco insegura – Aventura, conhecimento... Aproveitar uma oportunidade; na minha terra tem um ditado que diz que o cavalo selado só passa, uma vez, na nossa frente.Então, precisamos aproveitar a montaria ou vamos seguir a pé... Acho que, apenas, segui a minha intuição, vó Consuelo.
- O que você acha que o vulcão está nos dizendo, com sua atividade?
- Que as coisas estão mudando... Que a natureza está viva, em constante transformação e movimento. Hoje, acho que compreendo melhor a unidade entre todas as coisas e a individualidade também. A história é sempre a mesma: vulcão, pessoa, animal, não tem diferença.
- Isso, garota! – Sonho e realidade tem a mesma composição...!
- Linna! –Interrompeu Maria- Che-ma me deu um pouco de sua lã e eu fiz essa mantinha para você levar para Acauã...Maria tinha, nas mãos, uma comprida manta colorida. Os olhos de Linna não contiveram as lágrimas de alegria.
- Que linda! – Exclamou – Ele vai adorar... !
Amaru fez um sinal, pedindo silêncio. Vó Consuelo pediu a Linna que voltasse, para seu grupo, e mantivesse, com eles, uma verdadeira união, entendendo que cada um tinha seus defeitos e suas qualidades. Sua ignorância e sua sabedoria. E que, para retornarem,em segurança, deveriam ter muito respeito e amizade.
O condor entrou na caverna, sobrevoou a entrada da cabana e sentou ao lado de Amaru. Che-ma, Maria e Vó Consuelo sorriram. Linna regressou ao seu grupo, não sabia bem o quanto era real aquela imagem: Uma família vivendo em uma cabana, dentro de uma caverna. Onde estavam?
Recordando a imponência majestosa daquele lugar, pôde entender, profundamente, a verdade da máxima popular que tanto usava: Todos somos um.Pela manhã, a equipe de resgate encontrou-os, assustados, mas seguros.
Partiram da Cordilheira dos Andes, trazendo, em seus olhos, um belo espetáculo. E um profundo respeito pela força da natureza.
O documentário fez muito sucesso! E toda a equipe foi recompensada, com uma nova sabedoria, além de muita alegria e paz...! Poucos meses depois, as pessoas retornaram para suas casas, enquanto o vulcão voltava a sonhar por mais um longo período de tempo...!! Acauã adorou o artefato que Linna trouxe de presente para ele, uma linda manta colorida.

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